Folha de S. Paulo


'N�o sei se � o momento de unificar a esquerda, n�o', diz Marcelo Freixo

Ricardo Borges/Folhapress
Rio de Janeiro, Rj, BRASIL. 18/12/2017; Entrevista com o deputado Marcelo Freixo em seu gabinete na Alerj. ( Foto: Ricardo Borges/Folhapress)
O deputado estadual Marcelo Freixo em seu gabinete na Alerj

Nem sempre a uni�o faz a for�a. Para o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ), ao menos, reconstruir uma esquerda que definitivamente "n�o entendeu [os protestos de] 2013" pode significar seguir caminhos separados. "N�o sei se esse � o momento de unificar todo mundo, n�o", diz.

Veio de Freixo a ideia de lan�ar Guilherme Boulos � Presid�ncia –mar�o � o prazo para definir se o l�der do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) se filia ao PSOL e a chapa vinga, afirma.

Ao lado de Ciro Gomes (PDT) e Manuela D'�vila (PCdoB), Boulos engrossaria as candidaturas � esquerda que inquietam petistas.

Se o partido de Lula quisesse mesmo recompor o campo progressista, "n�o andaria de bra�os dados com Renan Calheiros", diz Freixo entre poemas de Pablo Neruda ("nada puede contener todo el sol en las banderas"), fotos do MST e uma camisa personalizada do Flamengo –adornos de seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio, da qual se despedir� em 2018, ap�s tr�s mandatos, para concorrer � C�mara.

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Folha - Ap�s perder no Rio, o sr. disse que chegara a hora de a esquerda aprender com seus erros. A li��o de casa foi feita?
Marcelo Freixo - Estamos buscando fazer. A esquerda at� hoje n�o entendeu 2013. As portas que se abrem dizendo: queremos repactuar essa ideia de representatividade. A esquerda preferiu achar que aquilo ali era coisa da direita, o que n�o � verdade.

Como surgiu a chapa Boulos?
A ideia do medo � muito forte e legitima a barb�rie. Tenho medo da favela, ent�o qualquer coisa que aconte�a l� n�o me toca. Da juventude negra, ent�o seu genoc�dio n�o me abala, n�o sou um deles. Brinco que nossos sonhos n�o cabem nas urnas, mas nossos pesadelos cabem. Esses debates todos me fizeram chegar ao Boulos. Estava em casa, tomando um caf� com minha companheira, a Ant�nia [Pellegrino, escritora e cofundadora do blog feminista #Agora�QueS�oElas, hospedado na Folha].

Convers�vamos sobre o que � esta esquerda do s�culo 21. Os olhos dela s�o meio que term�metro. Falei do Boulos, e arregalaram. Pensei: "Opa, ali tem caldo".

Fiz testes com minha equipe, e as rea��es eram as mesmas. A� liguei pro Boulos e marquei num botequinho bem "vagaba" perto da av. Paulista. Quando sugeri, ele quase caiu da cadeira de susto. Hoje falta muito pouco para consolidar a candidatura. Mar�o � o prazo.

Boulos n�o seria visto como radical por uma parcela da sociedade? Ou veremos um Boulinhos paz & amor?
Levamos o Boulos na casa da Paula [Lavigne, mulher do Caetano Veloso e articuladora pol�tica] para conversar com setores da intelectualidade, do meio art�stico. Muitos n�o conheciam nada de MTST. As perguntas eram pertinentes. "O que voc�s fazem � invadir a casa de algu�m?" E � justo ter mais im�vel vazio do que gente morando na rua?

Acho que d� pra trocar os estere�tipos da radicalidade por um debate de conte�do. A ideia � mostrar que essa radicalidade da pol�tica � a melhor coisa que pode acontecer pro Brasil, no sentido de ter uma proposta diferente da que se coloca hoje. Vivemos num dos pa�ses mais desiguais do mundo, extremamente violento. Nada disso a gente v� como radical. Violenta � a proposta que vem para mudar isso? Ser�?

� esperto pulverizar a esquerda em v�rias candidaturas?
A gente vive um momento de reconstru��o: qual esquerda a sociedade vai enxergar? Porque precisa enxergar o diferente. N�o sei se esse � o momento de unificar todo mundo, n�o. At� porque a direita tamb�m est� muito fragmentada: Jair Bolsonaro, Geraldo Alckmin, Henrique Meirelles...

