Folha de S. Paulo


Lava Jato, o filme, estimula concep��es simplistas ou mal fundamentadas

Divulga��o
Cena do filme
Cena do filme "Pol�cia Federal - A Lei � para Todos"

Entre os muitos subprodutos da megainvestiga��o em que se converteu a Opera��o Lava Jato j� se pode contar um filme, "Pol�cia Federal - A Lei � para Todos", que estreou quinta-feira (7). N�o se trata, ressalta seu diretor, Marcelo Antunez, de document�rio, mas de entretenimento no qual ele admite que carrega "um pouquinho mais na tinta (...) para ficar um pouco mais interessante, pelo g�nero, que � um thriller".

Descontados esses exageros, o roteiro tem base documental. Reproduz, quase cena por cena, o livro hom�nimo de cunho jornal�stico escrito por Carlos Graieb e Ana Maria Santos (Record). Esta obra, por sua vez, � baseada em entrevistas com policiais federais que participaram da opera��o e reflete, de modo assumidamente parcial, seu ponto de vista.

O filme � manique�sta e at� simpl�rio, mas n�o chega a ser tosco, em mais uma evid�ncia de que o cinema brasileiro vai tornando habituais padr�es m�nimos de qualidade. Um didatismo exasperante, � maneira das novelas de TV, amputa suas ambi��es, de resto mais voltadas para a bilheteria que para a posteridade.

Ainda assim, h� um fasc�nio perverso em assistir ao desenrolar desta "p�gina infeliz da nossa hist�ria" encarnado por atores a fazer um pastiche dos seriados policiais e seus clich�s infal�veis. Entre eles, ali�s, est� o final que j� anuncia a sequ�ncia, "A Lei � para Todos 2", quando o diretor promete iluminar os demais partidos sob luz t�o dura quanto a que focaliza o PT neste, dedicado � Lava Jato at� o impeachment.

Ary Fontoura comp�e um Lula diferente do que aparece para o p�blico, mal humorado, birrento, ao mesmo tempo at�nito e incerto quanto ao que fazer –a impress�o que os policiais tiveram dele. Certos de que seu filme seria atacado no fl�-flu que polariza o pa�s, os produtores alegam n�o ter recorrido a ren�ncia fiscal para financiar a pel�cula. Informa-se que o custo de R$ 16 milh�es foi arcado por investidores que preferem ficar an�nimos.

O filme est� afinado com um sentimento que se generalizou conforme desabava o dil�vio de esc�ndalos em s�rie que culminou no Petrol�o. Uma parcela imensa, majorit�ria de pessoas acredita que a pol�tica brasileira � uma das mais corruptas do mundo, que a corrup��o � nosso maior problema e que o dinheiro desviado bastaria para resolver a maioria de nossas mazelas. Muitos saltam � conclus�o seguinte, a de que somente um demiurgo alheio � pol�tica seria capaz de reform�-la num passe de m�gica.

Essas concep��es s�o em parte simplistas, em parte mal fundamentadas. O elo nefasto entre pol�tica e dinheiro –na forma espec�fica de empresas que prestam servi�os ao governo e por isso financiam campanhas eleitorais de pol�ticos em troca de vantagens contr�rias ao interesse p�blico quando eleitos– talvez seja o problema central das democracias modernas.

Embora a propor��o dos desvios revelados pela Lava Jato seja de fato assombrosa, esc�ndalos semelhantes irrompem mesmo nos pa�ses desenvolvidos, que disp�em de mecanismos mais capazes de conter a corrup��o (erradic�-la � outra fantasia). � not�rio, tamb�m, que a sensibilidade � corrup��o aumenta em crises econ�micas, e que a profus�o de crimes descobertos gera a sensa��o de que n�o eram praticados antes, quando na realidade eram apenas desconhecidos.

Como parte dela fica oculta, � dif�cil quantificar a corrup��o. Em 2011, ao tabular dados dos entes federais de fiscaliza��o, o economista Marcos Fernandes da Silva estimou em R$ 6 bilh�es/ano o montante desviado em 2002-8. Em seu livro "A Luta contra a Corrup��o" (Primeira Pessoa), Deltan Dallagnol, o procurador-l�der da Lava Jato, estima uma cifra gen�rica muitas vezes maior, entre 2% e 5% do PIB.

De forma mais concreta, Dallagnol afirma que na Petrobras as taxas de propina iam de 1% a 3% do valor do contrato superfaturado. Em 2013, o cientista pol�tico Marcus Melo compilou pesquisas internacionais de aferi��o de pr�ticas de corrup��o que mostravam o Brasil num patamar m�dio no continente americano, pior que Canad�, EUA, Uruguai e Chile, mas melhor que a maioria dos demais, inclusive Argentina e M�xico.

H� um elemento emocional na repulsa � corrup��o. Por mais que se roube, montantes superiores s�o desperdi�ados por uma administra��o p�blica que, exce��o feita a uma camada de bons profissionais, tende a ser perdul�ria e ineficiente. Na economia privada atua um sistema implac�vel de incentivos � efici�ncia; nada parecido existe no sistema p�blico, afora espasmos eleitorais sem consequ�ncia.

Essas ressalvas n�o deveriam desmerecer a utilidade p�blica evidente do trabalho da Lava Jato, at� pelo efeito exemplar que ter�, nem justificar que se descuide de sua devida supervis�o legal a fim de que eventuais abusos, como pris�es tempor�rias que se prolongam demais antes do julgamento, continuem a ser inibidos.


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