Folha de S. Paulo


RADUAN NASSAR

Cegueira e linchamento

O ingl�s Robert Fisk, em artigo no jornal londrino "The Independent", afirma que, segundo as duras conclus�es do relat�rio Chilcot sobre a invas�o do Iraque, o ex-primeiro ministro Tony Blair e seu comparsa George W. Bush deveriam ser julgados por crimes de guerra, a exemplo de Nuremberg, que se ocupou dos remanescentes nazistas.

O poodle Blair se deslocava a Washington para conspirar com seu colega norte-americano a tomada do Iraque, a pretexto de este pa�s ser detentor de armas de destrui��o em massa, comprovado depois como mentira, mas invas�o levada a cabo com a morte de meio milh�o de iraquianos.

Antes, durante o mesmo governo Bush, o brutal regime de san��es causou a morte de 1,7 milh�o de civis iraquianos, metade crian�as, segundo dados da ONU.

Ao consulado que representava um criminoso de guerra, Bush, o ent�o deputado federal Michel Temer (como de resto nomes expressivos do tucanato) fornecia informa��es sobre o cen�rio pol�tico brasileiro. "Premonit�rio", Temer acenava com um candidato de seu partido � Presid�ncia, segundo o site WikiLeaks, de Julian Assange.

N�o estranhar que o interino Temer, seu cortejo de rabo preso e sabujos afins andem de bra�os dados com os tucanos, que estariam governando de fato o Brasil ou, uns e outros, fundindo-se em um s� corpo, at� que o tucanato desfeche contra Temer um novo golpe e nade de bra�ada com seu projeto de poder -atrelar-se ao neoliberalismo, apesar do atual diagn�stico: segundo publica��o da BBC, levantamento da ONG brit�nica Oxfam, levado ao F�rum Econ�mico Mundial de Davos, em janeiro, a riqueza acumulada pelo 1% dos mais ricos do mundo equivale aos recursos dos 99% restantes. Segundo o estudo, a tend�ncia de concentra��o da riqueza vem aumentando desde 2009.

O senador Aloysio Nunes foi �s pressas a Washington no dia seguinte � vota��o do impeachment de Dilma Rousseff na ex�tica C�mara dos Deputados, como primeiro arranque para entregar o pa�s ao neoliberalismo norte-americano.

Foi secundado por seu comparsa tucano, o ministro das Rela��es Exteriores, Jos� Serra, tamb�m interino-itinerante que, num giro mais amplo, articula "flexibilizar" Mercosul, Brics, Unasul e sabe-se l� mais o qu�.

Al�m de comprometer a soberania brasileira, Serra atira ao lixo o protagonismo que o pa�s tinha conseguido no plano internacional com a diplomacia ativa e altiva do chanceler Celso Amorim, retomando uma pol�tica exterior de vira-lata (que me perdoem os c�es dessa esp�cie; reconhe�o que, na escala animal, est�o acima de certos similares humanos).

A prop�sito, o tucano, com imenso bico devorador, � ave predadora, atacando filhotes indefesos em seus ninhos. Estamos bem providos em nossa fauna: tucano, vira-lata, gato angor� e ratazanas a dar com pau...

Epis�dio exemplar do mencionado protagonismo alcan�ado pelo Brasil aconteceu em Berlim (2009), quando, em tribunas lado a lado, a ent�o poderosa Angela Merkel, depois de criticar duramente o programa nuclear do Ir�, recebeu a resposta de Lula: os detentores de armas nucleares, ao n�o desativ�-las, n�o t�m autoridade moral para impor condi��es �quele pa�s. Lula silenciou literalmente a chanceler alem�.

Vale tamb�m lembrar o pronunciamento de Lula de quase uma hora em Hamburgo (2009), em linguagem precisa, quando, interrompido v�rias vezes por aplausos de empres�rios alem�es e brasileiros, foi ovacionado no final.

Que se passe � Lava Jato e a seus m�ritos, embora supostos, por se conduzirem em m�o �nica, quando n�o na contram�o, o que beira a obsess�o. Espera-se que o juiz Serio Moro venha a se ocupar tamb�m de certos pol�ticos "limpinhos e cheirosos", apesar da m�o grande do inef�vel ministro do STF Gilmar Mendes.

