Folha de S. Paulo


Ra� faz 50 anos e diz que Rog�rio � o maior �dolo da hist�ria do S�o Paulo

Assista

Ra� n�o sabia como comemorar os gols quando iniciou a carreira no Botafogo, em Ribeir�o Preto. O garoto de 1,89 m se achava desengon�ado ao correr para celebrar ap�s balan�ar as redes de algum advers�rio. Um dia, despretensiosamente, socou o ar. N�o como Pel�. Deu um gancho em dire��o ao c�u, em um movimento coordenado dos bra�os. Tinha descoberto sua primeira marca, aquela que iria repetir 128 vezes pelo S�o Paulo, 72 pelo PSG, 16 pela sele��o brasileira...

Os gols, passes e lan�amentos fizeram do camisa 10 �dolo da capital paulista � francesa. O estilo requintado e a lideran�a dentro e fora de campo transformaram o capit�o em celebridade. T�mido, por�m, j� precisou se disfar�ar para pular o Carnaval em Salvador no meio da multid�o e para levar a filha brincar em um parque aqu�tico. Nesta semana, por�m, n�o conseguiu se esconder do ass�dio dos jovens atletas do S�o Paulo nos corredores e na beira do gramado no Morumbi, depois desta entrevista � Folha.

Era o in�cio da semana do anivers�rio de 50 anos –comemorado nesta sexta-feira (15)–, e Ra� atendeu a todas as dezenas de pedidos de selfies. A maioria dos que tiraram fotos n�o tinham nascido quando ele se aposentou dos campos, h� 15 anos. Hoje, guardam uma recorda��o do �dolo que n�o sabia como comemorar seus gols mas aprendeu a se articular muito bem dentro e fora dos campos de futebol.

*

MORUMBI

"Tenho boas recorda��es. S� consigo imagin�-lo cheio. Olho, vejo vazio, mas as recorda��es s�o das arquibancadas cheias, com barulho, gente pulando. S�o as lembran�as que ficam, as boas. N�o chego a ter saudade, mas emo��o. N�o de querer voltar. Sinto falta da energia de jogar, de brincar de bola, jogar com os amigos mais frequentemente. Jogo muito pouco futebol hoje, mais em jogos beneficentes ou uma vez ou outra com amigos. O joelho (esquerdo) j� n�o aguenta. Por causa do joelho e de outras coisas, o preparo f�sico est� limitado. D� uma certa frustra��o. Por isso n�o jogo muito mais."

50 ANOS

"Estou muito satisfeito. Tenho inquieta��o de pensar no futuro. A expectativa longa, com muita coisa por vir, numa segunda parte da vida, com coisas mais expressivas. � uma ansiedade, ou melhor, um cuidado com o caminho para o futuro. S�o 15 anos de p�s-carreira com muita realiza��o na �rea social, v�rios projetos novos e completamente realizado com a vida profissional na empresa."

100 ANOS

"N�o imagino chegar ao 100, mas pr�ximo j� ser� muito bom. Minha m�e (Guiomar) est� com 94 e super bem. Minha filha (Noah, 10) outro dia soltou: "Meu pai nunca vai ficar velho". Acho que a gente tem esse estigma. A imagem que fica para as pessoas � essa imagem. Sinto que estou envelhecendo, as dificuldades de manter a forma s�o maiores. Mas estou no lucro, para 50 anos estou bem, n�o tenho do que me queixar, mas a imagem � de um cara saud�vel. At� agora acho que foi f�cil, faz 15 anos que parei mas foram 20 fazendo exerc�cios."

COTIDIANO

"Meu dia a dia tem muita viagem no meio, mas � basicamente no escrit�rio e na Funda��o Gol de Letra. Muitos compromissos, contatos profissionais na Europa. Venho amadurecendo a vontade de estudar ci�ncias humanas, aproveitar meu envolvimento social e com pol�ticas p�blicas. Quero contribuir com uma coisa maior".

FAM�LIA

"Meu pai (Raimundo) trabalhava muito como auditor fiscal e, no per�odo que eu era crian�a e adolescente, ele passou muito tempo fora. Ent�o minha m�e foi pai e m�e pra mim. Ca�ula � assumidamente o preferido da m�e, tem uma rela��o especial. Tenho tr�s filhas (Emanuella, 31, Ra�ssa, 26, e Noah, 10) e uma neta (Naira) de 15 anos, mas tive cinco irm�os. � um aprendizado esse universo feminino. � especial. Elas acabam me dobrando. Muitas vezes a m�e faz o papel de durona porque amole�o um pouco. N�o sou ciumento. Com a neta foi mais tranquilo, porque tem menos responsabilidade como "segundo pai". Sou um av� muito novo, ela me chama de 'v�vi'. Sou um av� moderno e a incentivei a ir para a Austr�lia fazer interc�mbio."

