Zumbi, Zabé, Johnson e Ismael

No início de 2022, Sergio Camargo, presidente da Fundação Palmares, revelou seu desejo de mudar o nome da instituição para Fundação Princesa Isabel. Camargo foi nomeado para este posto por Jair Bolsonaro com o objetivo explícito de destrui-la por dentro, tática também usada pelo fascismo tupiniquim em diversas outras. Porém, neste caso tratava-se de um dos muitos factoides criados apenas para estabelecer polêmicas estéreis que mantenham a oposição alvoroçada. A mudança de nome precisaria ser aprovada pelo Congresso.

Porém, a escolha da polêmica vazia, assim como a loucura de Hamlet, tem seu método. Pois a oposição entre Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bragança e Bourbon-Duas Sicílias, cognominada A Redentora por ter assinado a também cognominada Lei Áurea, e Zumbi, negro nascido livre, escravizado, tornado líder do maior quilombo das Américas, capturado e assassinado, é um dos símbolos das mudanças trazidas pela luta do movimento negro no Brasil. A passagem da assinatura da Abolição (13 de maio) para a morte de Zumbi (20 de novembro) como principal data comemorativa para estes movimentos (pois são múltiplos) é reflexo de uma postura que não aceita nada que possa ser interpretado como um favor e se apresenta como protagonista da própria história.

Esta introdução não é um mero nariz de cera – gíria antiga pra inícios de textos que não dizem a que vieram, atrasando a entrada no assunto real. No entanto, ela será ainda insuficiente diante do tamanho da divisão que se afigura aqui. Assim, não vejo outra maneira de entrar efetivamente no assunto que não de supetão, e o assunto aqui é, antes de tudo, canção. Portanto, vamos a elas, ou à primeira delas.

Meu coco é a faixa de abertura e também título do álbum de Caetano Veloso lançado em 2021, o primeiro de inéditas após a sua chamada trilogia do rock (álbuns , Zii e Zie e Abraçaço). Nele, Caetano faz um, ou vários, vigorosos libelos contra o fascismo tupiniquim, contrapondo a este uma noção de civilização longamente desenvolvida ao longo de sua obra, em particular a visão de Brasil inclusa nesta civilização. E, após evocar alguns dos nomes fundadores da canção brasileira moderna – Noel, Caymmi, Ary -;e de elencar os nomes de filhos de seus pares e de si mesmo como representantes de um futuro que já se afirma; e de mencionar João Gilberto como um oráculo que centraliza tudo isto e muito mais, Caetano encerra sua canção com o verso: Tudo embuarcará na arca de Zumbi e Zabé. Sendo Zabé uma corruptela, trocado o z por s, para ela, a Princesa Isabel.

Não é a primeira vez que Caetano põe estes nomes lado a lado. A canção 13 de maio, do álbum Noites do Norte, inicia em 2000 a metamorfose do nome, de Isabel a Isabé. E em Feitiço, composta e gravada com Jorge Mautner no álbum conjunto Eu não peço desculpa, de 2002, eles foram ainda um pouco mais longe nos versos Zabé come Zumbi / Zumbi come Zabé, numa letra abertamente tropicalista que louva a capacidade de música brasileira de regurgitar influências, invertendo os versos de Noel Rosa ao referir-se ao funk: um feitiço indecente que solta a gente, e uma resposta crítica de Caetano ao que ele já classificou como versos racistas de Noel. A decisão de colocar lado a lado os dois nomes – e a antropofagia recíproca imposta a eles em Feitiço – assemelham-se a tentar encostar os lados opostos de um imã, e no entanto é o que ele faz, e mais: não apenas encerra a canção com eles, mas o faz direcionando tudo o que disse antes a eles, passando obrigatoriamente por Chico Buarque – e o neologismo emb(u)arcar é o filtro que direciona e unifica o que passa por ele, como um filtro torna potável a água ou a torna café – que possivelmente orienta o carnaval.

Somemos agora a esta discussão outro álbum lançado em 2021, e que traz uma visão radicalmente diferente sobre o assunto que vai se desenhando aqui: Delta Estácio blues, de Juçara Marçal, e sua canção-título.

Rodrigo Campos, co-autor de Delta Estácio Blues contou em seu perfil do Instagram:

Quando recebi o convite, junto com a base construída por Juçara Marçal e Kiko Dinucci, pra compor com eles o que viria a ser a canção “Delta Estácio Blues”, tinha acabado de assistir um documentário sobre Robert Johnson. (…)
Ao mesmo tempo também ressoavam na minha cabeça os papos com Bernardo Oliveira, em que concordávamos sobre ter acontecido uma subestimação da Turma do Estácio como movimento que ajudou a forjar uma identidade cultural brasileira, com a criação da primeira escola de samba, junto com os instrumentos e a estética musical que usamos até hoje. As épocas dessas personagens coincidiam, foram contemporâneos. A música negra se reinventando de formas diferentes e ricas em dois lugares do mundo no mesmo período.
Fiquei cantarolando em cima da base, onde encontrei essa melodia, que conversava com a harmonia do violão do Kiko Dinucci, que me lembrava, talvez pela levada e timbre, também, o violão do Robert Johnson. Tava ali o mote: Robert Johnson não fez trato com o diabo pra passar de medíocre a deus do Delta Mississipi, ele havia encontrado a Turma do Estácio. Numa espécie de vingança “tarantinesca”, imaginei: agora, Bide, Baiaco, Ismael e grande elenco, não tinham fundado, apenas, os alicerces da música brasileira, mas também da música do mundo, com os poderes pagãos por eles conferidos a Robert Johnson.

A canção Delta Estácio blues conta a história deste encontro de forma propositalmente elíptica, como se fazem as formações de mitos, mas com uma conformação de estrutura que inclui uma ponte instrumental entre a segunda e a última estrofe correspondendo ao período misterioso em que Robert Johnson teria desenvolvido sua técnica, e a inclusão de uma cuíca tocada por Paulinho Bicolor – instrumento introduzido no samba a partir de sua origem congo-angolana por João Mina, integrante da Turma do Estácio não mencionado na letra. Já Delta Estácio Blues, o álbum, se passa inteiro neste presente alternativo, bifurcado na virada da década de 1930 – tanto estilisticamente quanto, se ouvirmos com atenção, conceitualmente, até mesmo nas letras. Assim como o livro O Homem do Castelo Alto se passa num presente em que o nazismo venceu a guerra e o Japão governa o território dos EUA, Delta Estácio Blues se passa num Brasil em que Ismael e Johnson se encontraram e mantiveram unida a diáspora. Que mundo teríamos então?

Caetano, em seu livro Verdade Tropical, fala dos dois gigantes da América, EUA e Brasil ao norte e ao sul, e sua difícil convivência. Juçara traça um elo (não tão) perdido entre a música negra dos dois países, não no tempo, mas territorial, aproveitando o elemento mítico para colocar o Brasil em vantagem – pois Robert Johnson vem receber seu poder, receber a unção de Bide, Marçal e Ismael – uma Santíssima Trindade ao avesso, que substitui o Demônio no pacto. Só que, para Caetano, esta reescrita mítica não é necessária, pois o elo perdido para ele foi achado em 1958, por um homem branco de Juazeiro e igualmente com a vantagem para o Brasil, mas possivelmente um outro Brasil. E aqui temos um ponto chave para entender as diferenças entre estes dois trabalhos.