Por sinal, seu disc�pulo, o senador Antonio Anastasia, reproduz a m�o prestidigitadora do mestre: culpa Dilma e esconde suas exorbitantes pedaladas, quando governador de Minas Gerais.

Tra�os do perfil de Moro foram esbo�ados por Luiz Moniz Bandeira, professor universit�rio, cientista pol�tico e historiador, vivendo h� anos na Alemanha. Em entrevista ao jornal argentino "P�gina/12", revela: Moro esteve em duas ocasi�es nos EUA, recebendo treinamento. Em uma delas, participou de cursos no Departamento de Estado; em outra, na Universidade Harvard.

Segundo o WikiLeaks, ju�zes (incluindo Moro), promotores e policiais federais receberam forma��o em 2009, promovida pela embaixada norte-americana no Rio.

Em 8 de maio, Janio de Freitas, com seu habitual rigor cr�tico, afirmou nesta Folha que "Lula virou denunciado nas v�speras de uma vota��o decisiva para o impeachment. Assim como os grampos telef�nicos, ilegais, foram divulgados por Moro quando Lula, se ministro, com sua experi�ncia e talento incomum de negociador, talvez destorcesse a crise pol�tica e desse um arranjo administrativo".

Lula n�o assumiu a Casa Civil, foi recha�ado no Supremo Tribunal Federal pelo ministro Gilmar Mendes, um goleir�o sem rival na sele��o e, no �lbum, figurinha assim carimbada por um de seus pares, Joaquim Barbosa, popstar da �poca e hoje estrela cadente: "Vossa Excel�ncia n�o est� na rua, est� na m�dia, destruindo a credibilidade do Judici�rio brasileiro... Vossa Excel�ncia, quando se dirige a mim, n�o est� falando com seus capangas do Mato Grosso, ministro Gilmar".

Sugiro a eventuais leitores, mas n�o aos facciosos que, nos aeroportos, torciam o nariz ao ver gente simples que embarcava cal�ando sand�lias Havaianas, que acessem o site Instituto Lula - o Brasil da Mudan�a.

Poder�o dar conta de espantosas e incontestes realiza��es. Limito-me a destacar o programa Luz para Todos, que tirou mais de 15 milh�es de brasileiros da escurid�o, sobretudo nos casebres do sert�o nordestino e da regi�o amaz�nica. E sugiro o amparo do ad�gio popular: pior cego � aquele que n�o quer ver.

A n�o esquecer: Lula abriu as portas do Planalto aos catadores de mat�rias recicl�veis, profissionalizando-os, sancionou a Lei Maria da Penha, fundamental � prote��o das mulheres, e o Estatuto da Igualdade Racial, que tem como objetivo pol�ticas p�blicas que promovam igualdade de oportunidades e combate � discrimina��o.

Que o PT tenha cometido erros, alguns at� graves (quem n�o os comete?), mas menos que Fernando Henrique Cardoso, que recorria ao "Engavetador Geral da Rep�blica", � privataria e a muitos outros expedientes, como a aventada compra de votos para sua reelei��o.

A corrup��o, uma enfermidade mundial, decorre no Brasil do sistema pol�tico, atingindo a quase totalidade dos partidos. Contudo, Lula propiciou, como nunca antes, o desempenho livre dos �rg�os de investiga��o, como Minist�rio P�blico e Pol�cia Federal, ao contr�rio do que faziam governos anteriores que controlavam essas institui��es.

A registrar ainda, por importante: as gest�es petistas nunca falaram em "flexibilizar" a CLT, a Previd�ncia, a escola p�blica, o SUS, as estatais, o pr�-sal inclusive e sabe-se l� mais o qu�, propostas engatilhadas pelos interinos (algumas levianamente j� disparadas), a causar preju�zo incalcul�vel ao Brasil e aos trabalhadores.

Sem v�nculo com qualquer partido pol�tico, assisto com tristeza a todo o artificioso esquema de linchamento a que Lula vem sendo exposto, depois de ter conduzido o mais amplo processo de inclus�o social que o Brasil conheceu em toda a sua hist�ria.

RADUAN NASSAR, 80, � autor dos livros "Lavoura Arcaica" (1975), "Um Copo de C�lera" (1978) e "Menina a Caminho e Outros Textos" (1997). Recebeu neste ano o Pr�mio Cam�es, principal trof�u liter�rio da l�ngua portuguesa

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