Folha de S. Paulo


Sinto pena de quem trabalha na Faria Lima, diz urbanista dinamarqu�s

"Sinto pena de quem trabalha aqui", diz o famoso urbanista dinamarqu�s Jan Gehl, 80, ao ser apresentado � Nova Faria Lima, regi�o que abriga um dos cora��es financeiros da cidade, na zona oeste de S�o Paulo. Olha consternado para os edif�cios envidra�ados "inteligentes".

"A cidade se faz na altura da cal�ada, onde as pessoas est�o. Cad� um caf�, mesinhas na cal�ada, bancos para se sentar, para namorar? Cad� as lojas, as vitrines? N�o h� um �nico est�mulo visual", prossegue, inconformado.

Marcus Leoni/Folhapress
SAO PAULO, SP, BRASIL, 23.11.16 11H Um dos mais famosos urbanistas do mundo, Jan Gehl, comenta problemas e erros em bairros
Jan Gehl, 80, na ciclovia da av. Brig. Faria Lima, na zona oeste de SP

Desde os anos 1960, critica o modernismo que originou Bras�lia e os bairros exclusivamente comerciais ou residenciais. Virou pop quando, na �ltima d�cada, ciclovias e cal�ad�es passaram a se espalhar pelo mundo.

Gehl repara que todas as enormes torres da avenida Brigadeiro Faria Lima s�o de escrit�rios. "N�o h� um �nico apartamento nessas torres todas? Imagino o que acontece quando esta multid�o sai do trabalho e todos pegam o carro porque moram longe. Que desespero."

Autor do projeto que tirou v�rias pistas para autom�veis na Times Square e na Broadway, em Nova York, � criticado por colegas por se basear em cidades europeias de pequena escala.

Mas, depois de 40 anos lecionando, criou uma consultoria que ajuda de prefeitos a grandes incorporadores. Tem trabalhos em Moscou, Toronto, Melbourne e at� uma reforma, n�o executada, para o vale do Anhangaba�.

A Folha convidou o urbanista para conhecer bairros que concentram boa parte do PIB paulistano, inclusive aquele onde mora o prefeito Jo�o Doria (PSDB), o Jardim Europa, na zona oeste.

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NA FARIA LIMA
Os funcion�rios s�o mais produtivos se est�o felizes. D� para ser feliz aqui? Onde esses empres�rios est�o com a cabe�a? O que h� para se ver aqui? Para ficar, usufruir?

Olha ali, os fumantes s�o os privilegiados. O fum�dromo fica no t�rreo, � uma chance de ficar ao ar livre, de ver gente diferente passar, de espontaneidade. Coitado de quem n�o fuma.

'ANTIGO' ITAIM
Estou vendo as pessoas sa�rem das torres de escrit�rios e irem caminhando para almo�ar no lado de l� [na parte n�o "modernizada" do Itaim, pr�ximo � av. Hor�cio Lafer e a av. Faria Lima ]. Tem predinhos, casas, restaurantes no t�rreo. � o velho urbanismo dando uma li��o na modernidade.

Quando pedestre tem que dar uma volta enorme para sair do pr�prio pr�dio em que trabalha porque a sa�da dos carros � mais central, h� algo muito errado.

NA VILA OL�MPIA
Quanta mesmice. Voc� passa bairros e mais bairros e tudo parece igual. N�o h� um marco, algo que diferencie ou que d� identidade. Um bom espa�o p�blico. Esses jardinzinhos na entrada dos pr�dios n�o servem para nada, nem para sentar.

As ciclovias s�o estreitas! Voc�s reduziram canteiros para n�o reduzir faixas para carros? Parece pecado mortal aqui reduzir espa�o para
autom�veis, mais importantes que o verde.

NA BERRINI
Aqui voc� v� o capitalismo forte, n�o faltou dinheiro para construir essas torres, mas h� sinais de uma lideran�a muito fraca e um planejamento muito pobre. A prefeitura parece se limitar a dar alvar�s e cada um constr�i o que quiser no lote. N�o h� a menor coer�ncia.

NO PARQUE CIDADE JARDIM
Como � a vida de crian�as e idosos nesses pr�dios? Imagina um cachorro que more a�? Pobrezinho. O morador pega o elevador e ao chegar no apartamento diz "ufa!, cheguei". � uma fuga, um esconderijo. S� h� dois tipos de pessoas que se beneficiam dos arranha-c�us: quem mora nos �ltimos tr�s andares e quem vive a 5 km de dist�ncia e desfruta o "skyline".

Paris e Barcelona s�o mais densas que Nova York e quase n�o t�m arranha-c�us. T�m edif�cios m�dios, de oito andares, colados um ao ao outro, sem recuo na entrada. E se permitem ter p�tios ou jardins no cora��o da quadra.

� um mito que densidade se faz com pr�dio alto. Aqui voc�s t�m recuos na frente, atr�s e dos lados, criando espa�os in�teis.

NO JARDIM EUROPA
Essas casas parecem pris�es. Os muros s�o t�o altos e ainda colocam cercas el�tricas em cima. N�o sou especialista em seguran�a, mas duvido da efic�cia dessas fortalezas.

Me sinto seguro quando meus vizinhos podem olhar o que acontece na minha casa e chamar a pol�cia se suspeitarem de algo. Isolados dessa forma, quem vai conseguir ver uma invas�o?

Claramente voc�s precisam focar e resolver esse problema de seguran�a. � muito dif�cil valorizar o espa�o p�blico em uma sociedade com medo. As cidades americanas eram muito violentas nos anos 1980 e deram um jeito. Estudem com eles.

NO JARDIM AM�RICA
J� atravessamos um quil�metro e s� vi guardas e empregados das casas na rua. Tem crian�a morando aqui? N�o � um bairro saud�vel. S�rio que lutaram para impedir com�rcios e outros usos nesse bairro? N�o acredito. Quem n�o quer tomar um cappuccino na esquina de casa e ver gente passar? Somos animais soci�veis, queremos ver gente. Mas as cal�adas t�m obst�culos demais. Muitos postes, muitos buracos, interrup��es.

VELOCIDADE E SEGURAN�A
Quase todas as ruas t�m m�o �nica, o que � mau sinal. Em Copenhague, conseguimos fazer com que quase todas tenham m�o dupla. Isso faz com que os motoristas andem mais devagar, aconte�am menos acidentes, e seja mais f�cil de se atravessar.

Esse sinal vermelho piscando enquanto � ainda o momento do pedestre atravessar eu chamo de "corra, mam�e, corra". Assusta o pedestre e mostra quem � que tem prioridade: o carro.

Acontece em cidades com muito engenheiro de tr�nsito, mas nenhum para pedestres.


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