Folha de S. Paulo


Maior taxa��o de bebidas a�ucaradas pode ajudar na luta contra obesidade

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OMS afirma que aumentos de 20% j� reduzem consumo das bebidas
OMS afirma que aumentos de 20% j� reduzem consumo das bebidas

Um copo de refrigerante ou de suco artificial � mais prejudicial � sa�de do que um cupcake, ao ponto de merecer ser alvo de mais impostos na luta contra a obesidade?

Para a popula��o de algumas cidades americanas, a resposta � sim. Em referendos na �ltima elei��o, eles aprovaram a cria��o de um imposto sobre bebidas a�ucaradas, como refrigerantes e sucos artificiais. Isso porque, diferentemente de bolinhos de chocolate vistosos, essas bebidas n�o s�o automaticamente vistas como uma amea�a � sa�de.

Ou seja, quando uma pessoa come bolo ou bombons, ela costuma ter consci�ncia de que est� ingerindo algo que pode ser prejudicial, o que geralmente n�o ocorre com uma caixinha de suco de p�ssego ou uma bebida � base de caf� com caramelo ou outras misturas a�ucaradas.

Em S�o Francisco, Oakland, Albany (Calif�rnia) e Boulder (Colorado), haver� um aumento de at� 20% no pre�o de diversos tipos dessas bebidas doces –apontadas como um dos principais vil�es para os altos �ndices de obesidade, especialmente em crian�as e jovens.

A cria��o do imposto est� alinhada com a Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS), que tem promovido uma verdadeira cruzada contra essas bebidas e recomendou, no m�s passado, que os pa�ses criem impostos sobre elas.

Segundo a OMS, um aumento de 20% no pre�o j� resulta em redu��es no consumo desses produtos e, consequentemente, de problemas como sobrepeso, obesidade, diabetes tipo 2 e c�ries.

No entanto, para a Associa��o Brasileira das Ind�strias de Refrigerantes e de Bebidas N�o-alco�licas (Abir), que re�ne as principais marcas de refrigerante e sucos artificiais no pa�s, esse tipo de imposto n�o traz resultados reais e fere a liberdade individual do consumidor.

BRASIL

Essa taxa��o j� foi aprovada ou est� em vigor em pa�ses como Reino Unido, M�xico, Dinamarca e Hungria. No Brasil, por�m, a discuss�o sobre essa taxa em refrigerantes e outras bebidas a�ucaradas inexiste no governo e enfrenta a resist�ncia das associa��es do setor. A OMS afirmou � reportagem que vem trabalhando com o governo brasileiro.

"Temos compartilhado com o Brasil algumas experi�ncias bem-sucedidas de outros pa�ses, para que juntos possamos ver quais se adequam melhor � realidade local", disse a coordenadora da Unidade de Fam�lia, G�nero e Curso de Vida da OPAS/OMS no pa�s, Haydee Padilla.

Questionado pela BBC Brasil, o Minist�rio da Sa�de disse entender que "o consumo excessivo de a��car � fator de risco ao desenvolvimento da obesidade", mas n�o detalhou nenhuma discuss�o sobre taxas em bebidas, como recomenda a OMS, afirmando apenas que "a cria��o de novos impostos � de responsabilidade da �rea econ�mica do governo, mais especificamente do Minist�rio da Fazenda".

Procurados, Minist�rio da Fazenda e Receita Federal informaram que a iniciativa de se criar impostos n�o parte deles.

EPIDEMIA

Ap�s a divulga��o da pesquisa Vigil�ncia de Fatores de Risco e Prote��o para Doen�as Cr�nicas por Inqu�rito Telef�nico (Vigitel), do governo federal, o peso dos brasileiros passou a ser uma das principais preocupa��es da �rea de sa�de.

Isso porque o problema est� diretamente ligado ao surgimento de doen�as que est�o entre as principais causas de morte no pa�s, como diabetes, hipertens�o, doen�as cardiovasculares, depress�o e alguns tipos de c�ncer, como o de intestino grosso, mama, endom�trio (camada interna �tero), rim e es�fago.

Segundo o levantamento, 52,5% da popula��o adulta no pa�s est� acima do peso e, dessa parcela, 17,9% est�o obesos. No geral, o n�mero de brasileiros acima do peso subiu 10% em oito anos.

E ao se olhar os �ndices entre crian�as e adolescentes, o cen�rio segue desolador. Tanto que, nos Estados Unidos, essa gera��o morrer� mais cedo que a de seus pais –algo que nunca aconteceu antes. E o principal motivo s�o os problemas decorrentes da obesidade.

No Brasil, segundo o IBGE, uma em cada tr�s crian�as com idade entre 5 e 9 anos est� acima do peso. Comparado com pesquisas anteriores, o excesso de peso entre as crian�as mais do que triplicou desde 1974: passou de 9,7% para 33,5% atualmente.

