Folha de S. Paulo


Trabalhadores impulsionam oposi��o do setor de tecnologia a Donald Trump

No final de setembro, um grupo de l�deres do setor de tecnologia deu in�cio a um esfor�o muito alardeado para arrecadar US$ 100 mil (R$ 310 mil) para a campanha de Hillary Clinton. Quando chegou a elei��o, por�m, s� US$ 76.324 (cerca de R$ 240 mil) haviam sido arrecadados.

Apesar de toda sua rejei��o visceral a Donald Trump, a comunidade da tecnologia n�o se preocupava muito com a possibilidade de que ele fosse eleito ou, caso assumisse, de que pusesse em pr�tica o programa alardeado em campanha.

Distra�do por pesquisas de opini�o p�blica favor�veis, e mais preocupado com seguir o seu destino, a melhor descri��o para a postura do Vale do Sil�cio era "complac�ncia".

Isso acabou.

Depois do decreto do presidente Trump restringindo a imigra��o, firmado em 27 de janeiro, o setor de tecnologia se politizou completamente. As empresas v�m sendo pressionadas por seus empregados, por seus clientes e, em alguns casos, at� mesmo por seus ideais. Est�o tentando fazer o suficiente, mas sem irem longe demais.

Quase 130 empresas, em sua grande maioria do ramo de tecnologia, apresentaram na noite de domingo (5) um abaixo-assinado "amicus curiae" (ou seja, de parte interessada em processo alheio) a um tribunal de recursos dos Estados Unidos que se recusou a restaurar o decreto, suspenso por uma inst�ncia inferior.

O documento, assinado por uma coaliz�o incomumente ampla de grandes e pequenas empresas de tecnologia que inclui Apple, Facebook, Microsoft, Google, Tesla, Uber e Intel, afirmava que o decreto de Trump "viola as leis de imigra��o e a constitui��o".

"O Vale do Sil�cio est� come�ando a participar", disse Sam Altman, que comanda a Y Combinator, a mais conhecida incubadora de startups do vale. "As empresas est�o trabalhando em tr�s frentes: opondo-se ruidosamente �s pol�ticas de Trump que veem como ruins; tentando se aproximar dele para influenciar seu comportamento; e desenvolvendo novas tecnologias para trabalhar contra pol�ticas e formas de discurso pol�tico que desaprovam".

� uma estrat�gia improvisada e complicada. As empresas envolvidas est�o entre as mais ricas e populares marcas dos Estados Unidos, o que significa que exercem muita influ�ncia.

Mas tamb�m s�o singularmente vulner�veis –n�o s� �s mensagens presidenciais no Twitter e aos decretos mas aos sentimentos de seus clientes e empregados, alguns dos quais t�m ideias mais radicais em mente.

Muitas das empresas estavam apostando inicialmente no engajamento, depois de uma reuni�o positiva com o presidente eleito, em dezembro.

Essa abordagem modesta, que at� mesmo o executivo mais avesso a riscos pode adotar sem medo, mostrou seus limites esta semana. Depois que sua empresa perdeu muitos clientes insatisfeitos com a presen�a dele em um conselho consultivo do governo Trump, Travis Kalanick, presidente-executivo da Uber foi for�ado a se afastar da posi��o governamental.

"As pessoas votaram optando por deixar a empresa, e Travis as ouviu", disse Dave McClure, que comanda a incubadora 500 Startups e criou o Nerdz 4 Hillary, o grupo que tentou sem sucesso arrecadar verba para a campanha da candidata. "Precisamos convencer os demais l�deres da tecnologia a agir da mesma maneira".

A resist�ncia come�a em casa, disse McClure.

"Se voc� n�o votou no presidente, n�o tem voz com ele", ele disse. "Mas empregados e clientes t�m voz junto �s empresas de tecnologia. O Vale do Sil�cio deveria estar realizando protestos diante do Google, Facebook e Twitter para garantir que essas empresas compartilhem de nossos valores."

Diversos fatores est�o levando o Vale do Sil�cio � linha de frente na oposi��o a Trump. Alguns deles s�o bem conhecidos: muitas das empresas da regi�o foram fundadas e s�o comandadas por imigrantes, o que torna o decreto sobre a imigra��o ofensivo e amea�a sua forma de operar.

As empresas de tecnologia frequentemente enfatizam a import�ncia de talentos internacionais para os seus neg�cios.

Um fator que n�o costuma ser t�o mencionado � a homogeneidade pol�tica dos trabalhadores da tecnologia. "N�o � como se tiv�ssemos 60% dos trabalhadores de um lado e 40% do outro", disse Ken Shotts, professor de Economia Pol�tica na escola de p�s-gradua��o em administra��o de empresas da Universidade Stanford. "Todos eles t�m as mesmas inclina��es."

Trump conta com algum apoio no Vale do Sil�cio, especialmente o do empres�rio de capital para empreendimentos Peter Thiel.

Ainda outro fator de press�o sobre as empresas � a escassez permanente de m�o de obra no setor de tecnologia. Os executivos n�o podem alienar um grande bloco de trabalhadores.

Al�m disso, h� a mitologia do Vale do Sil�cio, segundo a qual o trabalho que � feito l� � o de construir um futuro melhor. O velho slogan do Google, "n�o seja malvado", � a mais forte express�o disso.

"Se voc� sai por a� falando muito sobre o papel exaltado que sua companhia tem na sociedade, sempre pode chegar o momento em que seus trabalhadores decidam for��-lo a fazer o que diz", afirmou Shotts.

Desde a promulga��o do decreto, as empresas est�o batalhando para se manter em sintonia com seus funcion�rios.

Lucy Nicholson/Reuters
Valor de mercado da Microsoft atinge US$ 500 bilh�es pela 1� vez desde 2000
Valor de mercado da Microsoft atinge US$ 500 bilh�es pela 1� vez desde 2000

A Microsoft, por exemplo, inicialmente se limitou a alguns coment�rios discretos, exaltando a imigra��o. Mas no dia seguinte, adotou tom muito mais combativo, definindo a ordem como "indevida e um grande passo atr�s", e afirmando que ela causaria "grandes danos colaterais � reputa��o e valores do pa�s".

Em uma reuni�o envolvendo todos os funcion�rios, no come�o da semana, os funcion�rios da Microsoft expressaram suas preocupa��es a Satya Nadella, o presidente-executivo da empresa, nascido na �ndia.

A empresa n�o fez declara��o formal de apoio aos esfor�os do Estado de Washington para bloquear a ordem, algo que a Amazon e a Expedia fizeram, mas os coment�rios p�blicos que seus dirigentes fizeram ajudaram no esfor�o, disse Bob Ferguson, secret�rio estadual da Justi�a.

A batalha quanto � imigra��o interessa diretamente � Microsoft. A ordem afetou diretamente 76 de seus empregados, segundo a companhia.

H� pessoas no Vale do Sil�cio que t�m esperan�as maiores para as empresas de tecnologia.

"Em 2016, vimos como a tecnologia pode ser usada para causar extrema polariza��o", disse Altman, da Y Combinator. "A coisa mais importante para n�s seria descobrir como usar a tecnologia de forma a despolarizar o pa�s."

Tradu��o de PAULO MIGLIACCI


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