Folha de S. Paulo


Um jato de �gua fria

A opera��o Lava Jato, a maior investiga��o j� feita no pa�s, completou tr�s anos. � tamb�m o maior desafio jornal�stico da hist�ria recente.

Nos �ltimos meses, o notici�rio pol�tico girou em torno da expectativa do acordo de colabora��o premiada de 77 executivos e ex-dirigentes da construtora Odebrecht. Recebeu o batismo de "dela��o do fim do mundo" para marcar a extens�o de seus danos entre os frequentadores das rodas do poder.

Na ter�a (14), o procurador-geral da Rep�blica, Rodrigo Janot, enviou ao Supremo Tribunal Federal 83 pedidos de abertura de inqu�rito.

Oficialmente, por meio de nota, a Procuradoria-Geral informou: "N�o � poss�vel divulgar detalhes sobre os termos de depoimentos, inqu�ritos e demais pe�as enviadas ao STF por estarem em segredo de Justi�a". Rodrigo Janot pediu ao relator do caso no STF, ministro Edson Fachin, a retirada do sigilo de parte desse material, considerando a necessidade "de promover transpar�ncia e garantir o interesse p�blico". Fachin ainda decidir� sobre tal pedido.

A surpresa foi a constata��o de que a cobertura dos principais �rg�os de comunica��o -impressos, televisivos e eletr�nicos- trazia vers�es inacreditavelmente harmoniosas umas com as outras. Um jato de �gua fria em quem acredita na independ�ncia da imprensa.

Reprodu��o
ombu

Das dezenas de envolvidos na investiga��o, vazaram para os jornalistas os mesmos 16 nomes de pol�ticos -cinco ministros do atual governo, os presidentes da C�mara e do Senado, cinco senadores, dois ex-presidentes e dois ex-ministros. Eles estavam nas manchetes dos telejornais, das r�dios, dos portais de internet e nas p�ginas da Folha e dos seus concorrentes "O Estado de S. Paulo", "O Globo" e "Valor".

Por que tanta coincid�ncia? A ombudsman apurou que a divulga��o da chamada segunda lista de Janot se deu por meio do que, no mundo jornal�stico, se convencionou chamar de "entrevista coletiva em off".

Em geral, a informa��o em "off", aquela que determinada fonte passa ao jornalista com o gravador desligado e com prote��o de anonimato, n�o se coaduna com a formalidade de uma entrevista coletiva -para a qual os jornalistas s�o convocados protocolarmente a ouvir determinada autoridade.

Ap�s receberem a garantia de que n�o seriam identificados, representantes do Minist�rio P�blico Federal se reuniram com jornalistas, em conjunto, para passar informa��es sobre os pedidos de inqu�rito, sob segredo, baseados nas dela��es de executivos da Odebrecht.

A lei que regula a dela��o premiada prev� sigilo do seu conte�do at� a apresenta��o da den�ncia.

No dia seguinte, a corrida jornal�stica por not�cia voltou ao normal, com v�rios ve�culos obtendo informa��es exclusivas de partes n�o divulgadas dos inqu�ritos sob sigilo.

Foi publicado que mais um ministro, quatro senadores e cinco deputados est�o entre os que tiveram pedidos de inqu�rito apresentados pelo procurador e n�o haviam sido antes mencionados. Depois se soube que pelo menos dez governadores, cinco deles identificados, s�o mencionados no processo.

Qual o sentido de se deixar conhecer s� alguns dos envolvidos? Qual a estrat�gia dos procuradores, parte interessada do processo, ao divulgar uns e omitir outros? Por que n�o liberar, por exemplo, os que est�o nos pedidos de arquivamento?

Para o leitor, resulta em hist�ria contada pela metade. Informa��o passada a conta-gotas tira o entendimento do todo e levanta a desconfian�a de manipula��o.

O resultado desse tipo de acordo subterr�neo � que o jornalista se submete a crit�rios n�o claros da fonte, que fornecer� as informa��es que tiver, quiser ou puder. O rep�rter concorda em parar de fazer perguntas em determinado momento.

N�o foi a primeira vez, por�m, que tal procedimento ocorreu. A pr�tica j� se repetiu no Pal�cio do Planalto, no Congresso e at� no STF.

Tudo isso resulta numa desconfort�vel uniformidade de narrativa jornal�stica, que exala tom oficial.

Nos muitos esc�ndalos que assombraram o pa�s desde a redemocratiza��o de 1985, a imprensa manteve, at� muito recentemente, posi��o dianteira e relevante na investiga��o de il�citos p�blicos.

Na intrincada narrativa da Lava Jato, a depend�ncia dos rep�rteres para com fontes e investiga��es oficiais tem sido grande demais.

O ideal � que o jornal tenha linhas investigativas pr�prias e independentes. Mas tem sido dif�cil -para n�o dizer imposs�vel- sobreviver sem a colabora��o oficiosa de �rg�os envolvidos na Lava Jato.

Diante disso, o jornal deve, no m�nimo, transpar�ncia ao leitor, que tem o direito de saber de onde vem a informa��o que consome. Procurada, a dire��o da Folha n�o quis comentar. Como nos bons vinhos, denomina��o de origem � boa forma de controle de qualidade.


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