Folha de S. Paulo


A escrita cura o cora��o, mas � preciso estar vigilante, diz Scholastique

� de um "dever de mem�ria" que a ruandesa Scholastique Mukasonga tira a energia para escrever sobre uma trag�dia que lhe � t�o pr�xima. "N�s temos o dever da escrita diante de uma situa��o de genoc�dio", disse a autora em um bate-papo promovido pela Folha nesta quarta (2).

"Fomos exterminados como baratas. Mas n�o somos baratas", afirmou, emocionada. Durante o exterm�nio, "barata" era a express�o usada pela etnia hutu ao se referir � minoria t�tsi, que h� 13 anos teve cerca 70% da popula��o do pa�s morta.

Falando sobre o processo de relatar a hist�ria de seu povo na literatura, Scholastique disse que enxerga a p�gina em branco como uma confidente e que escreve sempre tendo em mente os mortos, os vivos, e as crian�as.

"� muito bonito como ela usa a literatura para mostrar o agressivo, o revoltante", disse o escritor e educador Rodrigo Cir�aco, 36, que participou do evento. "Ela � um sopro de esperan�a."

Quando a mediadora da conversa, Patr�cia Campos Mello, rep�rter especial da Folha, perguntou o que o mundo aprendeu com o genoc�dio em Ruanda, Scholastique respondeu que acredita que algo similar pode se repetir.

"Apesar do meu otimismo, do dever da mem�ria e de ter a escrita como um curativo para o cora��o, � preciso que estejamos sempre vigilantes."

Como exemplo, ela citou o m�s de junho de 1994, �poca em que o massacre no pa�s africano estava no auge –enquanto isso, a Normandia, regi�o da Fran�a em que mora, celebrava o cinquenten�rio do desembarque dos aliados na costa francesa durante a Segunda Guerra Mundial. A escritora destacou a ironia de que, no mesmo momento em que o mundo dizia "nunca mais" a alguns erros do passado, deixava Ruanda passar por sua ocasi�o de "maior dor". "A maioria das pessoas n�o conhece o genoc�dio, sobretudo as mais jovens. No mundo inteiro, ningu�m se interessou por n�s."

A estudante Rebeka Caroline, 17, compareceu ao debate, na livraria Saraiva do shopping Higien�polis, mesmo sem saber bem o que foi o exterm�nio. "Eu me identifico com a autora por meio da literatura. � um meio de escape para muitas pessoas, para ela e para mim".

A escritora, que falou muito durante a Flip sobre sua m�e, v�tima do genoc�dio e homenageada no livro "A Mulher de P�s Descal�os" (ed. N�s), aproveitou o debate para falar de seu pai, que teve papel definitivo em sua vida.

"Se me tornei uma sobrevivente e pude, atrav�s da literatura, cumprir esse dever de mem�ria, foi gra�as � insist�ncia de meu pai." Ele obrigou Scholastique a prestar o exame que a permitiu estudar e � lembrado na obra "Nossa Senhora do Nilo" (ed. N�s), romance baseado em fatos da vida escolar da autora.

Apesar de ter como objeto de escrita um assunto doloroso, ela diz que acolhidas calorosas como a que recebeu no Brasil, onde at� ent�o era pouco conhecida, renovam suas esperan�as no mundo.


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