Folha de S. Paulo


"O Exorcista", marco do horror, faz 40 anos

RESUMO Lan�ado no final de 1973, "O Exorcista", filme de William Friedkin baseado em best-seller de William Blatty, foi o primeiro blockbuster de horror de Hollywood. Sucesso da hist�ria da menina possu�da pelo dem�nio foi propelido em parte pelo esp�rito da �poca, em que o ideal "paz e amor" cedia lugar a experimentos com o oculto.

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Em 1973, William Friedkin era a pr�pria encarna��o do diabo para os executivos do est�dio Warner. Consagrado pelo sucesso de "Opera��o Fran�a" (1971), o diretor levou ao cinema o best-seller "O Exorcista", de William Peter Blatty. O filme estreou no dia seguinte ao Natal daquele ano, data n�o exatamente prop�cia para exibir uma menina se masturbando com um crucifixo. Mas a Warner tinha mais a temer.

O perfeccionismo paranoico de Friedkin apavorava os produtores. A filmagem, calculada em 85 dias, passou de 220, e o or�amento mais que dobrou em rela��o ao previsto.

Os m�todos de Friedkin eram bem peculiares. Ele disparou armas dentro do est�dio para captar as rea��es de choque do elenco e mandou aumentar a for�a do dispositivo de cordas que arremessava Ellen Burstyn pelo quarto em uma cena -a atriz acabou machucando seriamente a coluna.

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Max von Sydow, como o padre exorcista, e Linda Blair, como a garota possu�da, no filme
Max von Sydow, como o padre exorcista, e Linda Blair, como a garota possu�da, no filme "O Exorcista"

Para registrar o momento do exorcismo, o diretor transformou o est�dio num imenso frigor�fico; aparelhos de ar-condicionado deixavam a temperatura abaixo de zero e permitiam �s c�meras filmar a respira��o dos atores. A equipe era obrigada a trajar roupas de neve.

Na c�lebre cena em que a menina Regan (Linda Blair), possu�da pelo dem�nio, vomita no padre Karras (Jason Miller), Friedkin mandou o chefe de efeitos especiais mirar na cara de Miller, mas n�o avisou ao ator: sua express�o de nojo com a gosma � real.

Para gravar a voz do dem�nio que domina o corpo da menina, Friedkin chamou a atriz Mercedes McCambridge (1916-2004). Veterana de trabalhos em r�dio com Orson Welles, ela foi amarrada a uma cadeira e submetida a uma dieta de ovos crus e u�sque Jack Daniel's, para fazer sua voz soar mais gutural. Muito religiosa, ela ca�a em prantos nos intervalos e era consolada por dois padres, contratados como consultores.

Friedkin n�o gostou de como o reverendo William O'Malley, escalado para viver o padre Dyer, interpretou a cena em que ministrava a un��o dos enfermos a Karras. Pegando O'Malley pelos ombros, olhou fixamente em seus olhos e perguntou: "Bill, voc� confia em mim? Voc� me ama?". Quando ouviu "sim", Friedkin o esbofeteou no rosto e mandou a c�mera rodar. O padre completou a cena tremendo e chorando.

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A atriz Linda Blair em cena de
A atriz Linda Blair em cena de "O Exorcista"

A aparente loucura de Friedkin seguia um m�todo e um objetivo. Ele intu�a que "O Exorcista", para ser um sucesso, precisava de intensidade e realismo in�ditos.

Deu certo: foi o primeiro longa de terror campe�o de bilheteria da hist�ria de Hollywood. � o nono filme mais rent�vel dos EUA, segundo o site Box Office Mojo. Em valores atualizados, faturou US$ 890 milh�es (cerca de R$ 2 bilh�es), superando at� mesmo "Avatar" (US$ 782 milh�es, R$ 1,8 bilh�o). Gerou um fen�meno social e cultural que capturou, melhor que qualquer outro, o esp�rito de sua �poca.

"Est�vamos na era do anti-her�i", define Friedkin em sua rec�m-lan�ada autobiografia, "The Friedkin Connection: A Memoir" [Harper, R$ 53, 512 p�gs.]. "O clima era de medo irracional e paranoia, dois velhos conhecidos meus [...]. Os filmes dos anos 70 come�aram a abordar a ambiguidade moral que reconhec�amos em n�s mesmos", escreve o cineasta, hoje com 78 anos e ainda na ativa.

