Folha de S. Paulo


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Na �frica, queda dos longevos Mugabe e Santos entusiasmam

Jekesai Njikizana/AFP
TOPSHOT - People carry placards during a demonstration demanding the resignation of Zimbabwe's president on November 18, 2017 in Harare. Zimbabwe was set for more political turmoil November 18 with protests planned as veterans of the independence war, activists and ruling party leaders called publicly for Zimbabwe's President to be forced from office. / AFP PHOTO / Jekesai NJIKIZANA
Popula��o protesta contra Mugabe, neste s�bado (18), no Zimb�bue

Zimb�bue e Angola passam por transforma��es profundas e inesperadas.

No primeiro, bastou um desfile de tanques e alguns disparos perto da resid�ncia oficial para destituir Robert Mugabe, 93, no poder desde 1980. No segundo, Jo�o Louren�o, 63, o sucessor de Jos� Eduardo dos Santos, 75, precisou de apenas 50 dias para iniciar o desmantelamento da estrutura de poder familiar do antecessor, que capturou o Estado por quase 30 anos.

O Zimb�bue de Mugabe era uma ditadura inequ�voca. As �ltimas presidenciais, em 2012, foram uma farsa repleta de fraudes e viol�ncia.

A Angola de Santos era uma democracia de fachada. O governo gastou US$ 60 milh�es na campanha presidencial de 2012, orquestrada pelo marqueteiro Jo�o Santana e financiada em parte pela Odebrecht, para legitimar o regime aos olhos da comunidade internacional.

Mugabe nunca se importou de ser visto como tirano. Santos foi sempre cioso da imagem. Ambos integravam o clube restrito de ditadores longevos da �frica. Tiveram papel irris�rio na luta pela independ�ncia de seus pa�ses, mas se colocavam como l�deres da gera��o que libertou o continente do jugo colonial.

Apesar de ter adotado o mantra Marxista-Leninista nos anos 1980, Santos preservou os interesses das multinacionais petroleiras. Numa ironia da hist�ria, militares cubanos a servi�o do regime pr�-sovi�tico de Santos chegaram a defender zonas petrol�feras angolanas controladas por empresas americanas dos ataques dos rebeldes pr�-americanos da Unita, comandada por Jonas Savimbi.

No fim dos anos 1990, Mugabe, para consolidar seu poder, acelerou o confisco das fazendas dos antigos colonos brit�nicos, essenciais para a produ��o agr�cola do Zimb�bue, um celeiro da �frica.

A medida levou ao colapso produtivo, e a infla��o atingiu 24.000%. Em 2008, o caos econ�mico se somou � repress�o brutal nas elei��es. Governos ocidentais impuseram san��es, e Mugabe virou s�mbolo da degenera��o dos regimes p�s-coloniais.

J� Santos aproveitou o fim da guerra civil em 2002 e a decolagem das commodities para lan�ar um fara�nico projeto de reconstru��o nacional. Maior exportador de petr�leo para a China e primeiro parceiro do Brasil na �frica, Angola virou s�mbolo do alegado renascimento africano.

Embora os dois regimes projetassem imagens distintas, poucos duvidavam que o modo de operar era similar.

Santos e Mugabe promoviam quadros dos respectivos partidos, MPLA e Zanu-PF, para controlarem as alavancas do Estado, e cooptavam servi�os de seguran�a e militares pela convers�o de senhores de guerra em empres�rios. A corrup��o servia para se perpetuarem no poder.

SUCESS�O

Os destinos de Santos e Mugabe voltaram a se cruzar.

Em 2014, o pre�o do petr�leo despencou, Angola mergulhou numa crise in�dita, e Santos foi obrigado a acelerar os planos para a sucess�o.

No Zimb�bue, os militares come�aram, na surdina, a debater a transi��o politica, apesar de Mugabe assegurar que iria continuar governando mesmo ap�s os cem anos.

Santos optou pela sa�da negociada. Em agosto, ap�s outra elei��o de fachada, cedeu o poder ao general Jo�o Louren�o em troca da manuten��o da filha Isabel na presid�ncia da petrol�fera estatal Sonangol e do filho Filomeno no comando do Fundo Soberano de Angola, dotado de US$ 5 bilh�es.

Mugabe foi pelo caminho oposto. Despreocupado com os sentimentos dos dirigentes pol�ticos e militares, tentou emplacar sua mulher, Grace, 52, como sucessora.

Ambos descobriram na semana passada que os regimes autorit�rios s�o est�veis, at� o dia em que se tornam totalmente imprevis�veis.

Numa demonstra��o de for�a inesperada, Jo�o Louren�o expulsou do governo a fam�lia do antecessor. Ap�s quase quatro d�cadas acatando as decis�es de Mugabe, o Ex�rcito decidiu frear a sucess�o familiar e p�s o presidente em pris�o domiciliar.

� cedo para entender se o novo presidente est� mudando o modo de governar em Angola ou se a junta militar no Zimb�bue apoiar� elei��es livres. Mas, ap�s d�cadas de platitude autorit�ria, � imposs�vel n�o se entusiasmar.

O fracasso dos dois em perpetuar seu poder � um alerta para outros governantes.

Jacob Zuma, presidente da �frica do Sul desde 2009, lan�ou Nkosazana Dlamini-Zuma, sua ex-mulher, para presid�ncia do partido no poder, o ANC. A disputa, em dezembro, � a �ltima chance para a legenda de Nelson Mandela (1918-2013) tomar um caminho diferente dos demais partidos pol�ticos oriundos dos movimentos de liberta��o.

Se a �frica do Sul se livrar da tentativa do seu presidente de se agarrar ao poder, 2017 pode ficar na hist�ria como ponto de virada na luta pela democracia na �frica Austral.


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