Folha de S. Paulo


Em centen�rio, Lina Bo Bardi � celebrada como estrela

Uma mulher que dizia escolher a liberdade em vez da beleza e que achava estar jogando p�rolas aos porcos com sua arquitetura "bruta e feia" nunca esteve t�o na moda.

Lina Bo Bardi, morta aos 77 em 1992, faria cem anos em dezembro deste ano. Seu centen�rio agora turbina uma onda de exposi��es e lan�amentos de livros que tentam explicar como a arquiteta do Masp e do Sesc Pompeia deixou de ser uma "diletante" exc�ntrica para entrar no c�rculo dos maiores mestres do modernismo no mundo.

Em vida, Bo Bardi n�o era aceita pelo establishment. Arquitetos em voga no auge do modernismo brasileiro n�o entendiam suas ideias de abandonar cada vez mais a austeridade racionalista do estilo internacional e abra�ar a simplicidade da arquitetura popular como a base de uma nova modernidade.

Mais de 20 anos depois de sua morte, teses sobre seu legado proliferam nas universidades. Artistas pl�sticos fazem releituras –boas e p�ssimas– de suas ideias, enquanto exposi��es est�o prestes a celebrar Bo Bardi como uma "estrela p�stuma".

Nas palavras de Carlos Eduardo Comas, um dos curadores de uma aguardada mostra de arquitetura latino-americana marcada para mar�o do ano que vem no MoMA, em Nova York, a arquiteta est� sendo "descoberta pela intelligentsia" global.

Tal descoberta � t�o grande que Bo Bardi ser� um dos nomes centrais da mostra do museu norte-americano, que ampliou seu escopo para incluir o desenho do Sesc Pompeia, uma das �ltimas –e melhores– obras da arquiteta.

"Ela era colocada um pouco de escanteio, mas o peso de sua obra � incontorn�vel", diz Comas. "Esse reconhecimento atual tem a ver com um interesse renovado pelo modernismo e a descoberta do Brasil em termos geopol�ticos."

De certa forma, Bo Bardi est� em ascens�o no plano mundial desde que a Bienal de Arquitetura de Veneza dedicou uma sala a ela, h� quatro anos.

Essa edi��o da mostra italiana organizada pela japonesa Kazuyo Sejima, famosa por seus projetos de poucas e clar�ssimas linhas, jogou luz sobre como Bo Bardi j� fazia uma apologia � simplicidade.

DEL�RIOS HIPPIES

Marcelo Ferraz, que trabalhou com a arquiteta e organiza, ao lado de Andr� Vainer, uma mostra sobre Bo Bardi agora no Sesc Pompeia, entende sua obra como uma alternativa ao que chama de "arquitetura-show", que entrou em crise nos �ltimos anos.

"Hoje a arquitetura vai muito para um caminho de moda e estilo, o que � um retrocesso", diz Ferraz. "Sem d�vida, a Lina � melhor compreendida, mas h� um fetiche em torno dela. Ficam delirando que ela era uma hippie, o que � muito ruim, porque tudo que ela fez acaba virando receita."

No caso, arquitetos criticam o fato de que Bo Bardi vem sendo copiada n�o pela ess�ncia da obra, que buscava um enraizamento singular com o entorno, e mais por tra�os formalistas –a superf�cie de seus projetos que acaba levando a uma multiplica��o vazia de v�os livres e paredes de vidro.

Ou seja, a natureza iconoclasta de suas ideias, como os cavaletes de vidro que davam a impress�o que as pinturas flutuavam no Masp, foi domada para virar tend�ncia.

Uma mostra em cartaz no Museu da Casa Brasileira, ali�s, chama a aten��o para as solu��es de Bo Bardi para espa�os expositivos, mostrando que mesmo sua arquitetura mais ef�mera vinha carregada de uma ideologia de confronto entre p�blico e obra.

Talvez por essa pegada radical, sua galeria no Masp foi desmantelada. "N�o � que ela estava � frente de seu tempo", diz o curador Giancarlo Latorraca. "Ela via as possibilidades reais de transforma��o."

Outra mostra, que abre neste m�s na Casa de Vidro, onde Bo Bardi viveu, vai destacar o mobili�rio da arquiteta, dando a entender como suas cadeiras e poltronas de lona e couro soltos sobre estruturas de metal ou madeira se inspiraram nas redes dos �ndios.

"Hoje, a Lina � quase uma porta de sa�da � arquitetura fashion, de tecnologia sofisticada", diz Olivia Oliveira, que acaba de lan�ar um livro sobre a obra constru�da da arquiteta. "Ela � contr�ria ao espet�culo, sempre tirou partido das restri��es."

*

EXPOSI��ES

A arquiteta � tema de quatro exposi��es neste m�s em S�o Paulo. Uma j� est� em cartaz no Museu da Casa Brasileira (av. Brig. Faria Lima, 2.705). Duas outras abrem nesta ter�a (7) no Sesc Pompeia (r. Cl�lia, 93). Uma quarta exposi��o abre em 18/10 na Casa de Vidro (r. Gal. Alm�rio de Moura, 200)

LIVRO

Acaba de sair pela ed. Gustavo Gili "Lina Bo Bardi - Obra Constru�da" (R$ 140), de Olivia Oliveira


Endere�o da p�gina:

Links no texto: