Folha de S. Paulo


Flechas no bambuzal da not�cia

Pedro Ladeira/Folhapress
BRASILIA, DF, BRASIL, 02-08-2017, 22h00: O presidente Michel Temer durante pronunciamento ap�s a n�o aceita��o pelo plen�rio da c�mara da den�ncia feita pela PGR que pedia pra investigar Temer. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress, PODER)
O presidente Michel Temer durante pronunciamento ap�s a n�o aceita��o da primeira den�ncia da PGR

As flechas finais prometidas pelo procurador-geral da Rep�blica contra o presidente foram lan�adas na quinta-feira passada. Rodrigo Janot denunciou, pela segunda vez, Michel Temer. A den�ncia encaminhada ao Supremo Tribunal Federal acusa o presidente de chefiar uma organiza��o criminosa, da qual fariam parte ministros e pol�ticos pr�ximos do PMDB.

"Enquanto houver bambu, l� vai flecha", disse Janot em julho, quando sinalizou que apresentaria nova den�ncia contra o presidente antes de sair do cargo. Na segunda-feira, Raquel Dodge assume o bambuzal.

A nova procuradora-geral da Rep�blica j� deu ind�cios de que pretende imprimir seu estilo no rumo da Opera��o Lava Jato.

Iniciada em mar�o de 2014, seus n�meros oficiais, at� agosto, impressionam: 165 condena��es de 107 pessoas (contabilizando 1.634 anos, 7 meses e 25 dias de pena), 158 acordos de dela��o premiada, pedidos de ressarcimento de R$ 38 bilh�es, R$ 6,4 bilh�es em propinas.

A Procuradoria-Geral da Rep�blica interpreta que Temer (PDMB) e o ex-presidente Luiz In�cio Lula da Silva (PT) s�o chefes de dois grupos partid�rios com atua��o criminosa. Ambos se tornaram assim alvos preferenciais do Minist�rio P�blico Federal. Tal similitude de pap�is que, na vis�o dos procuradores, existe nem sempre se refletiu na cobertura da Folha. As acusa��es contra Lula e Temer foram tratadas de forma diferente pelo jornal.

Em 15 de setembro de 2016, a Folha publicou em sua manchete: "Lula era comandante m�ximo da propinocracia, diz Lava Jato"; logo abaixo completava: "Ex-presidente � acusado de corrup��o e lavagem de dinheiro; petista nega ter cometido crimes".

Um ano depois, na �ltima sexta-feira, 15 de setembro de 2017, a manchete foi: "Janot acusa Temer de obstruir a Justi�a; presidente ataca den�ncia". Na linha fina, afirmava-se: "Procurador diz que Temer comprou sil�ncio de r�us e integrou quadrilha; para o presidente, pe�a est� cheia de absurdos".

N�o se trata de exigir que fatos diferentes tenham tratamento igual. H� circunst�ncias que podem mudar avalia��es, exigir abordagens diferentes de not�cias aparentemente semelhantes. No entanto, o jornal deve se preocupar em seguir padr�es de apartidarismo e equil�brio.

Uma das caracter�sticas da diferencia��o editorial no jornalismo � a capacidade dos editores de eleger o assunto principal e decidir com qual enfoque trat�-lo.

O per�odo da Lava Jato tem sido pr�digo em situa��es que permitem ao cr�tico de m�dia uma an�lise comparativa. Em cr�ticas internas, por diversas vezes exemplifiquei tratamentos diferenciados que a Folha deu a situa��es que podem ser interpretadas como correspondentes.

Na primeira den�ncia contra Temer, em junho, anotei que a Folha havia sido o �nico dos principais jornais a n�o utilizar o verbo "denunciar" -preferindo "acusar"- na manchete. Sua primeira p�gina n�o teve o tratamento hist�rico que o momento exigia. Pela primeira vez, um presidente da Rep�blica era denunciado por cometer crime no cargo.

Nesta segunda den�ncia, a capa da Folha novamente se diferenciou dos outros jornais, n�o positivamente. Foi o �nico a destacar na capa a acusa��o de obstruir a Justi�a, e n�o a de chefiar organiza��o criminosa.

A aposta da manchete do jornal destoa da reportagem principal, que destacou as duas acusa��es ("Temer obstruiu investiga��o e chefiou quadrilha, diz Janot"). An�lise de rep�rter especialista considerou que "a den�ncia trata essencialmente de outro suposto crime: uma quadrilha de parlamentares comandada pelo presidente da Rep�blica que usa alian�as pol�ticas 'como ferramenta para arrecadar propina'".

O secret�rio de Reda��o, Vinicius Mota, defende a op��o. "Sobre a imputa��o de obstruir a Justi�a, n�o h� d�vida de que se refere a atos praticados no exerc�cio do mandato presidencial, condi��o necess�ria para um presidente da Rep�blica ser processado, de acordo com a Constitui��o. Da� a op��o pelo destaque na manchete. Sobre a imputa��o de organiza��o criminosa, que elenca fatos ocorridos antes de Michel Temer assumir a Presid�ncia, o verbo "integrar" sumariza com efic�cia o teor das quase 200 p�ginas dedicadas a essa parte da den�ncia, que detalham pr�ticas alegadamente de conluio criminoso entre todos os sete acusados."

Em decis�o rara, a Folha usou parte da manchete para a defesa do presidente, no mesmo enunciado em que o acusava. Considero essencial que o jornal se empenhe em dar espa�o e destaque para manifesta��o de acusados, ainda mais se tratando do presidente da Rep�blica.

Leitores perguntaram � ombudsman se a Folha estava defendendo Temer. N�o h� caso equivalente que tenha encontrado em manchetes envolvendo Lula, Eduardo Cunha ou Renan Calheiros, para citar um ex-presidente e dois ex-presidentes de casas legislativas.

Mota diz que "o outro lado � pedra angular do jornalismo praticado pela Folha e, no enunciado da manchete, cumpriu a fun��o de expor a linha de defesa contra uma acusa��o que, embora grave, n�o apresentou fatos relevantes novos."

As quest�es aqui expostas podem parecer filigranas para o leitor, mas s�o fundamentais na constru��o de pr�ticas jornal�sticas equilibradas, apartid�rias e cr�ticas. Trata-se da vitrine do jornal.

A excel�ncia numa linha de conduta editorial e investigativa revelar� qu�o essencial � para o leitor. S�o as flechas certeiras que far�o a diferen�a no bambuzal das not�cias.


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