Folha de S. Paulo


Coluna de ve�culos militares russos entrou na Ucr�nia, diz jornal

Os caminh�es brancos de assist�ncia humanit�ria percorriam a R�ssia em um comboio que se estendia por quil�metros, avan�ando lentamente rumo ao sul na rodovia M4, em meio a campos f�rteis e Ladas parados nos acostamentos, com os porta-malas repletos de melancias para venda.

Mas os caminh�es se detiveram bem aqu�m da fronteira da Ucr�nia e um comboio russo muito diferente entrou em territ�rio ucraniano na noite de 14 de agosto.

O "Guardian" viu uma coluna de 23 transportes blindados de pessoal, apoiados por caminh�es de combust�vel e outros ve�culos com placas das for�as armadas russas, viajando na dire��o da fronteira perto da cidade russa de Donetsk.

Depois de parar na beira da estrada at� o anoitecer, o comboio penetrou em territ�rio ucraniano, usando uma estrada de terra prec�ria que passa por uma brecha na cerca de arame que demarca a fronteira. Homens armados eram vis�veis, na escurid�o, enquanto a coluna entrava na Ucr�nia.

Kiev perdeu o controle de sua fronteira na regi�o. Era improv�vel que os ve�culos representassem uma invas�o russa aberta, e n�o estava claro que dist�ncia eles planejavam percorrer dentro do territ�rio ucraniano, e quanto duraria a sua estadia. Mas eles eram prova incontest�vel daquilo que a Ucr�nia h� muito alegava - que tropas russas estavam ativas dentro de suas fronteiras.

E a situa��o tamb�m era ir�nica, dada a aten��o ao grande comboio de assist�ncia humanit�ria que estava se movimentando lentamente rumo ao sul pela rodovia M4.

Enquanto o comboio de caminh�es pintados de branco se aproximava da por��o da fronteira controlada pelos rebeldes pr�-R�ssia, era dif�cil escapar � sensa��o de que o comboio de assist�ncia de Moscou tinha o potencial de se transformar em um desastre em c�mera lenta, talvez at� resultando em um momento que transformaria o conflito entre prepostos da R�ssia e da Ucr�nia em um combate pleno e aberto entre os dois pa�ses.

De acordo com Moscou, o comboio � um gesto de boa vontade, carregado de assist�ncia muito necess�ria aos moradores do leste da Ucr�nia. Na opini�o de Kiev, o comboio � na melhor das hip�teses um gesto c�nico e, na pior, poderia ser uma centopeia de Troia, avan�ando aos poucos para dentro do pa�s por uma parte da fronteira sobre a qual as for�as ucranianas j� n�o t�m controle, e transportando carga cujo teor s� � confirmado pela palavra dos russos.

O comboio humanit�rio ficou parado por 24 horas na cidade de Voronezh, na quarta-feira (13), mas voltou a se movimentar ao raiar do dia na quinta (14). Em dado momento, com o presidente Vladimir Putin mais de duas horas atrasado para discursar a funcion�rios do governo russo sobre a Crimeia e os primeiros caminh�es do comboio chegando � estrada que conduz a Luhansk, uma cidade ucraniana controlada pelos rebeldes, surgiram sussurros de que o an�ncio de Putin talvez tivesse sido adiado porque ele pretendia afirmar que os ve�culos entrariam na Ucr�nia com ou sem o consentimento das autoridades do pa�s, uma decis�o que Kiev declarou que veria como invas�o.

Por fim, o comboio se deteve pouco antes do desvio que conduz a Luhansk, ainda a 30 quil�metros da fronteira, e ao longo de duas horas os ve�culos foram estacionados em fileiras ordenadas, causando uma forte nuvem de poeira.

O Minist�rio do Exterior russo informou que o comboio � formado por 262 ve�culos, 200 dos quais transportando suprimentos de assist�ncia. Alguns dos motoristas estimaram o total em 270. O come�o de um acampamento j� estava erguido, com uma d�zia de grandes barracas e uma �rea para banho na qual os homens podiam limpar a poeira da longa jornada.