Robert Johnson e João Gilberto têm uma coisa em comum: ambos, de forma algo misteriosa, estabeleceram as bases fundamentais dos estilos que os consagraram. Johnson, do Mississipi Delta Blues, com seu formato consagrado de 12 compassos e cadências harmônicas tão características. E João, da Bossa-Nova, estilização do samba conforme este fora codificado por… Ismael Silva e seus amigos. A centralidade de ambos em virtualmente toda a música produzida em seus respectivos países é inquestionável. E Robert Johnson e João Gilberto têm uma coisa diametralmente diferente entre si: um era negro, outro branco.

João Gilberto não é apenas central na música brasileira em geral, mas em particular na obra de Caetano. No entanto, o que Delta Estácio Blues propõe é outra coisa: uma união dos negros para fazer o que querem fazer, antes que o branco o faça por eles. No universo de Delta Estácio Blues, João Gilberto está obsoleto com trinta anos de antecedência. Nada pessoal. Apenas a retomada de, para usar a expressão consagrada de Caetano, outras diversas linhas evolutivas da música brasileira deixadas de lado, recalcadas, e que retornaram à evidência em tempos relativamente recentes.

Em outro artigo deste blog, tratei de como a promessa de felicidade  – termo sintético usado por Zé Miguel Wisnik, aliás tirado de uma canção de Caetano, Lindeza – feita pela Bossa Nova, ao longo de 60 anos, mostrou-se gradativamente feita de escolhas que não necessariamente incluíam a todos, e como a MPB foi sendo gradativamente esgarçada para tentara suprir estas ausências a partir do surgimento da Tropic��lia e de Jorge Ben (trato-o aqui sem o Jor, por tratar apenas de sua carreira anterior à mudança), até ter sua planejada aliança de classes rompida simbolicamente por uma delas com a ascensão do rap, centralizada este na obra dos Racionais MCs. Pois, de forma sintética (mas a ser nuançada adiante), pode-se dizer que Caetano insiste no suposto vigor da MPB em promover uma inclusão geral e que esta união seria a arma mais potente contra o fascismo, enquanto Juçara prefere seguir a trilha aberta pelos excluídos e elaborar uma resposta ao fascismo que não caia nos mesmos erros da trilha que, ao fim e ao cabo, permitiu sua ascensão. Delta Estácio Blues reivindica e esboça um novo mito de origem para a música brasileira, nada menos.

Enquanto isso, Caetano segue considerando a MPB a redenção do Brasil, ou dos Brasis. Com Naras, Bethânias e Elis / Faremos mundo feliz / Únicos, vários, iguais são versos que vão ao limiar extremo do passadismo, não estivessem duas destas três tremendas protagonistas da canção brasileira mortas há décadas – e duas delas fossem desafetos inconciliáveis… no entanto Caetano, ao longo de todo o álbum, vai evocando – ou seria mais exato dizer invocando – todas as forças da música contra o fascismo, dos dodecafônicos e vanguardistas Shoenberg, Webern, Cage, passando pela lista de GilGal (a começar pelo título e mencionando Pixinguinha, Benjor, Jorge Veiga, Djavan, Milton Nascimento, Tincoãs e outros), seguindo por nomes brasileiros contemporâneos em Sem samba não dá – Ferrugem, Djonga, Baco Exu do Blues, Glória Groove, Mayara e Maraísa, Marília Mendonça, Duda Beat, Gabriel do Borel – e encerra o álbum inteiro com os nomes do Olodum e de Carlinhos Brown.

O que ele está fazendo é uma arregimentação: Caetano elenca todos, mesmo os ligados ao sertanejo do agronegócio, como antípodas do fascismo, preferindo enxergá-los como continuadores da cultura brasileira. E o que permite esta convocação, planejada nos versos de Não vou deixar: porque eu sei cantar / E sei de alguns que sabem mais / Muito mais, é a sua convicção férrea de que todos são ouvidos pelo filtro poderoso e unificador de João Gilberto e o representante que Caetano elege entre os hoje vivos, Chico Buarque.

Há ainda dois outros níveis de convocação utilizados por Caetano. Um é a listagem de nomes de filhos como Moreno, Zabelê, Amora, Amon, Manhã, dele e de seus companheiros de geração como Gil e Jorge Mautner, tirando proveito do exotismo de cada um (porta aberta por Riroca, não posso deixar de pensar) para assinalar sua fé em uma nova geração, original desde os nomes – embora a noção de uma continuidade por herdeiros tenha não apenas no Brasil um histórico oligárquico deplorável. E o outro consiste em convidar para arranjar suas canções nomes como Thiago Amud e Letieres Leite, músicos de trabalhos arrojados unindo tradição e uma enorme inventividade. Por todas estas características, Meu coco se configura como uma espécie de toque de reunir da música brasileira contra quem a despreza, tendo no entanto nascido e crescido nas sombras do território que ela renunciou a abarcar.

Já Juçara – e Kiko Dinucci, seu fiel escudeiro aqui e responsável pela maior parte da sonoridade de Delta Estácio blues – fazem sua aposta no futuro partindo de pressupostos muito diversos. Ao invés de tentar o resgate do que parece se perder, eles investem no que não chegou a ser, mas mostra hoje muito mais fertilidade. Delta Estácio blues é um álbum de música negra, e também de música eletrônica. Assim como o álbum anterior de Juçara, Encarnado, tomava uma bifurcação na MPB joãogilbertiana ao ter seus arranjos desenvolvidos não a partir dos clássicos blocos de acordes, mas em contrapontos ásperos em que a tensão nunca era suavizada, aqui, lado a lado com a união entre blues e samba narrada na letra da canção título, ocorre uma reivindicação de território – porque a música eletrônica tem raízes negras constantemente esquecidas. Neste sentido, a escolha estética de Juçara e Kiko se mostra tão política quanto a plêiade de nomes recitados por Caetano, e também mais sintética, mais direta e, de certa forma, mais potente na sua intenção de projetar o passado para o futuro.

E aqui voltamos à questão racial, que permaneceu latente por todos estes parágrafos. Dizer que a MPB obliterou o negro é manifestamente uma falácia, e vários nomes listados por Caetano – em particular em Gilgal – evidenciam isto. Porém, sua capacidade de assimilação da cultura negra urbana, para além da cultura popular que inspirou Ponteios e Disparadas, não acompanhou as necessidades destas classes, e, novamente, isto é demostrado desde Jorge Ben, que não por acaso foi acolhido por Caetano e tropicalistas. Assim, a postura de Caetano é bem mais dialética do que pode parecer. O mesmo Caetano que grava Quando Zumbi chegar em seu álbum Noites do Norte, em grande parte dedicado a dissecar a herança escravocrata, em Meu coco canta Você-você, um fado interpretado junto com a cantora portuguesa Carminho e encerrado com versos que de intentam pós-colonialistas ao justaporem:

Ary, Noel Tom e Chico
Amália, blues, tango e rumba
Atabaque e bailarico
Peri, Ceci, Ganga Zumba

Ganga Zumba, é bom lembrar, foi o líder de Palmares anterior a Zumbi, e este tomou seu lugar em rejeição à proposta de Ganga Zumba de fazer um pacto de não agressão com os portugueses, que, em tese, garantiria a liberdade dos quilombolas, mas inseriria o quilombo na administração portuguesa. Zumbi rompeu este pacto, precipitando a guerra. E aqui ele é acrescentado ao índio Peri e à branca Ceci (Ubirajara também é um dos nomes listados em Meu coco), o bom selvagem e a mocinha do romance de José de Alencar, e ao acrescentar um terceiro nome ao amálgama iniciado com referências musicais, acaba idealizando um estranho triângulo amoroso.