Se continuarmos nessa marcha, o Brasil pode se tornar o pa�s mais obeso do mundo em 15 anos. Esse aumento do peso, assim como observado em todo o mundo, est� relacionado principalmente aos h�bitos decorrentes da vida moderna: m� alimenta��o e sedentarismo.

CULPADOS

Para a nutricionista do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Ana Paula Bortoletto, n�o � poss�vel apontar para um �nico alimento respons�vel pela epidemia de obesidade. Mas ela afirma que j� est� comprovado cientificamente que as bebidas a�ucaradas s�o, sim, vil�s da sa�de.

"Primeiro porque elas t�m calorias vazias (sem nenhum outro nutriente importante, como vitaminas, minerais e fibras). Muitas tamb�m t�m um alt�ssimo �ndice de a��car", diz Bortoletto.

Uma lata de refrigerante de cola tem o equivalente a sete colheres de ch� de a��car e, segundo o Idec, um copo de n�ctar artificial de uva tem cinco. Achocolatados, bebidas l�cteas (daquelas que n�o precisam de refrigera��o) e suco em p� tamb�m est�o entre os principais vil�es, segundo a nutricionista.

Outro produto pol�mico s�o as bebidas � base de cafe�na. Na Inglaterra, a ONG Action on Sugar fez um levantamento que revelou que algumas bebidas vendidas em redes de caf�s t�m quantidades de a��car iguais ou superiores a uma lata de refrigerante.

Um dos campe�es no a��car entre as mais de 130 bebidas analisadas � o mocha de chocolate branco com chantilly do Starbucks. O copo maior cont�m 18 colheres de ch� de a��car, segundo a organiza��o brit�nica.

Outra cr�tica dirigida �s cafeterias � o fato de muitas n�o divulgarem a lista de ingredientes das bebidas ou a quantidade espec�fica de a��car –apenas os carboidratos totais. Procurado pela BBC Brasil, o Starbucks no pa�s n�o quis se pronunciar.

Na Inglaterra e em outros pa�ses onde o imposto est� entrando em vigor, organiza��es de promo��o de sa�de criticam o fato de essas bebidas com caf� n�o entrarem na lista de produtos taxados.

PERPLEXIDADE

O presidente da Associa��o Brasileira das Ind�strias de Refrigerantes e de Bebidas N�o-alco�licas (Abir), Alexandre Jobim, disse ter reagido "com perplexidade" � recomenda��o da ag�ncia da ONU. "Com todo respeito � OMS, mas � preciso mudar a educa��o alimentar e n�o taxar produtos", afirmou Jobim � BBC Brasil.

"Essa medida interfere na liberdade de escolha do indiv�duo e penaliza a escolha do consumidor, pesando contra os mais pobres. Alguns ingerem bebidas a�ucaradas como parte de uma dieta necess�ria para eles, � de onde tiram as calorias que precisam consumir."

Para a nutricionista do Idec, Ana Paula Bortoletto, a afirma��o n�o se justifica, j� que "no Brasil ainda � mais barato comprar alimentos saud�veis e in natura, como hortali�as e frutas, do que ultraprocessados, como bebidas l�cteas".

O presidente da Abir reiterou afirma��es no site da associa��o que dizem que "o �nico consenso existente no meio acad�mico-cient�fico � que o crescimento das doen�as associadas � obesidade n�o � decorrente do consumo respons�vel de produtos considerados de baixo teor nutricional. [...] Em verdade, o que � conden�vel � o mau consumo de qualquer produto".

Jobim ressalta ainda que "o importante � n�o jogar a culpa integralmente no a��car, mas, se isso acontecer, a culpa n�o � do refrigerante, � do conjunto de h�bitos" e afirma que apenas 4% da dieta do brasileiro � composta pelo produto.

No entanto, uma pesquisa de 2015 do Minist�rio da Sa�de apontou que, apesar da queda no consumo dos refrigerantes nos �ltimos anos, 21% dos entrevistados disseram beber o produto cinco vezes por semana.

Uma outra pesquisa do governo, o Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes, revelou que 56% dos jovens consomem bebidas a�ucaradas, sendo 45%, refrigerante. A bebida aparece entre os seis itens mais presentes na dieta dessa faixa et�ria, � frente de hortali�as, por exemplo. Frutas nem aparecem no ranking de 20 alimentos e bebidas.

"At� o momento, nenhum pa�s foi capaz de reverter os �ndices de obesidade. Se n�o mexermos no ambiente como um todo, inclusive no pre�o, n�o vamos reverter esse n�meros", afirma Bortoletto, do Idec.


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