Havia quem dissesse que os caminh�es podiam estar carregados de armas. Outros afirmavam que eles conduziam suprimentos iniciais para uma invas�o posterior pelas tropas terrestres russas estacionadas perto da fronteira. Havia tamb�m a sugest�o de que o circo em torno do misterioso comboio distrairia as aten��es quanto a outras manobras russas, temor aparentemente justificado se considerarmos a coluna militar que atravessou a fronteira na noite do dia 14.

As centenas de homens que dirigiam os caminh�es do comboio de assist�ncia humanit�ria vestiam todos camisetas, cal��es e botas id�nticos em cor c�qui, e havia algo de militar em seu porte.

Para alguns observadores, o grande comboio avan�ando com clara coordena��o com o alto escal�o e acompanhado por numerosos ve�culos com placas militares russas trouxe lembran�as dos "homenzinhos verdes" envolvidos na anexa��o da Crimeia, em mar�o.

Usando uniformes verdes sem ins�gnias, eles alegavam ser volunt�rios locais, ainda que fosse evidente que se tratava de pessoal altamente treinado das for�as especiais russas. A despeito de negar sua presen�a ao longo de todo o per�odo da anexa��o, Putin mais tarde admitiu que unidades militares russas haviam participado.

Mas, com seus modos descontra�dos, falta de disciplina e, em certos casos, f�sico com mais cara de cervejaria do que de campos de treinamento de for�as especiais, os "homenzinhos marrons" do comboio de assist�ncia claramente n�o s�o as tropas de elite altamente treinadas empregadas na anexa��o da Crimeia.

Em geral, eles n�o queriam falar sobre quem s�o ou sobre como haviam se envolvido com o comboio. Um disse que era volunt�rio de uma ONG, mas quando perguntado sobre o nome da organiza��o optou por se calar. "Estou sendo pago para fazer um trabalho, aqui, e n�o para conversar com jornalistas", ele disse, quando insisti, e me olhou sem gra�a quando o lembrei de que havia dito ser um volunt�rio n�o remunerado. Outros se disseram veteranos das for�as armadas, mas afirmaram n�o estar servindo no momento.

� poss�vel que o pessoal do comboio tenha sido montado usando o m�todo semioficial adotado pela R�ssia para encontrar volunt�rios para as for�as separatistas rebeldes no leste da Ucr�nia - telefonemas de organiza��es de veteranos das for�as armadas com ofertas de trabalho.

Os presentes descartaram os temores ucranianos de que o comboio esteja transportando alguma esp�cie de carga militar secreta. Dois dos homens de c�qui, que n�o revelaram seus nomes mas disseram ser os "encarregados da carga", se ofereceram para abrir qualquer caminh�o, escolhido ao acaso, e mostrar aos jornalistas o que ele transportava. O pessoal se apressou a desamarrar as cordas que seguravam as lonas de dois caminh�es escolhidos por jornalistas do "Guardian" e outros �rg�os de imprensa presentes. Dentro de um deles havia sacos de trigo, e o segundo transportava caixas de papel�o que, quando abertas, revelaram conter sacos de dormir.

Ningu�m sabia dizer por quanto tempo planejava estar l� - algumas horas ou alguns dias. E tampouco estava claro que Moscou tivesse tomado a decis�o de s� avan�ar com aprova��o do Comit� Internacional da Cruz Vermelha. Um carro solit�rio com placas diplom�ticas e a ins�gnia da Cruz Vermelha chegou ao local durante a tarde. Os dois homens que ele trouxe confirmaram ser funcion�rios da Cruz Vermelha em Moscou mas se recusaram a fornecer outras informa��es.

Os caminh�es parecem de fato conter suprimentos de assist�ncia humanit�ria. Mesmo assim, as preocupa��es de Kiev quando ao comboio, com seu timbre militar muito mal disfar�ado, s�o compreens�veis. A vanguarda e a retaguarda do comboio inclu�am diversos ve�culos com placas militares russas. Havia, tamb�m, diversos ve�culos militares de transporte carregando artilharia e tanques vis�veis na rodovia M4, perto da fronteira, durante o dia. Moradores locais dizem que n�mero cada vez maior deles vem sendo avistado nos �ltimos meses.

Tradu��o de PAULO MIGLIACCI


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