Folha de S. Paulo


'30 anos depois do Cruzado, indexa��o ainda � problema', diz economista

Durou cinco meses a riqueza repentina fabricada pelo Plano Cruzado, que neste domingo (28) completa 30 anos.

O Gurgel e os fiscais da Sunab faziam sucesso nas ruas.

Em julho daquele ano, por�m, come�ou a fazer �gua o primeiro plano econ�mico p�s-ditadura, que mobilizou consumidores e catapultou a popularidade do presidente Jos� Sarney, que havia assumido o cargo ap�s a morte de Tancredo Neves.

O economista Edmar Bacha, 74, participou da equipe que elaborou o Cruzado. Repetiu a dose no Real, em 1994.

Hoje, Bacha diz que s� a confian�a pode catapultar a economia brasileira —e sem Dilma. A seguir, a entrevista.

Pedro Carrilho/Folhapress
Edmar Bacha, para quem o sal�rio m�nimo tem de mudar
Edmar Bacha, para quem o sal�rio m�nimo tem de mudar

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Folha - H� economistas que pensam que estar�amos diante de uma nova d�cada perdida. O que o sr. avalia?
Edmar Bacha - Perdemos a d�cada [de 1980] porque n�o soubemos lidar com o processo inflacion�rio que a democracia herdou da ditadura. Fizemos uma s�rie de planos que foram contraproducentes. Al�m disso, t�nhamos a d�vida externa, sem nenhuma reserva, o que levou o Sarney a decretar a morat�ria, em 1987.
Acho que � um pouco de exagero. Claro que houve erros de pol�tica econ�mica, mas esses dois grandes problemas n�o est�o presentes.

Quando caiu a ficha de que o Plano Cruzado fracassaria?
Eu era presidente do IBGE, e a partir de abril [de 1986] os pesquisadores come�aram a reportar que faltavam produtos nas prateleiras. A cada semana essa parcela de bens inexistentes aumentava. Est�vamos caminhando para uma situa��o insustent�vel do congelamento.

O que deu errado?
O pecado original era o arrocho salarial da ditadura. A democracia n�o podia fazer o mesmo. Antes do congelamento, os sal�rios receberam um abono de 8%, e o sal�rio m�nimo, de 15%. Ou seja, o sal�rio real ficou mais alto e a lei previu que, quando a infla��o chegasse a 20%, um gatilho seria acionado para corrigir os sal�rios. Criou-se uma armadilha. Nada disso estava na concep��o original do plano. Fizeram o descongelamento sem alterar o gatilho, os pre�os mudaram e a infla��o foi rapidamente a 20%. E depois subiu mais.

Hoje existe a dificuldade do governo em discutir medidas impopulares, como a reforma da Previd�ncia.
A quest�o � sempre essa. Primeiro � preciso reconhecer que as decis�es t�m de ser tomadas. E n�o s� a reforma da Previd�ncia, mas esse mecanismo de corre��o do sal�rio m�nimo tem de mudar. O custo est� muito alto em termos de desemprego para quase nada de redu��o de infla��o. Isso nos faz ter de lidar de novo com a indexa��o [corre��o quase autom�tica de pre�os olhando a infla��o passada].

O que sugerir a um governo que estuda adotar medidas impopulares?
� preciso ter um governo que tenha confian�a. � engra�ado porque o Plano Real foi feito no governo Itamar, que tinha acabado de demitir tr�s ministros da Fazenda, o Congresso estava uma grande confus�o com a CPI dos An�es do Or�amento. N�o havia propriamente confian�a. Mas, quando Fernando Henrique foi nomeado e chamou de volta a equipe do Cruzado, no mundo pol�tico foi uma transforma��o: "Esses caras sabem o que fazem e dessa vez v�o fazer direito".

Por que o Plano Cruzado ficou t�o marcado na mem�ria, apesar do fracasso?
As pessoas de repente ficaram ricas!

O perigo da hiperinfla��o est� superado?
N�o � f�cil fazer uma hiperinfla��o. Todas as que existiram, fora a nossa, foram resultado de guerras. O que pode acontecer � ter uma infla��o que vai corroendo, que est� 10% agora e vai para 20%. E a� chega um ponto em que se come�a a indexar, h� um choque de oferta e se chega a 50% ao ano. A indexa��o oficial � a mais dif�cil de mudar. Mas a que est� na cabe�a das pessoas s� se muda com confian�a. Ningu�m hoje acredita na meta [de 4,5% ao ano]. O governo perdeu a credibilidade.

O que preocupa na economia?
O problema principal � restaurar a confian�a. Voc� pode at� discutir o que fazer, mas se entrar um governo com um plano sensato. N�o com uma nova matriz macroecon�mica [lan�ada pelo ex-ministro Guido Mantega], que foi um produto maluco do boom das commodities e da crise financeira internacional. Se entrar uma equipe econ�mica respeitada, com um governo legitimado, muda o clima rapidamente. N�o sei se a presidente [Dilma] teria condi��es de fazer isso.

� a favor do impeachment?
Eu sou a favor das elei��es gerais em outubro [anula��o da elei��o de Dilma pela Justi�a Eleitoral], essa � a �nica solu��o para o pa�s.

A presidente n�o seria capaz de recuperar a confian�a?
Ela [Dilma] teve a oportunidade de fazer isso, quando ventilou a ideia de sair do PT e convocar um governo de uni�o nacional. Mas optou por n�o fazer isso. Com o PT ela n�o conseguir�, o PT est� dizimado pela Lava Jato.

Essa pode ser a pior crise da nossa hist�ria?
A situa��o � ruim, mas por outro lado a Lava Jato est� fazendo coisas que nunca se imaginou no pa�s.

PLANO CRIOU EXPLOS�O DO CONSUMO

Lan�ado em uma sexta-feira de 1986, o Cruzado teve a marca principal no congelamento de pre�os.

Inspirado em um programa lan�ado em Israel, o Cruzado mudou a moeda -de cruzeiro para cruzado- e produziu uma explos�o do consumo.

O governo lan�ou m�o at� de promessas, como a de "la�ar bois no pasto", para aplacar a crise de oferta, mas n�o deu certo.

Sem redu��o dos gastos do governo, a demanda cresceu e a infla��o escalou at� chegar � hiperinfla��o, tr�s anos e outros planos econ�micos depois.


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