A par disso, Caetano se reconhece mulato, como afirma na canção Branquinha (feita para a mulher Paula Lavigne), ou pardo, que é como se identifica para os censos e também na canção de mesmo nome neste álbum – que no entanto é, à maneira enviesada de Caetano, também uma declaração de negritude: Sou pardo e não tardo a sentir-me crescer o pretume. Sua condição de mulato em uma canção se afirma em contraste com uma mulher branca, e em outra contrastando com um homem negro.

Todas estas nuances, ou mesmo contradições internas, são inerentes à persona tropicalista e suas provocações, o que não significa que sejam olvidáveis. Mas o fato é que o Brasil que Caetano defende, em que o racismo e a herança da escravidão sejam rigorosamente banidos, também é um país em que as heranças culturais se amalgamem numa diversidade específica em que todas terão vez, e esta fusão de heranças para ele passa inevitavelmente por João Gilberto. Caetano se permite acrescentar ao legado de João, mas não deixá-lo de lado, e trabalha incessantemente pela ampliação do círculo e pela inclusão de novas vertentes que foi o projeto tropicalista, mas sempre a partir do ponto fulcral, do Big Bang de João. Daí a condição imposta por ele aos novos nomes da música brasileira: Vai chegando que a gente vai chegar / Vê se rola, se tudo vai rolar / Só que sem samba não dá. E para Caetano, sem samba significa sem João.

Este é seu grande trunfo, e também o seu grande limite. Pois não é possível incluir neste projeto utópico quem não acredita nele, e, malgrado os esforços de Caetano, o projeto deu a uma parte expressiva de nossa população escassos motivos para ser encampado por ela. O resultado estético disto é que, embora Caetano consiga dialogar com o universo do rock e mesmo do funk, este último com uma capacidade de canibalizar influências e informações análoga (mas não idêntica) à da Tropicália, além do humor, em compensação, a conversa com o universo do rap e do hip-hop se revela muito mais truncada, malgrado a predileção destes pelo mesmo Jorge Ben acolhido por Caetano. Há exceções: Haiti, dele e de Gil, é uma honrosa, mas um passo que não foi seguido por outros.

Pois Juçara dialoga com esta estética com enorme desenvoltura. Ela reconhece que distinção entre canto e fala se esboroou e isto se reflete em sua interpretação. Um ouvido condicionado pela MPB poderia considerar que o álbum Delta Estácio blues não é um álbum de cantora, em que sua capacidade vocal e interpretativa se destaque. Juçara não está nem aí. Faixas como Oi,Cat e Crash estão fora dos limites da MPB e demonstram uma assimilação do cantofala, mantendo-se no limite entre um e outro, de uma forma que nenhum dos compositores da MPB clássica, Caetano incluído, se atreve a fazer. E é possível aventar que isto só é possível trilhando os caminhos que a MPB não percorreu: os caminhos que ligam misteriosamente Ismael Silva a Robert Johnson, sem nenhuma mediação.

Crash, canção que levou o prêmio de canção do ano da Multishow, é de autoria de Kiko Dinucci com Rodrigo Hayashi, o rapper cronista de São Paulo conhecido artisticamente como Ogi, e consiste na descrição física de uma briga sem praticamente nenhuma informação contextual de quem ou por quê além de o oponente ser da Calábria (ou seja, branco). Trata-se de um modelo de estilização cinematográfica da violência que a Tropicália não deixou de praticar (Olha a faca! já avisava Gil em Domingo no Parque), mas é também um rompimento – mais um – com a noção de que está tudo bem entre as classes. Algo se quebrou e não tem conserto. Juçara reconhece o crash.

Já Caetano, em diversos momentos do álbum (em especial Não vou deixar), vai até onde a melodia estilizada consegue se reaproximar da voz falada, no quase monocórdico verso inicial, equilibrando-se entre dois semitons. Este é seu limite, que quase é ultrapassado no verso Muito mais!, um instante apenas em que o cantofala surge, fluido e dando conta da intensidade que a simples melodia não daria.

Por sinal que Não vou deixar (um funk-maculelê, conforme nota o pesquisador Pedro Bustamante Teixeira nesta ótima entrevista sobre o álbum, mas de contornos muito suavizados) é reveladora da própria fragilidade enquanto manifesto. Caetano conta que ela surge de sua reação diante da televisão que noticiava a eleição de Jair Bolsonaro, em 2018. Ele se viu esbravejando praticamente os versos iniciais: Não vou deixar, não vou deixar!, ao que seu neto pequeno, vendo sua indignação, exclamou: O vovô tá nervoso, que acabou se tornando outro verso. À parte a maestria de Caetano em transformar o episódio em canção, ele não deixa de se tornar bem representativo da impotência de sua própria afirmação. Caetano, uma vez perguntado em uma enquete de jornal sobre o futuro do Brasil, respondeu: O Brasil vai dar certo porque eu quero. O contraste desta declaração no limite da arrogância com a imagem de um senhor, na época com 76 anos, esbravejando diante da TV é também ilustrativo de o quanto o projeto de Brasil sonhado por sua geração se tornou distante, por mais que a canção resultante tenha em si também sua força, rescaldo ainda deste sonho.

Este artigo não tem a menor intenção de tomar partido entre estas duas visões, mas apenas compreendê-las o mais possível – e já é muito! Entre elas há um processo histórico acontecendo, um processo vivo que procura respostas estéticas para problemas muito mais amplos: para além da expulsão do fascismo tupiniquim, as exclusões históricas que nos levaram a ele. Se o modelo da MPB oriundo da Bossa Nova e turbinado pela Tropicália se revela hoje insuficiente para fornecer uma visão de Brasil que abarque e inspire a todos – se é que um dia foi suficiente-, surgem sons novos com a vitalidade que estes movimentos um dia tiveram, e que incorporam em si vozes que não tinham lugar, e com elas timbres, dicções, sintaxes.

Caetano pretendeu, na canção Meu coco, em suas palavras, fazer uma canção que mostrasse o que se passa em minha cuca ao ouvir João falar. Delta Estácio blues, inversamente, trata de abrir novas possibilidades de passado, procurando caminhos inexplorados e deixados para trás. Em ambos, a certeza de que ainda há muitos futuros a construir. E possivelmente o delta aberto para além de Mississipis e Estácios, lá adiante, volte a se encontrar com a antiga promessa de felicidade, mas desta vez incluindo-a em vez de aspirar ser incluído, construindo futuros em que ninguém mais fique para trás.

