Folha de S. Paulo


De frente para o crime, de costas para a favela

Na mira. � como se sentem milh�es de moradores das favelas brasileiras, personagens de not�cias di�rias que envolvem tr�fico de drogas, viol�ncia, mis�ria e pobreza. Na mira da pol�cia e na mira da imprensa, que insiste em manter quase indissol�vel o v�nculo entre os termos favela e crime.

"Na mira" era a express�o que estava na primeira p�gina da Folha de 4 de julho, abaixo da foto a�rea de uma favela e antes da seguinte legenda: "Projeto do prefeito de S�o Paulo, Jo�o Doria, pretende acabar com a favela do Moinho, apontada pela pol�cia como fornecedora de drogas para a cracol�ndia a 1 km dali; moradores seriam levados para outro local".

O t�tulo da reportagem interna afirmava: "Doria quer remover favela fonte de drogas para cracol�ndia de S�o Paulo. O texto come�ava assim: "A Prefeitura de S�o Paulo pretende remover as fam�lias que moram na favela do Moinho, apontada pela pol�cia como a principal fornecedora de drogas para a cracol�ndia do centro de S�o Paulo. O projeto se tornou uma das prioridades da gest�o Jo�o Doria (PSDB). O objetivo � sufocar o fluxo de usu�rios localizado a cerca de 1 km".

Carvall
ombusdman - ilustra��o publicada no domingo, 9 jul. 2017

A generaliza��o � imprecisa e criminaliza todos os moradores. A leitora Margarida Gorecki resumiu o problema com profici�ncia: "A come�ar pelo t�tulo –ele parte de uma afirma��o da pol�cia de que a favela � a tal 'fonte de drogas', o que passa a ideia de responsabiliza��o do territ�rio e seus moradores, e n�o de uma cadeia complexa de tr�fico. Na mat�ria, falam apenas que a favela � 'apontada pela pol�cia' como fonte de drogas, sem explicar exatamente como esse levantamento foi feito. D� a entender que a comunidade � respons�vel e se for deslocada, mesmo que para �reas pr�ximas, o problema acabar�. O PCC n�o � mencionado".

Pouco tenho a acrescentar. A favela pode abrigar traficantes, pode conter locais com drogas e armas escondidas, mas a comunidade n�o � a fornecedora de drogas.

O editor do n�cleo de Cidades, Eduardo Scolese, defende a op��o editorial. "A afirma��o da reportagem � baseada em investiga��es policiais e jornal�sticas. O movimento de drogas da favela em dire��o � cracol�ndia � de conhecimento das pol�cias Civil e Militar de SP e dos rep�rteres que acompanham o dia a dia da cracol�ndia e dessa comunidade. Por isso o t�tulo assume, sim, que a favela � fonte de drogas para a cracol�ndia. Estamos falando de um local, e n�o dos moradores de forma generalizada."

A resposta do editor n�o esconde que a reportagem padece tamb�m do mal de limitar-se exclusivamente a fontes oficiais –no caso, PM, Pol�cia Civil, prefeitura e �rg�os p�blicos de habita��o e tr�nsito.

� evidente que uma das formas de evitar –ou diminuir– a criminaliza��o das favelas no notici�rio � a diversifica��o das fontes das reportagens. Ouvir moradores com mais frequ�ncia ajudaria a quebrar o estigma de que favelas s�o apenas territ�rios de medo, controlados por fac��es criminosas.

No caso espec�fico, a Folha demonstrou inapet�ncia para criar narrativa mais plural e menos preconceituosa. Ao menos por precis�o, cabe aos jornalistas fazer a distin��o clara entre trabalhadores que moram em favela –reconhecidos como a maioria da popula��o– e grupos com atitudes criminosas.

Em sua hist�ria, a Folha demonstrou-se sens�vel ao tema. Em 2007, ap�s o ent�o governador fluminense S�rgio Cabral Filho (PMDB) referir-se � Rocinha como "f�brica de produzir marginal", o jornal publicou editorial em que definia o epis�dio como "lament�vel insulto" e alertava para infeliz correla��o autom�tica entre favela e crime feita pelo governador. Afirmava o texto: "Tal correla��o, � preciso ressaltar, se manifesta no pensamento de consider�vel fatia da popula��o". E continuava: "Das planejadas a��es de 'higienismo urbano', visando a varrer os mendigos das ruas, aos b�rbaros ataques de jovens que incendeiam indigentes durante a noite, parecem surgir na sociedade brasileira sinais de uma perigosa fantasia: a da elimina��o sum�ria de todos os contingentes que, mergulhados na mis�ria ou no crime, atestam o fracasso hist�rico das pol�ticas de seguran�a p�blica e de inclus�o social empreendidas no pa�s".

A editoria de Cotidiano derrapou numa causa que o jornal historicamente abra�ou. Como alerta Jailson de Souza e Silva, do Observat�rio das Favelas, "a m�dia contribui, mais do que qualquer outra institui��o, para a consolida��o e a difus�o de conceitos estereotipados". A Folha precisa estar atenta, desafiar preconceitos e estimular a mudan�a de olhares conformados.


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