Folha de S. Paulo


Azar e gen�tica levam doen�a rara que causa c�ncer de pele a povoado isolado

O destino conduziu ao pequeno povoado de Araras, no munic�pio de Faina, interior de Goi�s, duas fam�lias com um defeito gen�tico que causa c�ncer de pele. Esse encontro, intensificado com uni�es consangu�neas, gerou uma das maiores concentra��es de xeroderma pigmentoso (XP) no mundo.

Para desenvolver a doen�a, � necess�rio que a pessoa tenha recebido um gene defeituoso da m�e e outro do pai. O gene � respons�vel, em �ltima an�lise pela produ��o de uma enzima que repara muta��es no DNA causadas pela exposi��o a raios UV.

O ac�mulo de muta��es explica a alta incid�ncia de c�ncer de pele nas �reas do corpo mais expostas ao sol, como o rosto. Tamb�m podem surgir problemas oftalmol�gicos e neurol�gicos. "N�o d� para ter uma vida debaixo do sol", diz Carlos Menck, cientista da USP que estuda o XP. Em Araras, "o sol � inclemente", diz.

A Folha, em um raro dia chuvoso, acompanhou um mutir�o de cirurgias capitaneado pela Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), com apoio da farmac�utica La Roche-Posay.

Gleice Machado, 40, � portadora de um dos genes defeituosos passados a Alisson, que desenvolveu a doen�a. O outro veio de seu primo "de terceiro ou quarto grau" que tamb�m � seu marido. O garoto comemora 15 anos neste s�bado (16). Para cada ano de vida, h� mais de uma cirurgia para retirada de tumores.

Outro exemplo de consanguinidade � Dercimar de Andrade, 49, que, "por parentesco muito forte", desenvolveu o xeroderma. O comerciante, � espera de uma pl�stica no nariz, conta que a doen�a era mais agressiva em seu irm�o mais novo, que morreu em 2008. Existem diferentes tipos de muta��es, o que influencia diretamente na intensidade da mol�stia.

"O seu Jo�o [Gon�alves da Silva, 84] tem o problema, mas, em geral, est� bem. Existe alguma coisa nele, que n�o conseguimos descobrir, que o ajuda, geneticamente falando", afirma o cientista da USP.

Foi a fam�lia de Jo�o, vinda de Hidrol�ndia (a cerca de 40 km de Goi�nia), que trouxe um segundo gene mutante para o povoado. "Essas muta��es s�o extremamente raras. A gente esperava que tivesse uma, que as pessoas estivessem casando entre primos e fosse a mesma muta��o para todos. Descobrimos que s�o duas [em Araras], e que elas se encontraram l�. Deram o azar dos azares", diz Menck.

'PELE RUIM'

Para ver o percurso da doen�a e das duas muta��es at� o povoado de Araras, Menck e colegas apostaram na hist�ria oral das fam�lias e em an�lises gen�ticas.

Segundo o pesquisador, uma das fam�lias com a muta��o est� na comunidade desde cerca de 1700.

Reprodu��o
�rvore geneal�gica feita por Gleice Machado (e presente em seu livro) para estudar o xeroderma
�rvore geneal�gica feita por Gleice Machado (e presente em seu livro) para estudar o xeroderma

A outra muta��o foi descoberta com a ajuda de dona Clementina, que tinha 103 anos quando revelou que seu av� tinha a "pele ruim". Ele deve ter nascido em 1870, �poca em que a doen�a foi descrita.

Clementina � av� de Vanda Jardim, 43, que, assim como seu av�, tem o XP. "�ramos muitos irm�os, t�nhamos que ir para a lavoura, colher no sol quente", diz ela, que est� em tratamento h� 30 anos e que j� fez in�meras cirurgias. Ela perdeu uma parte de um pulm�o e est� se tratando de uma met�stase no outro.

DA NOITE

Fundadora da Associa��o Brasileira do Xeroderma Pigmentoso (Abraxp) e quem buscou a aten��o de autoridades para Araras, Gleice diz que seu filho � muito fechado para falar sobre o doen�a e que, h� algum tempo, ainda se revoltava e teimava em sair ao sol.

Apaixonado por terra e pedras, o garoto sonhava em fazer geologia, mas j� come�a a pensar em alternativas j� que n�o poderia lidar com trabalhos de campo diurnos.

Ivone de Souza, 43, j� sofreu com pessoas que evitam ficar perto dela e se habituou aos olhares, que classifica como "curiosos". "As pessoas ficam me olhando e minha filha [que n�o tem o XP] fica brava. Eu falo para ela que � porque eu estou desfilando, que � minha plateia –eu sou exibida mesmo."

Ao falar sobre o dia a dia com a doen�a, a aposentada comenta que est� em tratamento contra depress�o e diz sentir falta dos passeios durante o dia. Hoje, precisa ficar dentro de casa com a janela fechada e, dependendo da temperatura, deitada quieta. "� uma pele muito quente, a gente sente muito calor."

Ela compensa a limita��o fazendo cursos on-line e saindo de casa depois das 18h. "Paciente com xeroderma � uma pessoa da noite."

RARIDADE

Em 25 anos de profiss�o, Fl�vio Barbosa Luz, da SBD, afirma que nunca havia tratado um paciente com xeroderma. "� muito raro."

A localiza��o da comunidade pode ter influ�ncia no n�mero de casos. Por se tratar de uma variante branda da doen�a, se essas mesmas pessoas estivessem em um local com radia��o solar menos intensa, talvez os tumores n�o se desenvolvessem.

Sulamita Chaibub, a primeira dermatologia a ter contato com a comunidade, classifica a concentra��o de xeroderma em Araras como "coisa do destino".

Gleice e os demais moradores de Araras aguardam a finaliza��o de uma unidade b�sica de sa�de na comunidade, que est� com as obras paralisadas e sob investiga��o por suspeitas de superfaturamento.

Muta��o Cancer�gena

Os jornalistas PHILLIPPE WATANABE e ZANONE FRAISSAT viajaram a convite da SBD


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