MAIOR �DOLO DA HIST�RIA DO S�O PAULO

"O maior �dolo da hist�ria do S�o Paulo � o Rog�rio Ceni. � inevit�vel. Tive oito anos de S�o Paulo. Ele tem quantos? Mais de 20. Meus anos foram marcantes, intensos. Mas ele tem uma hist�ria �nica. Ter feito o que fez, como goleiro, os recordes, o tornam �nico. Tem outros �dolos do passado, alguns bastante distantes que a gente n�o acompanhou, sem essa m�dia de hoje. Na era moderna eu passei o bast�o para ele, como l�der, como �dolo, e ele ampliou o que fiz. Tor�o para ele bater recordes e ele bateu quase todos."

S�O PAULO ATUAL

"Precisa evoluir, est� abaixo do que o torcedor, os jogadores, todos esperavam nesse momento. Est� em evolu��o mas bem abaixo. No Brasileiro � um dos favoritos porque d� tempo de se acertar. Tem elenco, tem torcida, hist�ria. Precisa ser mais consistente."

T�CNICO ESTRANGEIRO

"Gosto da ideia. Ter um treinador com ideias novas, mentalidade nova, interc�mbio. Mas existe preconceito porque v�rias experi�ncias n�o deram certo. Mas � interessante para o futebol brasileiro. O S�o Paulo teve v�rios jogadores estrangeiros que deram certo, clube tem a cultura e as pessoas se adaptaram mais facilmente aqui. Brasil n�o tem em quantidade, n�o tem muitas op��es, mas tem bons t�cnicos. O Milton Cruz est� bem. Vai ter a parada para a Copa Am�rica, foi bom manter o Milton de interino. Agora pode escolher com calma."

GANSO

"A expectativa � maior. Ele � um jogador que j� deu certo, que j� decide jogos algumas vezes, mas algumas vezes, n�o. Todo mundo espera muito mais, e acho que ele tamb�m. Tem a ver com ambi��o pessoal. Qualidade t�cnica para ser um jogador marcante, ele tem. O time melhorando ele cresce. T�cnica ele tem de sobra, para ser l�der n�o o conhe�o suficientemente bem para falar. Mas que ele tem que assumir um papel maior de import�ncia e perceber que essa qualidade t�cnica e respeito que os jogadores tem por ele pode se transformar em lideran�a. � um fator positivo chamar essa responsabilidade. Ele � jovem ainda (25 anos), cheguei ao auge da minha carreira com 26, 27, e com 28 sa� do Brasil. Dentro de campo ele tem qualidade t�cnica para fazer hist�ria."

DESPEDIDA

"Despedida minha aqui? (risos) Agora n�o d� mais. Agora pego carona na do Rog�rio e bato uma bolinha, j� vai ser uma grande despedida. Fiz meu jogo de despedida l� na Fran�a. Aqui n�o teve um evento mas tenho o camarote (Sala Ra�), o respeito da torcida, o momento agora � guardar essa liga��o positiva. Na minha �poca era raro, n�o tinha espa�o no calend�rio, hoje tem a cultura desse tipo de evento. Se for para fazer tem que ser uma para o Rog�rio, grandiosa, como est�o preparando."

CARREIRA DE DIRIGENTE OU T�CNICO

"Hoje em dia o contexto est� come�ando a se transformar, mas meu momento j� passou. Os clubes est�o querendo profissionalizar a gest�o. Est�o surgindo personagens, executivos no futebol, bem sucedidos, e Gustavo [Vieira de Oliveira, executivo de futebol do S�o Paulo, filho de S�crates, sobrinho de Ra�] � um exemplo. Tive uma experi�ncia curta e o clube n�o estava preparado. N�o � simples misturar o �dolo com algu�m que est� ali no dia a dia, tomando poder, tendo for�as contr�rias ou n�o �s do clube. N�o sei se eu o clube saem ganhando. Acabei levando minha vida para outros projetos, realiza��es e coisas que ainda quero fazer. N�o me imagino hoje no clube. Sou novo para fazer muitas coisas mas tarde para recome�ar na carreira. Treinador j� passou pela minha cabe�a em diferentes momentos, gosto de organiza��o t�tica, sempre fui capit�o nas equipes, mas o estilo de vida, estresse, sempre mudar de lugar, isso me inibiu. Fico mais no palpite, e nunca me formei ou fiz curso. Rog�rio acho que vai ser de treinador a presidente, tem todas as condi��es, pela personalidade, � muito inteligente."

