Folha de S. Paulo


Jairo Bouer

Sexo e resist�ncia bacteriana

Como uma infec��o aparentemente simples, que convive com a humanidade desde os prim�rdios da civiliza��o, ganha for�a e se transforma em uma amea�a real, com risco de se tornar intrat�vel?

Os cientistas t�m encontrado uma s�rie de explica��es para o fen�meno. Toda vez que tomamos um antibi�tico corremos o risco de selecionar algumas linhagens de bact�rias resistentes. Elas, ent�o, se multiplicam, formam clones tamb�m resistentes, substituem a popula��o anterior de organismos sens�veis e passam a n�o responder aos tratamentos convencionais.

O uso banalizado de antibi�ticos, a interrup��o precoce dos tratamentos e a automedica��o est�o na raiz desse problema.

Mas o comportamento sexual da popula��o tamb�m tem contribu�do para a dissemina��o das cepas mais resistentes. No �ltimo m�s, a Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS) alertou que a super gonorreia tem crescido em fun��o da pr�tica mais disseminada de sexo oral (via de regra, sem prote��o) e do menor uso de camisinha.

O distanciamento das fases mais cr�ticas da epidemia da Aids, o esgotamento do apelo do preservativo e a sensa��o de que o HIV passou a ser um inimigo control�vel fizeram com que parte da popula��o enxergasse menor risco no sexo.

As tecnologias que facilitam encontros tamb�m contribuem para a pr�tica de sexo sem prote��o. De forma paradoxal e agindo por impulso, as pessoas tendem a confiar mais em parceiros "conhecidos" em ambientes virtuais.
No Brasil, pesquisa de 2016 do Minist�rio da Sa�de revela que quase a metade dos jovens n�o usa preservativos de forma regular, nem mesmo com parceiros casuais.

N�o � � toa que as autoridades de sa�de t�m percebido uma explos�o das DSTs (doen�as sexualmente transmiss�veis). S�o mais de 78 milh�es de casos de gonorreia todos os anos no mundo e 30% das infec��es nos EUA j� s�o resistentes a pelo menos um dos antibi�ticos utilizados.

Segundo a OMS, j� houve registro da super gonorreia, que n�o responde a todos os esquemas terap�uticos dispon�veis hoje, na Fran�a, na Espanha e no Jap�o.

Em reportagem do jornal "The New York Times", Emilie Alirol, chefe do programa de doen�as sexualmente transmiss�veis da Parceria Global de Pesquisa e Desenvolvimento de Antibi�ticos, em Genebra, afirmou que a garganta pode estar no centro dessa discuss�o.

Muitas infec��es por gonorreia podem passar despercebidas (assintom�ticas) nessa parte do corpo, que funcionaria como uma esp�cie de reservat�rio. Na pr�tica de sexo oral, essas bact�rias acabam sendo levadas para o p�nis ou para vagina dos parceiros.

Outras bact�rias da orofaringe expostas a antibi�ticos (no tratamento de uma dor de garganta, por exemplo) podem selecionar "genes" resistentes. Ent�o, em um fen�meno conhecido como transfer�ncia horizontal, elas "exportam" esses genes para outras esp�cies, inclusive para aquelas que causam a gonorreia.

Para complicar, as DSTs na garganta s�o mais dif�ceis de serem combatidas, em fun��o do menor n�mero de col�nias de bact�rias e, tamb�m, pela pior resposta dessa regi�o aos antibi�ticos.
Se n�o tratada, a gonorreia pode levar � infertilidade, tanto no homem como na mulher. Tamb�m aumenta o risco de infec��o pelo v�rus HIV.

Em fun��o da emerg�ncia dessa resist�ncia bacteriana, � importante pensar em um programa mais efetivo de discuss�o de sexualidade nas escolas, na revaloriza��o do preservativo, em um uso racional dos antibi�ticos e no investimento em novas tecnologias que consigam prevenir e tratar as DSTs.

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JAIRO BOUER � m�dico psiquiatra e bi�logo. Escreve sobre sa�de, sexualidade e comportamento h� 25 anos

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