O vice-presidente do PT Alexandre Padilha diz que trabalhar� para convencer a esquerda a embarcar na candidatura de Lula. Qual a chance de o PSOL abrir m�o da chapa?
N�o h� a menor possibilidade. Ele fala isso pra tentar colocar a gente numa caixa de sect�rios. Se quisessem recompor a esquerda, n�o andariam de bra�os dados com Renan Calheiros em Alagoas.

Ap�s tr�s mandatos na Alerj, por que tentar a C�mara?
Passou a cl�usula de barreira [ponto da reforma pol�tica que barra o repasse de recursos p�blicos a partidos com baixo desempenho nas urnas]. A gente precisa eleger um grande n�mero de deputados. A sa�da do Chico Alencar, que sempre foi puxador de votos na C�mara e vem candidato ao Senado, me leva � disputa. E � um ciclo que se fecha, pra mim, na Alerj. Brinco que a d�cada foi como aquela luta na qual voc� apanhou o tempo todo, mas resistiu. Agora chegou a hora de bater, de uma nova luta.

Por que PT e PSDB, que polarizam nacionalmente, n�o t�m muita express�o no Rio?
O PT fluminense foi uma moeda de troca muito forte. Para implementar sua pol�tica, Lula apoiou S�rgio Cabral, Eduardo Paes, Garotinho, Rosinha, Pez�o. O PSDB no Rio sempre foi fr�gil. Outras for�as foram surgindo num momento muito pulverizado. O PT vai continuar como um grande partido, n�o tenho d�vida. Agora, � dif�cil imaginar o que ser� dele na hora em que o guarda-chuva eleitoral do Lula fechar, e em algum momento ele vai. � a� que o p�s-Lula vai se dar. Ali�s, vai se dar mesmo se ele for eleito.

Como seria este p�s-Lula com Lula presidente?
Se ele for impedido de concorrer, o p�s-Lula vai ser posto. Se concorrer e perder... � o cen�rio ideal para a direita. O que tamb�m pode acontecer: vencer e governar com alian�as que sempre fez. Lula est� sendo empurrado pela conjuntura para uma postura mais de enfrentamento. Mas, se estivesse a seu alcance, faria todos os acordos que sempre fez. Nesse sentido o p�s-Lula vai se dar tamb�m, para a esquerda. O PSOL precisa entender seu papel nesse contexto. N�o tem que ser anti-Lula, somando-se aos setores mais conservadores. Temos a chance de marcar diferen�a com o lulismo por meio de um programa.

Como explicar que voc� e Bolsonaro sejam, ao mesmo tempo, duas das maiores pot�ncias eleitorais do Rio?
Os deputados mais votados no Rio [em 2014]: federal, ele, estadual, eu. Sabe que j� encontrei nas ruas pessoas que votaram nos dois? A� paro: "Me conta mais". As respostas ficam num campo que acho muito curioso. Existe em S�o Paulo o ex-prefeito Ademar de Barros...

Do "rouba, mas faz".
Isso, o "pai" do Paulo Maluf, que roubou dele o ditado. Quando as pessoas me respondem, � o inverso: n�o sei o que Bolsonaro faz, mas sei que ele n�o rouba. Tem uma coisa ali, que � a ideia da �tica muito circunscrita a posturas individuais, que n�o vem da honestidade das ideias. Tem a ver com sua postura como homem forte –porque ainda h� uma cultura patriarcal forte–, a ideia da coragem. S�o fantasias que ocupam lugar no imagin�rio. Talvez as pessoas entendam que falta tudo isso na pol�tica.

A� o cara vota em mim e no Bolsonaro porque n�o importa o que a gente pensa, v� os dois como honestos e corajosos. O fato de eu ter feito a CPI das Mil�cias [2008] n�o foi qualquer coisa.

Sua atua��o na CPI inspirou um personagem em "Tropa de Elite 2". Quando o ministro Torquato Jardim (Justi�a) associou a PM ao crime organizado, o sr. disse: "At� parece que ele s� viu o filme agora..."
At� brinquei: seria muito grave um ministro da Justi�a ouvir o que disse o ministro da Justi�a. N�o d� para em 2017 falar que crime, pol�cia e pol�tica se misturam como se descobrisse a p�lvora.

Pris�es como as dos ex-l�deres do tr�fico da Rocinha Rog�rio 157 e Nem d�o resultado?
Isso � bobagem, varejo da droga. Voc� vai ter que procurar no Google pra ver quem eram os grandes traficantes de anos atr�s. Daqui a dois anos vai ser o Paulo 456, o Nen�m, qualquer nome. Achar que o crime se organiza nos lugares mais pobres � continuar procurando pelo em ovo. N�o h� crime organizado fora do Estado, vamos combinar? O grande crime organizado nos �ltimos anos foi o PMDB.