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Além da já mencionada entrevista de Pedro Teixeira, este texto se hauriu do de Acauam Oliveira O Brasil no coco de Caetano, que antecipou diversas questões tratadas aqui – como ele volta e meia faz, aliás – e da mencionada entrevista de Pedro Bustamante Teixeira. E agradeço também à Juçara Marçal por uma curta mas esclarecedora troca de mensagens.

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Este artigo foi publicado originalmente na revista Uma Canção, editada por Marcos Lacerda e Alexandre Marzullo, a quem agradeço o espaço.

Escuta! – Diário de bordo de uma canção

“Como nasce uma canção?”, perguntava o teaser do Laboratório Música em Nuvem. Já neste teaser, cada participante tinha sua resposta. E, como não? Afinal, esta inevitavelmente varia de acordo com quem responde, sua vivência, sua especialidade, seu instrumento. Mais ainda, variará a resposta de acordo com a canção, já que cada uma tem sua gênese particularíssima — um acorde ou encadeamento que se insinuou e pediu melodia, uma melodia assoviada que pediu harmonia e/ou letra, um ritmo que pediu discurso, uma ideia sem palavras que pediu expressão. E no banho, no ponto de ônibus, enquanto se ouve outra canção, no ensaio, no exercício do instrumento, na conversa. Perguntado para este mesmo teaser, respondi que, se for uma boa canção, ela pode nascer como menos se esperar.

Isto sem contar a pluralidade de autorias. Pois se a incerteza é desta magnitude para apenas um compositor, cada um que se acrescenta corresponde uma análise combinatória, a potenciação das possibilidades, ao acrescer-se relações interpessoais, complementaridades de talentos (ou de falta deles, vá lá), múltiplas interações que podem se somar ou anular entre si. Que o digam grandes duplas de compositores, Lennon e McCartney, Tom e Vinícius, Roberto e Erasmo. Que o digam os autores de samba-enredo — o da Mangueira, campeã de 2019, tinha seis autores e mais uma não creditada. Quantas dinâmicas de ideias podem surgir? Quantas diferentes canções?

Para completar, chegamos ao Música em Nuvem e sua proposta. Oito músicos e mais de 70 pessoas inscritas, de diferentes formações, fossem ou não musicais, em contato digital para comporem juntas uma canção. Sem dúvida já surgiram inúmeras canções a partir do contato digital em tempos de pandemia. Mas aqui é diferente. Chico Buarque, uma vez, reuniu um grupo excepcional — Francis Hime, João Nogueira, Carlinhos Vergueiro, João Bosco — depois de um jogo do Politheama para compor uma canção. Mas daquela junção de talentos suados e cheios de cerveja não saiu nada, e foi ele quem teve depois de desenvolver o fiapo de ideia que tinha tido e compor praticamente sozinho — com uma discreta participação de Francis — a obra prima “Vai Passar”. E aqui, como se dará?

Cá estamos: Sergio Molina, Marcelo Segreto, Juçara Marçal, Rômulo Alexis, Clara Bastos, Priscila Brigante e Gustavo Lenza — compositores (mais teclados, violão, guitarra), voz, trompete, baixo, baterista, além dos 70 participantes do Laboratório — e eu com a incumbência de assistir, participar e relatar. Tivemos cinco encontros semanais de duas horas cada, para ao fim e ao cabo termos histórias, aprendizado… e uma canção.

Dito isto, começo meu diário de bordo da invenção.

Dia 1

Por onde começar? Quem dá o pontapé inicial do jogo? Naturalmente o capitão, e esta escolha já determina um pouco do caminho inicial. Sergio é o capitão aqui, o coordenador, e foi quem então forneceu o material a servir como ponto de partida dos trabalhos, a semente de um tema musical, ouvido atentamente por quase cem ouvidos. O que nos leva a pensar na escuta, sua imensa importância, e como e quando passar dela.

Um trabalho de equipe à distância como este exige, antes de tudo, saber o momento de ceder a voz ao outro, sem deixar de exercitar a sua quando conveniente ou produtivo. Qualquer dinâmica de grupo tem alguém que fala muito e alguém que fica quieto num canto. Já em uma dinâmica ocorrendo virtualmente, como qualquer professor em sala de aula virtual percebeu nesta pandemia, é possível a um estudante passar em brancas nuvens por um curso inteiro, sem ligar a câmera, nem mesmo o microfone.

Aqui não ocorre diferente. Neste primeiro dia, das três telas cheias de perfis nesta reunião realizada no aplicativo Zoom, cerca de um terço se manifestou em algum momento, incluindo os realizadores do Laboratório, e cerca de metade não chegou a ligar a câmera, contentando-se com o lugar de plateia anônima. Há, evidentemente, uma dificuldade natural de tantas pessoas se manifestarem. Mas há também, da parte de muitos e sensível no ar, um cuidado coletivo em não falar demais, em não atropelar o processo, em fruir o desenrolar dos acontecimentos e a canção em construção. Há, para muitos, tanto o desejo de criar uma canção quanto o de vê-la nascendo, uma curiosidade de como aquilo se dará e quase um medo de, ao se posicionar, desvirtuá-lo, como na física quântica a mensuração de uma característica do elétron torna outra indeterminada.

Por outro lado, talvez pela responsabilidade de dar o pontapé inicial, talvez por entusiasmo próprio do processo de composição mesmo, o material que Sergio trouxe, embora propositalmente incompleto em termos melódicos, veio acompanhado de um proto-arranjo de teclados e percussões eletrônicas que preenchia vários dos espaços onde se esperavam vazios. Este foi um dos pontos mais interessantes do primeiro encontro: a detecção da necessidade de esvaziar aquele pré-arranjo para que a proto-melodia proposta pudesse surgir e tornar-se maleável à composição. Esta necessidade foi se impondo ao longo da conversa, sendo sugerida menos pelos participantes que pelo próprio desenvolvimento da escuta de sua versão. Com a retirada da base rítmica, o caminho ficou aberto para que Clara e Priscila apresentassem uma proposta de cozinha no ensaio seguinte, que serviria de chão para a composição caminhar adiante.

Não apenas uma proto-melodia foi apresentada, mas também uma proto-letra da parte de Marcelo. E aí temos o grande momento deste primeiro dia, pois, entre uma proposta de refrão com pouco mais que a repetição tripla de uma palavra (“Escuta”) e a melodia ascendente por degraus apresentada por Sérgio houve uma coincidência inesperada e gigante, daquelas em que a soma das partes é superior a elas. E é sintomático que quem tratou de apontar, e no ato de apontar já estabelecer com a voz a mínima e necessária adaptação entre ambas, intermediando o primeiro e tão preciso encontro entre palavra e nota, tenha sido exatamente a cantora, Juçara. Os versos restantes de Marcelo se mostraram promissores, mas dependentes de ajustes deles e da melodia para o encaixe, para que a forma se concretizasse. No entanto, não se pode questionar a força de um refrão, e, como se comentou, quem tem um bom refrão tem mais da metade de uma canção.

Portanto, este foi, dentre tantas possibilidades no mundo, o caminho que esta canção escolheu para iniciar seu parto: o refrão foi a cabeça posta fora, o bebê coroando. O restante, nesta gestação tão original, ainda se formava. Mas viria. E assim foi o primeiro dia, tarde e manhã. (Genesis,1,4).

