Folha de S. Paulo


M�RIO SCHEFFER E CAIO ROSENTHAL

Aids, o mau exemplo do Brasil

Eduardo Knapp-1�.dez.2014/Folhapress

A cada 15 minutos, um novo caso de aids � registrado no Brasil. Diariamente, pelo menos 34 pessoas morrem por causa da doen�a.

� inaceit�vel que o pa�s, na contram�o da tend�ncia mundial, n�o tenha conseguido diminuir a velocidade de novas infec��es e impedir tantas mortes evit�veis.

Em vez de atualizar os pressupostos do combate � aids, governos recentes insistem em "torturar" n�meros para sustentar a tese ilus�ria de que a epidemia estaria controlada no Brasil.

N�o h� estrat�gia clara para levar o tratamento a mais de 260 mil pessoas que sabem que s�o HIV-positivas, mas ainda n�o se beneficiam das terapias com antirretrovirais, e a outros milhares de cidad�os tamb�m infectados e que nem sequer sabem disso, j� que n�o tiveram acesso ao teste.

Negligenciados, adolescentes e jovens brasileiros nunca estiveram t�o vulner�veis. Em dez anos, os casos de aids mais que dobraram na faixa et�ria de 15 a 24 anos. Campanhas e a��es de sa�de n�o alcan�am as mudan�as geracionais, de comportamento e os novos espa�os de sociabilidade, inclusive digitais.

Na esteira de movimentos como o "escola sem partido", conservadores imp�em no ambiente escolar o sil�ncio sobre sexualidade, no��o de risco, g�nero e preconceito, temas fundamentais para dialogar sobre aids com jovens.

E o que explica a calamidade de mais de 30% das travestis e transexuais, em estudo no Rio de Janeiro, e mais de 15% dos homens gays, em pesquisa no centro de S�o Paulo, serem HIV-positivos?

Por que, se comparada � popula��o geral, a frequ�ncia da infec��o pelo v�rus da aids � 15 vezes mais elevada entre usu�rios de drogas e 12 vezes maior entre mulheres profissionais do sexo?

N�o � o fato de pertencer a um grupo ou de viver em determinados contextos que leva algu�m a se infectar pelo HIV, mas sim a combina��o entre pr�ticas sexuais desprotegidas, aus�ncia de pol�ticas de preven��o, nega��o de direitos, racismo, sexismo, homofobia, pobreza, viol�ncia e sujei��o ao duplo estigma da identidade e da condi��o de sa�de.

Mesmo fadado ao desmonte com o ajuste fiscal, o Sistema �nico de Sa�de (SUS) j� disp�e de repert�rio consider�vel: campanhas publicit�rias, preservativos, testagem r�pida para o HIV, diagn�stico e tratamento de s�filis e outras infec��es sexualmente transmiss�veis, programas de redu��o de danos, protocolos de uso de medicamentos para quem tem HIV e para soronegativos antes ou depois da exposi��o ao risco de se infectarem.

Esses recursos, por�m, s�o mal empregados, n�o chegam ou n�o fazem sentido para aqueles que mais deveriam se beneficiar com sua utiliza��o. A pol�tica moralista n�o reconhece os mais vulner�veis como cidad�os plenos, sujeitos de suas escolhas, e ainda se alia a legisladores obcecados em retirar ou negar seus direitos.

Sabe-se agora que n�o existe risco algum de uma pessoa com HIV em tratamento adequado e com carga viral indetect�vel transmitir o v�rus a outra. Ao n�o assumir explicitamente essa evid�ncia cient�fica, o Brasil demora em remodelar sua pol�tica de incentivo ao teste e in�cio do tratamento, deixando de impedir milhares de infec��es.

O pa�s desperdi�a oportunidades e coleciona retrocessos –por exemplo, deixou de priorizar respostas baseadas no conhecimento de ONGs e das pr�prias comunidades mais atingidas pela aids. Pioneiro na oferta p�blica de medicamentos anti-HIV, o Brasil de hoje � o mau exemplo e mostra ao mundo o quanto a decad�ncia da pol�tica pode atrasar o t�o sonhado fim da aids.

M�RIO SCHEFFER � professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP
CAIO ROSENTHAL � m�dico infectologista e membro do Conselho Regional de Medicina de S�o Paulo

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