Parte da esquerda acusa o juiz Sergio Moro de perseguir Lula. A Lava Jato � um mecanismo eficiente contra a corrup��o?
Grava��o vazada para criar contexto pol�tico, isso � muito grave. E quando Moro faz a condu��o coercitiva do Lula, d� a ele a oportunidade de virar a chave e criar uma resist�ncia muito mais aguda do que existia at� ent�o. Tamb�m n�o � correto entrar no pres�dio onde est� o Cabral, pegar v�deo e colocar no "Fant�stico". Se fizesse isso com qualquer outro preso eu estaria chiando, ent�o estou chiando.

Essas coisas n�o podem ser secundarizadas porque a tal da investiga��o contra corrup��o � importante. N�o d� para achar que os fins justificam os meios. Agora, isso faz com se pegue tudo o que est� sendo feito pela Lava Jato e se jogue fora? N�o.

Os protestos contra Temer n�o "pegaram" nas ruas. Por qu�?
� um grande mist�rio. N�o tem contra quem estar na rua... Tem um pouco disso tamb�m. Temer n�o tem legitimidade, falta um ano pra acabar seu governo. Vai pra rua contra o qu�? As pessoas n�o veem sentido em ir �s ruas contra o que j� est� derrotado.

A esquerda n�o diz que o povo � contra as reformas [da Previd�ncia e trabalhista]?
Tem efeito do cansa�o, as pessoas foram �s ruas achando que ia melhorar, e as coisas piorar�o, isso � fato.

H� uma cr�tica comum de que o PSOL � esquerda caviar", coisa de socialista de Ipanema...
No segundo turno [contra Crivella], nosso mapa eleitoral: de cada dez votos, cinco vieram da zona norte, tr�s da zona oeste, dois da zona sul. Outros lugares da zona sul ganhamos mais facilmente, mas, em Ipanema, Crivella ganhou. Na zona oeste tivemos muita dificuldade, por "n" raz�es.

H� uma autocr�tica � esquerda circunscrita �s universidades, � casa da Paula Lavigne?
A casa da Paula � um espa�o de certa intelectualidade, mas minha agenda de mandato � muito mais zona norte, oeste. Quem trabalha com direitos humanos n�o trabalha com zona sul, vai. Acha que trabalho na viola��o de direitos humanos na Lagoa?

Quando se joga seu nome no Google...
... cai em "Tropa de Elite".

Na verdade, o que aparece primeiro � o post "As 7 Ideias Mais Est�pidas Defendidas por Freixo". A internet vai virar campo de guerra eleitoral?
A gente tem que se preparar para isso. Venho rodando muito Brasil. Para enfrentar os rob�s, tem que estudar o mundo da sociedade do p�s-verdade. Enfrentei j� em 2016 uma rede de WhatsApp que n�o sabia como responder.

Qual foi o pior ataque?
Primeiro dia do segundo turno, 6h30. Moro na Gl�ria [regi�o central carioca], e l� tem um boteco onde taxistas tomam caf�. Todos frios comigo. O rapaz do boteco disse que estavam chateados comigo. Fui perguntar. "Ah, voc� n�o podia ter falado aquilo dos taxistas". A� todos mostraram um �udio no WhatsApp. Uma pessoa me imitava, grava��o totalmente tosca: "Os taxistas burros que votaram no Crivella...".

Todos os taxistas do Rio receberam este �udio. Se quem me conhecia estava acreditando, imagina quem n�o me conhecia? Na elei��o, a gente vai ter que se preparar para ser uma coisa e garantir n�o ser outra. Isso � uma novidade da democracia brasileira.

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RAIO-X

Origem
Nasceu em 12 de abril de 1967, em Niter�i (RJ)

Carreira pol�tica
Deputado estadual pelo PSOL-RJ, em 2018 buscar� sua estreia na C�mara. Concorreu a prefeito do Rio em 2016, mas perdeu para Marcelo Crivella (PRB)

Forma��o
Professor diplomado em Hist�ria na UFF

Ricardo Borges/Folhapress
Rio de Janeiro, Rj, BRASIL. 18/12/2017; Entrevista com o deputado Marcelo Freixo em seu gabinete na Alerj. ( Foto: Ricardo Borges/Folhapress)
O deputado Marcelo Freixo em seu gabinete na Alerj

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