Dia 2

Depois de separar as trevas da luz, o segundo dia foi de separar águas e águas. Os debates do primeiro encontro guiaram os passos seguintes na estruturação da canção durante a semana. Sergio chegou a este segundo dia com um mapa de canção esboçado e uma proposta de melodia para uma letra mais estruturada de Marcelo.

A versão foi uma tentativa de pôr em prática as sugestões dadas uma semana antes. A partir do refrão bem delimitado, cabia agora estabelecer as estrofes intermediárias, partes 1, 2… Sergio trouxe uma proposta bem organizada, inclusive com um espaço para solo, ou improvisação instrumental. Novamente, o olhar de 50 pessoas sobre ela aos poucos foi desvelando os detalhes a serem aperfeiçoados ou mesmo descartados.

Alguns exemplos: a reentrada do refrão era feita pelo verso “por isso me escuta”, mas o pronome oblíquo acabou cortado, em nome de deixar a mensagem menos pessoal. Além disso, foi seguida uma sugestão de Juçara retirando os artigos iniciais dos versos intermediários, aumentando a concisão. Drummond já dizia, escrever é a arte de cortar palavras.

Outro ponto a ser resolvido na letra foi a palavra “corrente” num verso que mais adiante tinha a expressão “pra frente”. Com a melodia inicial, que subia por degraus, o trecho acabou lembrando incomodamente os “90 milhões em ação” da canção ufanista de Don e Ravel. Ninguém havia notado isto inicialmente, mas a partir do momento em que foi apontado, a escuta de todos ficou irremediavelmente contaminada, o que levou à busca de descaracterizar a semelhança, com sugestões modificando a melodia e a letra — “corrente” por “torrente”, por exemplo.

E aqui demarcam-se tanto os limites quanto as potencialidades do processo digital, já que a falta de sincronia de áudio nestas reuniões impede o tocar conjunto ideal num grupo musical. Isto fez com que mesmo quando Sergio tentou apresentar uma gravação da base percussiva em seu próprio gravador tocando junto em seu teclado, o resultado chegasse em tempos diferentes para os demais, fora de sincronia. Por outro lado, conforme a interação entre as partes avança, estas necessidades vão sendo supridas com os instrumentos disponíveis, e assim, depois de um primeiro dia de timidez e estudo, no segundo a participação dos inscritos cresceu muito. Porém, com a natural limitação para falar, algumas das participações mais interessantes iam sendo feitas em tempo real no chat do aplicativo de reunião.

Virtual ou não, aos poucos se impôs a natural prova dos nove da composição de uma canção, por parte do elemento-mor para o qual ela é feita: a voz. Juçara foi se tornando o fiel da balança para definir o que funcionava ou não. A nova base de Sergio foi posta para tocar por Juçara, que cantou a proposta de letra de Marcelo por cima. E o canto de Juçara foi como que resolvendo boa parte dos impasses teóricos na prática, no próprio ato de cantar.

Conforme foi se delineando esta forma, a própria temática da canção foi se tornando mais nítida, como que decidindo por si do que iria falar, e mostrando-se cada vez mais uma canção metalinguística sobre sua condição particularíssima, sobre o ato de ser e se tornar canção, sobre a palavra tornando-se música. Assim, versos como “Tudo vai virar canção” chegaram a se tornar incômodos para o próprio letrista por evidenciarem em demasia este caráter, surgindo a demanda para serem substituídos — e dividindo opiniões, como é natural numa assembleia tão numerosa.

Tendo então mais que um mero esqueleto da composição, abriu-se espaço para a participação dos instrumentistas. Aliás, a bem dizer, o espaço já se abrira entre o primeiro encontro e o segundo, e neste, junto com a proposta de composição, foram apresentadas algumas propostas percussivas — mais eletrônica, mais acústica, combinada — além de possíveis linhas de baixo, dando o tom do que serão os próximos encontros, em que não apenas o arranjo será definido, mas também retroalimentará a canção, instigando-lhe certamente novas modificações e aperfeiçoamentos.

A avaliação do dia foi otimista. A canção ainda não inteiramente delineada, porém com avanços importantes — a segunda parte em particular, já com mudanças sobre os versos originais, ainda parecia destoar do conjunto. A percepção geral foi de um jogo quase ganho, faltando definir o placar. Mas como lembrou sabiamente Sergio, 2×0 é um placar perigoso… e nesta partida ainda faltam três tempos. Que venham.

Dia 3

Chega o terceiro tempo, e com ele não apenas mais uma versão — quiçá a definitiva da canção em processo, como também uma primeira versão de arranjo — que quem sabe ainda mudará a canção. E um grande debate sobre a estrutura da gravação, o lugar de cada instrumento, na passagem da versão voz e violão da canção ajustada para aquela já com instrumentos gravados durante a semana. Mas vamos por partes.

Sergio apresentou as mudanças feitas por ele e Marcelo a partir dos desconfortos da semana anterior, em especial com a parte B, ainda remanescente da versão inicial, e que agora ficou bem mais enxuta, e cuja relação com o restante da canção ficou mais orgânica. A solução, como sempre, foi cortar. Dos longos quatro versos originais de Marcelo, ficou metade, transformando o que era uma estrofe completa em pouco mais que uma ponte — exatamente o que era necessário naquele ponto.

Além disso, vários pequenos ajustes na prosódia voltaram a ser definidos a partir de seu destinatário, o canto. A divisão de versos como “Tudo mutado surdo mudo” estava difícil desde o início, com uma rítmica sincopada que vinha desafiando a melodia proposta. Foi na experimentação da voz de Juçara que a questão se resolveu, estabelecendo uma interessante conexão letra/melodia: a divisão acidentada destes versos se contrapõe à fluência do seguinte, com a melodia ascendente de “Tudo vai virar canção” — verso que acabou por afirmar-se quase por consenso.

Por sinal que Juçara sentia-se confortável para cantar esta canção cerca de dois tons abaixo do proposto inicialmente por Sérgio, e chegou a pensar em pedir a mudança, mas depois pensou melhor e decidiu correr o risco de cantá-la no tom em que foi composta, apostando numa certa urgência expressa na composição que se refletiria em sua interpretação.

O recurso da escolha do registro a utilizar numa interpretação é algo relativamente pouco explorado em música popular, mas muito comum na música de concerto (vide o fagote em seu registro mais agudo na abertura da Sagração da Primavera, de Igor Stravinsky). Não se presta apenas a aumentar a tensão na direção do agudo: Djavan escolheu seu registro mais grave e inusual, correspondente a um registro emocional contido, para sua “Violeiros”, na qual canta os cantadores nordestinos. Mas digressiono.

Resolvidas, até segunda ordem, as questões cancionais propriamente, passemos às instrumentais. Na versão trazida por Sergio com voz guia de Juçara e todos os instrumentos, cada um deles fora gravado sobre bases um pouco diferentes. Alguns dialogavam com um violão base que depois foi retirado, outros com uma voz base que logo depois foi substituída, e cada um gravou sua parte levando em consideração um tamanho de gravação. Ao menos o metrônomo era o mesmo para todos, ajustado em 104 bpm.

