Folha de S. Paulo


Dilma mudou paradigma de campanha eleitoral no pa�s, diz Rud� Rucci

A reelei��o da presidente Dilma Rousseff (PT) introduziu uma nova forma de campanha eleitoral: ao inv�s de dizer ao eleitor o que ele quer ouvir, a estrat�gia agora � inocular nele uma imagem desfavor�vel do advers�rio a partir de exaustivos estudos de opini�o p�blica.

Quem faz essa avalia��o � o soci�logo Rud� Ricci, 52, diretor do Instituto Cultiva, de Belo Horizonte, que estimula a participa��o social na gest�o p�blica.

Em palestra no encontro anual da Anpocs (Associa��o Nacional de P�s-Gradua��o e Pesquisa em Ci�ncias Sociais), realizado na semana passada, Ricci afirmou que as elei��es mostraram que o Brasil est� dividido entre a "�tica do trabalho" e o "Estado provedor" e apostou no enfraquecimento da polariza��o PT vs. PSDB.

Leia, a seguir, trechos da entrevista de Ricci concedida � Folha logo ap�s a sua fala.

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Folha - O senhor falou que a campanha da Dilma fez uma manipula��o profissional da opini�o. Pode elaborar?

Rud� Ricci - A campanha formou 2.000 militantes virtuais. Havia o debate na TV � noite e, no outro dia, a campanha replicava nas redes sociais, por meio desse ex�rcito, informa��es, interpreta��es que no dia seguinte eram corroboradas no programa de TV e de r�dio. E criava uma rede.

V�rias vezes, o PT conseguiu fazer isso. Tanto no primeiro turno, com a Marina Silva, como no segundo. O PT n�o foi formador direto de opini�o, mas mobilizava pessoas que come�avam a ter informa��o, falavam no dia-a-dia para outras, formando opini�o.

O PT tinha um comando, por meio do Franklin Martins e do Jo�o Santana, com uma fartura de dados qualitativos e quantitativos. Pela primeira vez, isso dava informa��es para a coordena��o da campanha estabelecer um roteiro, em que pensava o eleitor como algu�m a ser formado, ao inv�s de pensar o eleitor como algu�m que define o que a campanha de fazer.

Ou seja, a campanha inoculava na pessoa da rua que tal candidato agredia mulher. E por que fazia isso? Porque tinha um levantamento dizendo que a maioria dos indecisos era mulheres acima de 45 anos, v�rias com hist�rico familiar de agress�o. Ora, a agress�o que uma mulher sofre est� inoculada na sua hist�ria de vida.

� um novo paradigma de campanha, que n�o pensa como cativar o cora��o do eleitor numa linguagem que ele gostaria de ouvir. A quest�o agora �: como criar no eleitor uma imagem sobre o outro.

� um tipo de campanha melhor do que a do passado?

N�o. � uma campanha empresarial, organizada, com subdivis�es, extremamente cara, com muita tecnologia. S�o pessoas frias, calculistas, que sabem medir a situa��o com precis�o e tomam decis�es arriscad�ssimas.

N�o h� um di�logo efetivo com o eleitor. Estamos falando de um tipo de a��o planejada, racional, em que os valores n�o contam. Isso vem dos grandes partidos.

O sr. afirma que o Brasil est� dividido entre a "�tica do trabalho" e o "Estado provid�ncia". O que isso quer dizer?

No primeiro e no segundo turno, os mapas de investimento do BNDES e do Bolsa Fam�lia foram justapostos ao voto. Foi mais de 650% de aumento de volume de desembolso no BNDES para o Nordeste no per�odo entre 2002 e 2012.

Ali tamb�m tem um mapa que n�o � exatamente, portanto, um setor de baixa renda. S�o empres�rios que viram o consumidor chegar at� a sua porta e tiveram capacidade pra gerar produtos. Mudou a face do Nordeste. Mudou o eleitorado cativo, n�o � s� o Bolsa Fam�lia.

Mas temos o Centro-Sul, principalmente S�o Paulo, onde A�cio Neves [PSDB] atingiu mais de 60%.

No Nordeste, tivemos de 67% a 78% votando na Dilma, em todos os Estados. Ent�o o pa�s est� dividido.

Nestes Estados com for�a do agroneg�cio, mas principalmente do Centro-Sul para baixo, ficou muito claro, nas redes sociais, o discurso de que o Estado brasileiro nos pune com impostos para dar aos pobres.

O conceito de meritocracia aparece como elemento central da honra.

O argumento n�o � correto. Temos o livro "Vozes do Bolsa Fam�lia", que deixa claro que n�o existe o n�o trabalho com o Bolsa Fam�lia.

Mas essa vis�o existe. E o outro lado �: o pa�s tem uma d�vida social comigo porque os meus pais e av�s sempre foram pobres. E quando me deram alguns recursos, sobressa�. Ent�o temos os dois polos em termos de vis�o de mundo sobre o Estado.

Trata-se da polariza��o PT contra PSDB?

Essa polariza��o talvez tenha chegado ao fim. O senador A�cio Neves n�o sai como l�der nacional. Pelo contr�rio, foi derrotado tr�s vezes em seu Estado em menos de um m�s. Perdeu o governo do Estado, perdeu o primeiro turno, perdeu o segundo turno. � acachapante.

O cetro est� com PSDB de S�o Paulo. A quest�o � se consegue nacionalizar o partido, porque agora tem o PMDB como partido forte, que, pelo visto, vai mostrar as suas garras mais nitidamente.

O PT, por outro lado, que teve em Lula uma lideran�a incontest�vel, quase perdeu o governo. Isso demonstra que parte do eleitorado do PT, que �, na maioria, muito popular e de baixa instru��o, est� temoroso da sustentabilidade que ele conquistou nos �ltimos dez anos.

Um exemplo: um m�s antes das manifesta��es de 2013, tivemos um boato de que o Bolsa Fam�lia acabaria. Em tr�s dias, 920 mil benefici�rios sacaram o dinheiro, principalmente no Nordeste. Ele desconfia que a situa��o econ�mica n�o est� t�o boa.

Isso d� a entender que temos a possibilidade de uma terceira via, que esteve na m�o de Marina, em 2010 e em 2014. PT e PSDB foram ao segundo turno, mas nunca t�o machucados como agora.

O sr. afirmou que talvez o maior legado dos protestos de 2013 tenha sido o surgimento de uma milit�ncia tucana.

Isso � algo novo, o PSDB nunca teve milit�ncia de rua e na internet. Agora surgiu. Parte daqueles jovens que sa�ram �s ruas entrou na campanha do A�cio.

Temos registro em S�o Paulo de 15 mil militantes tucanos na rua pela primeira vez. Essa � uma novidade, e a disputa pol�tica fica muito mais sofisticada, com mais ingredientes. Essa coisa do PT dizer "n�s temos militantes, voc�s, s� pagos" acabou.


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