COPA DE 1994

"Lamento n�o estar no meu melhor momento na �poca da Copa. Passei tr�s anos da minha carreira no auge, 1991, 92 e 93. Em 94 era um momento dif�cil da adapta��o na Fran�a, estava cansado fisicamente porque tinha passado muito tempo sem f�rias. Com mais idade, hoje em dia, vejo que um jogador do meu n�vel normalmente teria jogado duas ou tr�s Copas. Em 1990 me machuquei e o Lazaroni preferiu manter a base da Copa Am�rica. Em 98, eu n�o era o preferido do Zagallo. Em 94, de sete jogos participei de cinco. Foi complicado, mas ganhar a Copa depois de 24 anos � muito positivo. Mas individualmente... Lamento mais n�o ter jogado outra Copa. Merecia mais em 98, estava bem na Fran�a, a Copa era l�, tinha tudo a ver."

DUNGA NA SELE��O

"Dunga fez um grande trabalho em 2010 dentro de campo, grandes resultados. E amadureceu. N�o consigo enxergar um treinador com mais condi��es do que ele no Brasil. Agora � um desafio. O futebol brasileiro tem desafios imediatos na sele��o brasileira. E outro � todo sistema que acaba prejudicando quem est� ali, voc� tem menos jogadores, mais jogadores jovens saindo, o que cria dificuldades para quem est� trabalhando. Tudo isso limita quem est� ali."

NEYMAR

"O Neymar tem uma qualidade t�cnica absurda, al�m do carisma. Uma express�o que os franceses usam muito e que quando vejo Neymar jogar me vem a cabe�a � "faz sonhar". Ao p� da letra � "Tu m'as fait r�ver", algo que te fez sonhar. Torcedores falavam para mim quando eu jogava: "voc� me fez sonhar". Neymar � um cara m�gico, a est�tica, a irrever�ncia, j� � um craque, evoluiu bastante e tem chance de ser o melhor do mundo. Mas tem Messi e Cristiano Ronaldo, dois caras que colocaram a barra bem alta. Messi � extraterrestre."

O QUE FAZ VOC� SONHAR AOS 50 ANOS

"S�o as coisas que me d�o esperan�a, passa por m�sica, artes, rela��o com fam�lia. Estou indo assistir a final da Champions League, em Berlim, essas coisas me emocionam e me motivam para realizar. Meu irm�o S�stenes dizia que importante � reunir sonho com realiza��o. No meu caso, esportista, empreendedor social e ativista pol�tico, a esperan�a que tenho � transformar sonhos com realiza��es. E com 50 anos a gente aprende que tudo tem seu tempo."

*

RAIO X

Nome: Ra� Souza Vieira de Oliveira
Nascimento: 15.mai.1965 (50 anos), em Ribeir�o Preto (SP)

Filhas: Emanuella, 31,Ra�ssa, 26, Noah, 10
Neta: Naira, 15, filha de Emanuella
Namorada: Viviane Lescher

Clubes:
1980 a 86 - Botafogo, Ribeir�o Preto
1986/87 - Ponte Preta
1987 a 1992 - S�o Paulo
1993 a 98 - Paris Saint Germain (Fran�a)
1998 a 2000 - S�o Paulo

T�tulos
Pelo S�o Paulo:
Mundial (1992)
Libertadores (1992 e 1993)
Brasileiro (1991)
Paulista (1989, 91, 92, 98 e 2000)

Pelo PSG:
Franc�s (1994)
Copa da Fran�a (1995 e 1998)
Copa da Liga (1995)
Supecopa da Fran�a (1995 e 1998)
Recopa Europeia (1996)

Pela sele��o brasileira: Convocado pela primeira vez em 1987, fez 51 jogos, 16 gols (um na Copa) e foi tetracampe�o do mundo em 1994, nos EUA

Atualmente: presidente do conselho da Funda��o Gol de Letra, diretor da ONG Atletas pelo Brasil e s�cio-diretor da Ra�+Velasco


Endere�o da p�gina:

Links no texto: