Folha de S. Paulo


A��o de Doria para moradores de rua tem de demiss�o a autoestima em alta

Ze Carlos Barretta/Folhapress
Moradores do albergue Boraceia, em S�o Paulo, durante o treinamento da Rede Cidad�
Moradores do albergue Boraceia, em S�o Paulo, durante o treinamento da Rede Cidad�

Na tarde em que lan�ou uma parceria entre prefeitura e o McDonald's para dar vagas de emprego a moradores de rua, o prefeito Jo�o Doria (PSDB) registrou nas redes sociais que havia conhecido gente como o Marcos.

O rapaz come�aria a trabalhar na lanchonete gra�as ao programa Trabalho Novo, bandeira da gest�o tucana para os sem-teto de S�o Paulo.

Mas Marcos, que havia posado para fotos com um Doria vestido de terno escuro e bon� com o s�mbolo do McDonald's, n�o vai ao emprego h� duas semanas. Trabalhou na lanchonete por oito dias, teve um surto e foi internado.

O Trabalho Novo come�ou no fim de janeiro com a meta de empregar at� o final deste ano 20 mil pessoas, ou seja, todos os sem-teto de SP. Para tanto, Doria pede a empres�rios que abram essas vagas.

At� aqui, de um total de 230 contratados por meio do programa, 14 foram demitidos.

H� tamb�m reclama��es de discrimina��o, uso de drogas e relatos de quem, mesmo contratado por uma empresa, segue dormindo na cal�ada e fora da regra do programa de morar em um albergue.

Por outro lado, tamb�m h� aqueles que aproveitaram a oportunidade de trabalho para guardar dinheiro e alugar a casa pr�pria e os que j� fazem planos de usar o primeiro sal�rio para ajudar a sustentar a fam�lia pela primeira vez.

"N�o tenho despertador. Durmo na rua. Como ia acordar para entrar �s 6h? Acordava �s 3h para n�o atrasar, aflito", diz Charles Queiroz, 29, que trabalhou na limpeza do Hospital das Cl�nicas enquanto dormia no Anhangaba�, no centro. Ele diz ter sido v�tima de discrimina��o.

"[No hospital] n�o sabiam que �ramos da rua. Mas funcion�rios questionaram porque receb�amos marmita e eles n�o. Quando souberam, ficou a maior fofoca", diz.

Sem receber vale-transporte nos primeiros dias, Cristiane Santos, 35, diz que andava 4 km do terminal Bandeira, onde dorme na rua, at� o hospital e que tamb�m n�o entende por que foi demitida.

Com o primeiro sal�rio, um homem de 40 anos que n�o quis ser identificado consumiu crack. "N�o resisti. Estou h� nove dias sem trabalhar. Fico com dor no corpo, deprimido. N�o consegui voltar."

A prefeitura diz que os casos de Queiroz e Santos foram exce��es, j� que o programa n�o emprega sem-teto que ainda dorme na cal�ada. Eles est�o entre os 14 demitidos da Centro, empresa que presta servi�os de limpeza.

No caso das demiss�es, a prefeitura admite um erro. "As empresas t�m uma cultura consolidada h� muitos anos. Demora at� adaptar", afirma o secret�rio-adjunto de Assist�ncia e Desenvolvimento Social, Filipe Sabar�.

A maioria foi demitida por faltas, segundo a prefeitura. Mas um funcion�rio foi dispensado porque esqueceu o crach� e pegou o de uma colega emprestado. Esse caso motivou a cria��o de um "RH compartilhado", diz Fernando Alves, fundador da Rede Cidad�, institui��o de Belo Horizonte que treina pessoas para o mercado de trabalho.

Essa ONG faz o meio de campo entre os moradores de rua e as empresas. Agora, diz ele, demiss�es s� acontecer�o ap�s decis�o conjunta.

'ACREDITE'

Antes do in�cio do trabalho, os moradores de rua passam por um curso "comportamental" de uma semana, ministrado pela Rede Cidad�.

Na manh� de quarta (5), um grupo de 30 pessoas participava do treinamento em um albergue, na zona norte. Descal�os e deitados em tapetes de ioga, escutavam uma voz proferindo palavras de incentivo, como "acredite", "sem pressa", "leve". O fundador da ONG diz que � uma "t�cnica de renascimento", "metodologia que acelera a tomada de consci�ncia sobre si" e que isso ajuda a gerar estabilidade no trabalho.

"Foi bom porque falamos sobre nossos traumas", diz Ricardo Sabioni, 29, que trabalha como pedreiro, vive em um albergue, mas quer um novo emprego com maior remunera��o para sustentar a filha.

Como ele, outros moradores de rua est�o empolgados com o programa. Por enquanto, a maior parte dos cargos � em trabalhos de faxina. A gest�o Doria diz j� ter assegurado um total de 9.090 vagas.

META AMBICIOSA

Para conseguir atingir a meta de empregar 20 mil pessoas at� dezembro, Doria precisa dar trabalho a 2.196 pessoas por m�s. Isso se todas as que moram na rua quiserem e estiverem aptas ao trabalho.

A transi��o para o mundo formal � delicada, avaliam especialistas. "� necess�ria uma reorganiza��o em rela��o ao autocuidado e adapta��o aos hor�rios. � um trabalho cont�nuo. N�o pode ser em uma semana e por atacado", diz a psiquiatra Carmen Santana, professora do Departamento de Sa�de da Unifesp e integrante do comit� PopRua, da prefeitura. "Uma estrat�gia independente de setores como a sa�de � complicada."

Segundo Alves, da Rede Cidad�, a ONG far� acompanhamentos: das empresas, periodicamente, e dos moradores de rua, sob demanda deles. E est� fazendo reuni�es antes de receberem o primeiro sal�rio, com orienta��es para que n�o gastem tudo de uma vez ou com drogas.

Ele diz n�o haver "m�trica" para saber se os moradores de rua est�o prontos para o trabalho. "Nada promove mais o desenvolvimento humano que o trabalho, e o trabalho � a pr�pria m�trica para dizer se est�o bem."

Ze Carlos Barretta/Folhapress
Programa tem meta de empregar 20 mil pessoas at� o fim de 2017
Programa tem meta de empregar 20 mil pessoas at� o fim de 2017

O censo de 2015 mostra que 30% das pessoas que dormem nas cal�adas dizem ter depress�o; 27% dores cr�nicas; 84% fazem uso de �lcool e/ou drogas; 70% dos que t�m at� 30 anos passaram por institui��es como pris�es, cl�nica de recupera��o de drogas, Funda��o Casa, orfanato. O tempo m�dio na rua � de seis anos.

"Moradores de rua n�o s�o iguais", diz o psic�logo greco-canadense Sam Tsemberis, criador do conceito de "Housing First" (primeiro, casa), pol�tica disseminada nos EUA que visa dar teto aos que n�o t�m. Ele defende, por�m, dar aos moradores de rua o que eles disserem ser melhor para deixar as cal�adas.

A pesquisa de 2015 revela que 30% elegem ter moradia permanente como o fator que mais os ajudaria a sair da rua. Emprego foi a escolha de 27%; 14% indicaram a necessidade de superar a depend�ncia de �lcool e drogas.

Para Tsemberis, "assim como h� diferentes tipos de moradores de rua, � necess�rio ter diferentes programas para atender as necessidades espec�ficas de cada um".

� frente do projeto da prefeitura, Sabar� admite que ter como meta zerar os moradores de rua em S�o Paulo por meio do trabalho "� ambicioso". "Mas vamos conseguir. N�o vou deixar de dar oportunidades por receio. Hoje essas pessoas est�o com nada. Do nada, com o Trabalho Novo, v�o para alguma coisa."

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TRABALHO NOVO

Programa quer empregar todos os sem-teto at� o fim do ano

14 moradores de rua demitidos desde janeiro
230 moradores de rua contratados desde janeiro
20.000 meta de n�mero de empregados at� dez.2017
9.090 vagas de emprego anunciadas pela prefeitura

n�mero de sem-teto - Segundo censo de 2015, em milhares

PERFIL DOS MORADORES DE RUA - 41 anos � a idade m�dia, e 6 anos, o tempo?m�dio nas ruas


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