Folha de S. Paulo


Contra monogamia, jovens buscam relacionamentos n�o convencionais

Allan Sieber/Folhapress

Jo�o amava Teresa, que amava Jo�o e Ana, que tamb�m amava Jo�o e Paulo, que amava Denise, Ana e Francisco. Trios, quartetos ou grupos ainda maiores que se relacionam entre si, parceiros que concordam e at� apoiam que seu amor se envolva com outras pessoas, casais que abrem a rela��o para terceiros –todo amor vale a pena, desde que os amantes estejam de acordo.

Jovens de grandes centros que abominam o modelo de casamento dos pais –em que a infidelidade muitas vezes � tolerada em nome da fam�lia– est�o cada vez mais atra�dos pelas promessas do poliamor, dos relacionamentos est�veis a tr�s, do suingue e das rela��es livres em geral.

A Cama Na Varanda
Regina Navarro Lins
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A psicanalista Regina Navarro Lins, que ajudou a disseminar o termo poliamor no Brasil com a reedi��o de seu livro "A cama na varanda" (ed. BestSeller), dez anos atr�s, chama a aten��o para essa mudan�a de comportamento no rec�m-lan�ado "Novas formas de amar" (ed. Planeta, 272 p�gs., R$ 44,90), baseado em sua experi�ncia de consult�rio, no Rio, e em relatos de leitores.

"Atendo h� 45 anos, e, de cinco anos para c�, passei a receber muitos casais com novos conflitos depois que uma das partes prop�e a abertura da rela��o ou uma nova pr�tica sexual", conta.

Para ela, o amor rom�ntico e sua exig�ncia de exclusividade n�o � mais compat�vel com os anseios de liberdade e autonomia dos jovens. "Cada um quer desenvolver seu potencial e descobrir suas singularidades, o que bate de frente com o amor rom�ntico."

Em sua cl�nica, diz, aparecem arranjos de todo tipo. "Atendi um casal em que o homem adora ir ao suingue e a mulher entrou em crise. Outro quer ver a namorada dele transando com algu�m. Teve um cara que prop�s abrir a rela��o, mas enlouqueceu de ci�me ao saber que ela estava tendo um caso", afirma.

Para a psiquiatra do Hospital das Cl�nicas da USP Carmita Abdo, assumir um compromisso de fidelidade ficou mais dif�cil porque hoje as pessoas passam muito mais tempo da vida em relacionamentos livres, devido � inicia��o sexual precoce e ao adiamento das rela��es est�veis. "H� tentativas de n�o abrir m�o da honestidade e de deixar claro o desejo de se relacionar com mais de uma pessoa. Alguns tentam o relacionamento aberto, mas, para dar certo, todos t�m que ser independentes economicamente", diz.

N�o que relacionamentos livres e abertos j� n�o existissem. A diferen�a � que agora n�o se trata apenas de sexo –e as mulheres tamb�m t�m vez. Criado na d�cada de 1990 nos EUA sob forte influ�ncia do movimento feminista, o poliamor admite a possibilidade de se amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo.

"O poliamor � uma intensifica��o dos ide�rios de igualdade dos anos 60 e 70. Se os homens j� tinham a possibilidade de ter mais de uma parceira, ela tem que ser estendida �s mulheres", afirma o antrop�logo Antonio Cerdeira Pil�o, que estuda o tema h� sete anos.

Segundo ele, pessoas que se sentem atra�das pela proposta passam, em geral, por um processo que ele nomeou de "carreira poliamorista". De sa�da, jogam no modelo monog�mico a culpa pelos impasses amorosos e partem em busca de alternativas.

"Come�am com um relacionamento com algum grau de liberdade, com suingue ou abertura sexual com regras acordadas. Depois, n�o querem mais que o parceiro determine com quem eles podem ficar e desejam se envolver emocionalmente com outras pessoas. E a� resolvem tentar o poliamor."

O escritor Alex Castro, que est� desenvolvendo o projeto As Pris�es na internet desde 2002 e deve lan�ar pela Rocco o "Livro das Pris�es", considera a monogamia uma pris�o porque ela � vista como a �nica op��o conceb�vel de organizar relacionamentos.

"Ela consigna todas as alternativas � imoralidade, � falta de sentimentos, ao fracasso", diz. "A pris�o (cognitiva) n�o � viver a monogamia, mas ignorar a realidade que existe al�m dela."

E o ci�me, como fica? "Muitas pessoas decidem racionalmente viver relacionamentos n�o monog�micos, mas seu lado emocional, controlado por esse software monog�mico, n�o consegue dar conta."

N�o � o caso da artes� e vendedora ga�cha Rosana Sieber, 32. Ela, que aos 15 anos de idade decidiu que n�o queria ser "propriet�ria nem propriedade" de ningu�m, diz que aprendeu a lidar com o sentimento ao longo do tempo.

"Todos t�m ci�mes, mas alguns n�o se deixam dominar por ele. Da minha parte, nunca deixei que ele prejudicasse os relacionamentos nem azedasse o meu dia", afirma.

Rosana � autora do livro "Rela��es Livres - Uma Introdu��o" e membro do grupo Amar e Permanecer Livre, que se re�ne em Porto Alegre para debater a n�o monogamia e apresentar o estilo de vida aos interessados, a exemplo de diversos outros grupos organizados pelo Brasil e, claro, nas redes sociais. No Facebook, h� p�ginas com 25 mil inscritos.

O debate crescente sobre o tema, segundo Antonio Pil�o, aumenta a possibilidade de pessoas que n�o "se harmonizam" com a monogamia enxergarem uma alternativa para lidar com os dilemas amorosos.

Por enquanto, os jovens s�o os maiores entusiastas, como mostrou uma pesquisa coordenada pelo antrop�logo, no Rio, em 2015. Das pessoas entrevistadas, todas com n�vel superior de estudo, a resist�ncia ao poliamor foi maior entre as mulheres com mais de 50 anos. J� os homens mais novos demonstraram maior interesse em pr�ticas n�o monog�micas, diz Pil�o.

Segundo ele, a liberdade individual � um valor importante para os adeptos das rela��es n�o monog�micas no Brasil. "Aqui existe maior avers�o a rela��es cheias de regras, pautadas no controle dos parceiros e em defini��es pr�-estabelecidas do que pode ou n�o ser feito. Nos Estados Unidos", compara, "fala-se muito mais na necessidade de um acordo entre os envolvidos".

Mas ser� que as rela��es abertas e concomitantes chegar�o a predominar? Regina Navarro Lins aposta que sim. "Nos anos 50, se dissessem que as mo�as n�o precisariam mais ser virgens para se casar tamb�m seria um esc�ndalo."

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Gloss�rio

Entenda quais s�o as formas de amar

Monogamia
A rela��o envolve �nica e exclusivamente duas pessoas; qualquer rela��o com terceiros � considerada infidelidade

N�o monogamia
Qualquer v�nculo que n�o seja necessariamente exclusivo no �mbito afetivo ou sexual

Poliamor
Possibilidade de estabelecer mais de um v�nculo afetivo e sexual, de forma concomitante, consensual e igualit�ria. Podem ser rela��es a dois, a tr�s ("trisais") ou envolver grupos maiores

Casamento ou relacionamento aberto
Permite sexo fora do casamento, desde que n�o haja envolvimento afetivo

Suingue
Pr�tica em que o casal inclui, juntos, um ou mais casais na rela��o sexual


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