Estas são agruras de um processo virtual com prazo apertado, mas que não deixam de ser parte do aprendizado. Há também prenúncios da entrada em cena de Gustavo Lenza, responsável por organizar e dar forma final a tudo o que vai sendo confabulado e criado ora coletivamente, ora individualmente, entre trancos e arrancos. A dificuldade de comunicação entre as vozes será algo que vai somar pelo imponderável ou vai atravancar o processo? Vamos descobrindo enquanto fazemos.

Enquanto isso, sobre o arranjo, algumas decisões ocorreram quase por acordo tácito entre os músicos: por exemplo, que a primeira sílaba da primeira palavra, “Escuta” seria cantada acappela por Juçara, com os instrumentos entrando na segunda sílaba, sem introdução — mas com um espaço instrumental logo após. Isto não chegou a ser combinado, mas apresentou-se como o caminho direto à expressividade desejada.

Porém, outras decisões não se afiguravam assim tão evidentes. Depois deste refrão, quantos tempos de espera antes da entrada da letra? A quadratura de compassos seria o caminho fácil aqui. Desta vez, porém, a solução mais interessante não era necessariamente a óbvia. Decidiu-se por um tempo de espera estendido por mais alguns compassos antes da entrada da estrofe, criando um pequeno suspense e estabelecendo por mais alguns segundos o ressoar do refrão, a escuta.

Subjacente a esta discussão de detalhes, tratava-se de questões fundamentais: o lugar espacial de cada voz, de cada instrumento, a ser decidido em linhas gerais para guiar a mixagem; e o mapa da canção. Aos poucos, vai se delineando que, após os dois minutos aproximados de letra, haverá um instrumental… de quantos minutos? Um, dois? A existência deste instrumental é ponto pacífico — o apelo do refrão, “escuta”, serve de senha para ele. Mas qual será o caráter deste instrumental? Seguindo a harmonia do refrão, num formato mais pop? Partindo para um improviso coletivo e aproximando-se do free jazz? E o final? Retorna-se ao refrão para encerrar? Retoma-se a canção em outro ponto? Ou termina-se com o próprio instrumental?

Fazer estas escolhas coletivamente é um desafio, e Sergio exercita com sabedoria o papel de coordenador, recusando-se discretamente a tomar as decisões por si só. Aos poucos, vai sendo esboçado um instrumental de aproximadamente um minuto, que manterá uma proximidade com o universo harmônico do refrão e que dispensará o retorno a ele portanto, por redundante. Mais uma vez a necessidade de corte se impõe, o exercício do desapego ao já feito. Escrever, a arte de cortar palavras. Arte, a arte de cortar.

Assim estabelecem-se as linhas gerais que orientarão a mixagem, que por sua vez trará novas questões. Faltam dois encontros de gestação, encontros de pré-natal, até que a canção chegue ao ponto de não retorno, a partir do qual não mudará mais na confecção — e passará a mudar na escuta para sempre.

Dia 4

Mixagem não se termina, se abandona. Eu tinha anotado este dito para usar nesta parte do artigo como uma tirada própria, mas Gustavo Lenza o usou durante o encontro. E, se no início do processo a bola esteve principalmente com Sergio e Marcelo e no meio com Rômulo, Priscila e Clara — com a voz de Juçara perpassando tudo -, neste quarto dia, na prática o último (o quinto foi usado para a audição do produto final com sutis mudanças finais, e para uma avaliação de todo o processo), quem conduziu a partida foi Lenza.

E sua ação ocorreu em dois níveis: primeiro, o de organizar os instrumentos espacialmente, a primeira e essencial coisa a ser feita numa mixagem — e neste caso especial, homogeneizar as sonoridades de captação muito diversas fornecidas por cada músico em suas gravações caseiras. E o segundo, este já integrando-se totalmente ao processo de autoria de arranjo e, no limite, de canção mesma, distribuindo intervenções sonoras diversas numa canção que convida a escutar.

Esta sessão de mixagem à distância, com cada um ouvindo de sua casa, com ou sem fones, numa ambiência múltipla, começou com a apresentação das mudanças feitas durante a semana mas já com “uma levantada” de Lenza no material gravado, para que a voz da Juçara entrasse com as relações entre os instrumentos já estabelecidas — menos o trompete de Rômulo. Por sugestão dele, o trompete foi gravado depois da voz, para que pudesse dialogar com ela.

Mas esta mixagem já inclui diversas interferências suas, como ecos na voz de Juçara e efeitos de estúdio. Os três “escuta” iniciais de Juçara surgem: um no canal esquerdo, um no direito, o terceiro no centro. Além disso, tanto voz quanto instrumentos ganharam neste introito uma sonoridade de rádio, só com frequências médias, abrindo-se a cada “escuta” até apresentarem-se já cheias, plenas, no terceiro. Ideia trazida por Lenza e aprovada com entusiasmo.

Sobre a voz, Juçara contou ter enviado quatro takes feitos em casa: três da canção inteira, a cada vez com uma intenção um pouco diferente (o segundo foi o principal aproveitado — o clima foi o dele, com trechos pontuais dos outros), e uma só com scats, improvisos, cacos, segundas vozes, sussurros, já a propósito para que fossem manipulados por Lenza. Juçara também mostrou seu segredo para não provocar o efeito de “puff” no microfone em sua gravação caseira: um coador com uma meia fina a ser posto em frente a ele. Um exemplo da baixa tecnologia adotada em situações fora do comum como esta, mas não menos eficazes.

Lenza foi enumerando os efeitos (como um compressor valvulado que é na verdade um aplicativo do programa de gravação Pro Tools emulando esta sonoridade) aplicados ao baixo, assim como as dificuldades enfrentadas para homogeneizar o som das gravações de bateria eletrônica e acústica atuando juntas. Pois, por mais que ele tenha trazido muita coisa semipronta (até porque uma mixagem dura muito mais que duas horas), logo fica clara uma das armadilhas que nosso formato alternativo pode gerar. Juçara já achara o trompete de Rômulo baixo na mixagem, dialogando pouco com sua voz. Mas Rômulo externou uma insatisfação diferente e mais profunda com o som final de seu instrumento: achou-o homogêneo demais.

Explica-se: assim como Juçara, Rômulo enviara três ou quatro versões de sua participação, sendo uma delas com surdina e outra tocando dentro de uma lata, de forma a conseguir variações de timbre até o limite do experimental. No entanto, ao receber estas versões, Lenza tendeu a fazer o que fizera com a bateria, diminuindo as variações sonoras. E assim, o trompete acabou mais homogêneo que o intencionado.

Pois foi-se ajustar o trompete, e em meio ao processo Lenza foi explicando distorções e pedais aplicados, até em certos lugares ele se tornar pouco mais que uma microfonia. A ponto de o próprio Lenza dizer que achava que estava, nas suas palavras, “meio Disneylandia”. A expressão acabou se incorporando a nosso vocabulário composicional: o “freenal”, referindo-se ao improviso depois do fim da letra, que tanta polêmica causou até decidir-se seu tamanho, e os “90 milhões em ação”, este tratando do trecho descartado da primeira versão, mas que integrou brincadeiras até o último dia.

No fim, os efeitos no trompete foram não apenas mantidos, mas aumentados em diversos pontos. Já na voz de Juçara, proporcionalmente, Lenza fez muito pouco, ao menos na letra propriamente dita. Já nos cacos ele pôde brincar bem mais, tornando a voz de Juçara parte dos efeitos, mesmo ainda reconhecível. Assim, iam se criando elementos de escuta, detalhes a conversarem entre si, complementos ao apelo do refrão fornecendo ao ouvinte filigranas, sutilezas a serem notadas.

Por sinal que em certo momento elogiei Juçara por um improviso na última parte, em que ela repetia o verso “tudo vai virar canção” em meio aos scats, num momento particularmente interessante. E ouvi como resposta: “Mas não fui eu!” Embatuquei até entender que a voz era dela, mas não a decisão de cantar ali. Havia sido Sergio, antes mesmo da mixagem de Lenza, quem enxertara em meio aos solos o verso cantado durante a letra. Mais tarde, para o último encontro, ela regravaria algumas vozes e cantaria efetivamente este verso no improviso, substituindo a voz replicada. Resultados de um processo de composição que é de montagem e edição simultaneamente.

Ao fim, por mais que cada escuta revelasse novas possibilidades — Juçara pediu a redução de volume de sua voz, para que ficasse mais próxima do plano dos demais instrumentos, atendida em um sutil decibel por Lenza — um dia a mixagem precisa ser abandonada.

Sergio avaliou que quase 80% de tudo o que se ouvia eram as mesmas notas da semana anterior, só o que mudara fora a organização espacial. No entanto, passáramos de um esboço promissor para uma obra acabada, sujeita ainda a um ou outro retoque, mas com um caráter definido e, definitivamente, com algo a dizer. Nossa canção nascera.

Dia 5 — Conclusão

Em cada um de nossos cinco encontros de gestação da canção, quando Rosi, a técnica de programação do Sesc, iniciava a gravação da reunião, uma voz metálica avisava: “recording in progress”. E realmente foi isto que ocorreu, por cinco semanas, uma recording in progress, como notou Sergio.

Este último dia foi de avaliar, entender o que se passou e como — e escutar, como sempre. Escutar a última versão, a definitiva — mas que não soou 100% na primeira vez, por um problema de conexão que esperou para se manifestar quando não seria mais capaz de atrapalhar um processo já completo.

Rômulo comentou que, antes de ser uma música de montagem, o que fizemos foi uma música de desmontagem, porque várias vezes foi necessário desfazer algo — os versos e melodia originais propostos por Sergio e Marcelo que não se encaixavam, o pré-arranjo, o “freenal” extenso de improvisos gravado inicialmente. Por mais plural e detalhado que seja o resultado final, ele será sempre resultado também de incontáveis possibilidades deixadas para trás, e que fazem parte dele também de certa forma, por terem sido responsáveis pelo fortalecimento da decisão final.

Um exemplo a calhar: o segundo verso-chave da letra, “Tudo vai virar canção”, que arremata o caminho dado pelo refrão “Escuta” como os dois ganchos de uma rede. O incômodo do próprio autor com ele, considerando-o um pouco óbvio, me levou a sugerir uma alternativa — “Para iluminar o som”. Os dois versos se alternavam na letra levada a Juçara para gravar a voz guia, mas o segundo não chegou a soar convincente em sua interpretação, de forma que o verso pensado inicialmente se fortalecesse como o que efetivamente tirava o melhor em significação e expressividade.

Assim, duas coisas ficaram claras ao fim: primeiro, que esta canção é uma autoria coletiva, incluindo quem não chegou a se manifestar nos encontros, mas se fez presente como público, assim como uma apresentação ao vivo é feita também por quem assiste, ou linhas melódicas não aproveitadas influenciam as que ficam e dialogaram com elas. Ou como Marcelo ponderou, quando se compõe sozinho é preciso ouvir as vozes internas, mas aqui ele precisou ouvir as externas — inclusive as que falavam no chat.

E a segunda é que, em que pese esta autoria coletiva, o fato é que a canção tomou os caminhos que decidiu, e, narcisística e metalinguisticamente, decidiu falar sobre si mesma e seu próprio nascimento, da letra à mixagem. (Mas generosamente reservou em sua temática um espaço para a experimentação ansiada pelos músicos). A tal ponto que, em todo o processo, em nenhum momento se chegou a discutir qual seria o título, e só me dei conta disso depois de tudo terminado. Pois ela se chamou, e o verbo reflexivo aqui cabe literalmente, pois foi mesmo por sua própria decisão, “Escuta” — aqui, na palavra isolada, entre o verbo e o substantivo, dupla leitura que surge agora, enquanto escrevo, assim como só no último dia percebi que a palavra “mutado”, além do anglicismo, pode remeter também a mutação. Pois, depois de nascida, a canção é filho no mundo, e quem sabe o que se tornará. Se ela já decidiu seu trajeto até aqui, quem o decidirá daqui para a frente? Não mais ela, e sim o ouvinte. Estes encontros futuros, tanto quanto os passados, a definirão.

Ou, como resumiu Juçara: o encontro foi mais forte que a distância. Mas estes encontros foram apenas a primeira parte. Agora vem a segunda: na escuta.

Este artigo foi publicado na revista Zumbido, a publicação digital do selo SESC, a cujos responsáveis faço meus agradecimentos, em 27 de agosto de 2021.

Vida e morte cirandeira

Entre o dilema moral e o problema de saúde pública, a discussão do aborto no Brasil perde-se em meio a discussões acirradas entre feministas, fundamentalistas religiosos, biólogos e biólogos de permeio, e segue nebulosamente envolta em perigosos clichês. “O corpo é meu”, “Todos os que defendem o aborto já nasceram”, frases de efeito escamoteiam o debate unilateralmente, escolhendo cada um dentre as múltiplas implicações do assunto as que servem seus argumentos.

Escapar destes reducionismo implica em encarar uma tragédia. Seja no aborto ocorrido em segurança ou nos números alarmantes de mortes de mães em clínicas clandestinas, trata-se aqui de uma relação entre mãe e filho que existe sem existir, a complexa relação de amor e rejeição, a culpa e o alívio diante do nascimento que é uma morte. Independente de condenações ou exaltações, o aborto envolve sempre, em algum nível, a dor muito humana de sobreviver à sua descendência.

A Ciranda do Aborto, de Kiko Dinucci, é provavelmente a canção mais radical dentre a radicalidade que é o álbum Encarnado, de Juçara Marçal. Álbum que é todo ele dedicado à temática da morte. Mas como no tarot, a morte é também transformação e eventualmente prenúncio de renascimento. Assim como, assinala Rômulo Fróes no release do álbum, significa o espírito ocupando temporariamente um corpo humano, assim como significa tornar-se carne. A justaposição destes significados, a encarnação que não chega a ocorrer e o corpo em formação que se torna um mero pedaço de carne, o início e o fim simultâneos, é um tema terrível, que Juçara, Kiko e Rodrigo Campos (com a rabeca de Thomas Rohrer) encaram com imensa coragem.