CONFLITOS

Desde o fim dos anos 1960, o mundo vivia uma fase de conflitos b�licos e existenciais. O Vietn� e a Guerra Fria chegavam a seus picos dram�ticos. Tanques sovi�ticos esmagaram a Primavera de Praga. Os assassinatos de Bobby Kennedy e Martin Luther King, os massacres da gangue de Charles Manson, as mortes de �dolos do rock como Jimi Hendrix, Brian Jones, Jim Morrison e Janis Joplin e o fim dos Beatles sepultaram o sonho hippie de paz, amor e uni�o.

O "sistema" tinha vencido. Havia uma impress�o de que o mundo estava prestes a enfrentar um desastre apocal�ptico. N�o � toa, foi uma �poca de grande interesse pelo oculto e sobrenatural.

Na m�sica, isso ficou claro quando os Beatles inclu�ram a foto do ocultista ingl�s Aleister Crowley (1875-1947) na capa do LP "Sgt.Pepper's Lonely Hearts Club Band". Crowley virou um �dolo da contracultura: Jimmy Page, do Led Zeppelin, comprou um castelo que fora do bruxo, e Mick Jagger, dos Rolling Stones, atuou no filme "Invocation of My Demon Brother", dirigido por
um disc�pulo de Crowley, Kenneth Anger. David Bowie era outro popstar obcecado por Crowley. Citou o ocultista em m�sicas ("Quicksand", 1971) e fez um disco inspirado em sua filosofia, "Station to Station" (1975/76).

No Brasil, os maiores divulgadores da Thelema, a filosofia de Crowley, foram Raul Seixas e Paulo Coelho. A dupla gravou diversas m�sicas de adora��o ao mestre, como "Sociedade Alternativa" e "Loteria da Babil�nia".

Astros de Hollywood tamb�m se bandearam para o lado do capeta: o ator e cantor Sammy Davis Jr. e a "sex symbol" Jayne Mansfield frequentavam a Igreja de Sat�, criada na Calif�rnia por Anton Lavey, um radical chic que colocou em polvorosa o "jet set" hollywoodiano com sua "B�blia Sat�nica", sucesso nas livrarias em 1969.

TIMING

O timing de William Peter Blatty ao lan�ar, em 1971, o romance "O Exorcista", n�o poderia ter sido melhor. O tema do satanismo deixava de ser um "hype" entre celebridades para chegar com for�a ao "mainstream".

Nem o pr�prio Blatty (na �poca roteirista de com�dias, conhecido por "Um Tiro no Escuro", escrito com o diretor Blake Edwards) acreditava no sucesso do livro -agora relan�ado no Brasil, em edi��o comemorativa dos 40 anos do filme [trad. Carolina Caires Coelho, Agir, R$ 39,90, 336 p�gs].

Filho de uma fam�lia libanesa, Blatty nasceu nos Estados Unidos e passou uma inf�ncia miser�vel. O pai abandonou a fam�lia; a m�e sustentou o menino mendigando nas ruas de Nova York.

Com uma bolsa, foi estudar na universidade jesu�ta Georgetown, onde, em 1949, numa aula de teologia, ouviu falar do caso de um menino de 14 anos que teria sido libertado de um esp�rito maligno por meio de um exorcismo. Mais de 20 anos depois, Blatty usou o caso de base para "O Exorcista". O livro ficou 57 semanas seguidas na lista de mais vendidos do "The New York Times".

Blatty vendeu os direitos da adapta��o para o cinema e exigiu que a Warner contratasse William Friedkin para dirigir o filme. Outros diretores, como Stanley Kubrick, foram sondados, mas o autor n�o cedeu. Ele havia adorado "Opera��o Fran�a" e achava que Friedkin era o homem certo.

A campanha do filme teria um empurr�o involunt�rio. Em 1972, no come�o das filmagens, o papa Paulo 6� conclamou cat�licos a retomar os estudos sobre o diabo, afirmando que o mal n�o era s� "a aus�ncia de algo, mas um agente efetivo, um ser espiritual vivo". A "terr�vel realidade" descrita pelo pont�fice talvez tenha levado �s salas ao menos uma parte dos milh�es de espectadores de "O Exorcista".

ANDR� BARCINSKI, 45, � jornalista e diretor dos programas "O Estranho Mundo de Z� do Caix�o" e "Nasi Noite Adentro", no Canal Brasil.


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