Ciranda que é antecedida por uma saudação à mãe arquetípica Iemanjá. A mãe cujos filhos são peixes, como ecoa Juçara suavemente sobre o rumorejar de ondas sonoras quase atonais. A água de onde vem a vida, no útero como no mar. A invocação à mãe rainha se funde com a introdução à Ciranda, e, no dizer exato de Rômulo, vai servir também como um pedido de ajuda para atravessar o momento tão doloroso descrito a seguir.

A ciranda é talvez o único ritmo brasileiro que não tem em si o travo da tristeza. Quase todos, capitaneados pelo samba, mas também o maracatu e o choro desde seu nome são em algum nível formas retrabalhadas do banzo, da saudade da terra perdida pelo negro escravizado, pelo branco exilado, pelo índio perseguido. A ciranda, associada que é tantas vezes à infância, não. Cantada pelas mulheres dos pescadores enquanto os esperam voltar, a ciranda, como diz sua mestra maior Lia de Itamaracá, acompanha as ondas do mar. Um canto de alegria que aqui é virado ao avesso. O mar que gera a vida vai assistir à sua negação.

Encarnado é um passo adiante numa sequência de álbuns realizados tanto por Juçara como por seus parceiros Kiko e Rodrigo, entre outros, nos grupos Metá Metá e Passo Torto. Estes trabalhos têm em comum um tratamento de arranjo que privilegia não o acorde bossanovístico, nem exatamente o riff do rock, mas desenhos em contraponto entre melodias que se somam, se contrastam e mesmo se enfrentam, construindo uma teia sobre a qual a canção se eleva (também alçando voo pela voz de Juçara, da qual já falarei). Porém, na Ciranda do Aborto, e não apenas nela, esta delicada costura é feita do arame farpado de timbres distorcidos. Todos os três instrumentos soam com efeitos de pedais e estúdio como o overdrive, e são navalhas e bisturis cortando o ouvido.

A melodia desta ciranda é típica do gênero, com seu desenho ondulado e suas divisões sincopadas, o que, ironicamente, acaba sendo um elemento a mais de crueldade na composição. Se fizermos um exercício de imaginação, eliminando a letra e o arranjo e cantarolado sua melodia, veremos que ela é um bocado ensolarada. O contraste entre esta melodia e seu tema é como um contraponto a mais a se somar ao instrumental, e um elemento dramático decisivo na canção. A melodia circular (como a roda do sansara, o ciclo das encarnações?) de dançante torna-se hipnótica como a contemplação do terror. Inicialmente comedida em tom menor, a canção modula para maior na estrofe final e a melodia ascende uma quinta, elevando a tensão continuamente. Cada uma das três estrofes tem um clima específico e bem definido, e o chamamento da central em notas alongadas anuncia o desabrimento emocional que se escancarará na derradeira, na constatação do fato consumado.

A voz da Juçara é algo a ser tratado à parte. Temos no Brasil atualmente o fenômeno do surgimento de cantoras a granel, em grande parte dotadas de excelente técnica vocal. Isto não deveria ser, mas é um problema, porque falta a muitas a capacidade de cantar além da própria técnica. Muitas vezes o que se ouve não é a canção, mas o prazer daquela cantora cantar aquela canção. O resultado é que canções sofridas são interpretadas com um sorriso feliz, tanto quanto canções esparramadas recebem tratamentos delicados em excesso. Correndo o risco de parecer grosseiro, resumo a questão: falta útero.

Nesta canção, sem a menor intenção de trocadilho, faltar útero seria um pecado mortal. Assim como Mário de Andrade dizia Quem não souber urrar, não leia (seu poema) Ode ao Burguês, uma interpretação visceral é absolutamente indispensável à Ciranda do Aborto, intensa desde seu início de angústia refreada até seu final desesperado. E o melhor da voz de Juçara talvez seja o fato de não se perceber nela o menor sinal de técnica. Não porque não haja, mas porque está inteiramente a serviço da música. A voz de Juçara não toma providência, canta com a naturalidade da voz falada, o que lhe dá uma imensa credibilidade. Juçara não canta o prazer de cantar, não canta nem mesmo a canção, mas canta com a canção, canta o que canta a canção. Na Ciranda, Juçara é pura dor e não tem medo que a voz falhe – e ela não falha, e se falhasse, sua falha também estaria a serviço, e portanto não seria falha. Juçara corre o risco com a voz, sua voz é uma voz a mais mergulhada no contraponto, mas a autoridade de seu canto faz com que seja mais que uma voz a mais.

O crescendo de pressão atinge seu ápice finalmente, e então a até agora firme arquitetura do acompanhamento instrumental (volto a citar o release de Rômulo, que definiu o cavaquinho de Rodrigo como hitchcockiano. Por sua vez, a rabeca de Thomas secunda o lamento de Juçara) se dissolve, retornando ao mar semi-atonal de Odoya, mas agora não na marola suave e sim em tempestade aberta, enquanto a letra, que não chegara a falar de mar, fala de chão como o fim, a cova aberta como a ferida, mas onde toda vida desaparece. Tudo aqui é o grito de dor da mãe que não chega a ser mãe, porque seu filho não é filho. Não há julgamentos ou defesa de teses, há apenas um mar de sofrimento, amor, ódio, medo, sentimentos primários misturados numa teia que, antes estruturada, agora soa inextrincável. O caos primordial gerador da vida recebe-a de volta, para possivelmente iniciar seu ciclo novamente adiante. Mas agora isto não é ainda perceptível. Há apenas o lamento. O horror, o horror.

E após o fim, o suspiro de Juçara ao “sair da personagem” revela não apenas o esforço emocional de sua interpretação, mas vai mais longe, pois nele está a identificação do drama comum, a empatia revelada do protagonismo desta história. A faixa seguinte no álbum é um acalanto para outra mãe arquetípica, a Canção para ninar Oxum, de Douglas Germano, não para desanuviar, mas para permitir ao sofrimento finalmente acamar, descansar. A Ciranda do Aborto é uma microtragédia de proporções colossais, comum à condição de mulher e de ser humano.  O reconhecimento desta condição é o que a faz um libelo sem acusação e lhe empresta uma universalidade de obra-prima. Reconhecimento que deveria ser o ponto de partida do debate do aborto desde sempre, mas longe do qual todos parecem fazer questão de passar. Todo aquele que defende a legalização do aborto precisa ouvir sua Ciranda. E todo aquele que a combate também.

Este artigo foi originalmente publicado na Revista Polivox, em maio de 2014.

Ciranda do Aborto na Revista Polivox

Prezados, embora este blog por vezes pareça abandonado, não está – apenas eventualmente se desenvolve em outros lugares… Por um desleixo imperdoável, deixei de anunciar por aqui a participação do blog na Revista Polivox, iniciativa do Paulo da Costa e Silva, que antes nos brindava com suas análises na Rádio Batuta e agora assumiu o blog Questões Musicais da revista Piauí, do Bruno Cosentino e do Marcos Lacerda. Meu primeiro artigo, nos moldes daqui do blog mesmo, faz a a análise da genial Ciranda do Aborto, do Kiko Dinucci, gravada no álbum Encarnado pela Juçara Marçal. A revista é ótima e cheia de gente ilustre, como Rômulo Fróes, Rogério Skylab, Eduardo Losso e outros, vale a pena explorar bastante. Esteja à vontade para passar lá e ler o artigo, e sinta-se em casa como aqui.