Folha de S. Paulo


Comer estrelas?

Ora, direis, comer estrelas?

Parece insano, mas � o que fazem viajantes h� oito d�cadas, desde que o centen�rio guia franc�s "Michelin" come�ou a usar os s�mbolos para classificar restaurantes.

Muita gente usa. Eu uso. Ganhei o h�bito de, chegando a uma cidade, comprar o "Michelin" (se houver), mas tamb�m outros guias, divertindo-me em compar�-los at� decidir onde comer.

Muita gente critica. Eu critico. Tanto que uso v�rios –e at� fa�o um guia pr�prio, em S�o Paulo. Nenhum � definitivo ou absoluto. Mas um guia honesto � melhor do que palpites de amadores.

Julgar restaurantes, como arte, depende de muitos crit�rios objetivos, mas tamb�m de idiossincrasias que jamais ser�o id�nticas nos diferentes cr�ticos.

Leitores devem ter seus cr�ticos preferidos, n�o s� de restaurantes. E "adotar" um deles para chamar de seu. Aquele com o qual mais se identifica. Ainda assim, nunca vai concordar 100% com ele; mas ele sempre ser� mais confi�vel (para seu gosto) do que outro que, por exemplo, sempre indica o filme que voc� detesta.

(Curioso que, ainda assim, se este cr�tico for preparado, honesto e consistente, poder� tamb�m ser uma refer�ncia: ele ser�, pela nega��o, uma pista segura do que n�o comer, ler, assistir.)

O "Michelin" recebe muitas cr�ticas –ao conservadorismo, � lentid�o paquid�rmica em reconhecer novos talentos, a seu vi�s aristocr�tico, ao seu sistema obscuro e por a� vai.

Fora da Fran�a –a come�ar pelos italianos– reclama-se que eles n�o entendem de outras cozinhas, que julgam tudo com um olhar franc�s. O lan�amento da segunda edi��o do "Guia Michelin - Rio de Janeiro & S�o Paulo" refor�a essa vis�o, n�o por denotar um filtro especificamente franc�s, mas um estranho olhar estrangeiro.

Os inspetores da edi��o brasileira s�o portugueses e espanh�is, pouco informados do que se pode esperar –e oferecer– neste pa�s. O que talvez explique distor��es bizarras, como haver na lista um �nico restaurante portugu�s, o Antiquarius carioca. (Talvez, para um inspetor ib�rico, bacalhau de fora n�o mere�a aten��o. E, como n�o s�o italianos, n�o se importam de incluir sofr�veis restaurantes desta nacionalidade.)

Tamb�m estranha � a lista dos Bib Gourmands, os do tipo bom e barato, verdadeira armadilha. Mesmo um estrangeiro poderia, numa conta de somar, aferir quais casas oferecem "um menu completo de at� R$ 90".

Em S�o Paulo at� d� para comer nessa faixa no Manioca, no Sal, no Tordesilhas ou no Arturito –pedindo somente os itens mais baratos. J� com os pratos no pre�o m�dio do card�pio, � imposs�vel.

O Arturito, ali�s, � exemplo de equ�voco aritm�tico e tamb�m de avalia��o. No lugar de Bib Gourmand, ele deveria estar no grupo com estrelas. Mas a� j� sa�mos das ci�ncias exatas para o terreno mais fluido das avalia��es.

Na minha opini�o, por exemplo, n�o d� para aceitar que o Iraj� (RJ), do chef Pedro de Artag�o, nem apare�a no guia. E, se o �nico com duas estrelas � o paulistano D.O.M., me parece claro que o Man� (t�o bom quanto ou melhor) teria que estar pelo menos na mesma categoria.

Aqui talvez se confirme o verniz aristocr�tico do "Michelin", que hesitaria em dar ao Man� –com seu ambiente brejeiro, descontra�do, a cara dos chefs– um status mais elevado, que ao D.O.M. –formal, ostensivamente caro, espelho da burguesia paulista– cabe como luva.

Mesmo sendo for�ado a relativizar o fator luxo quando chegou ao Jap�o (ou viraria ali um completo ET), aqui � mais f�cil ao guia valorizar a afeta��o. Se um dia o "Michelin" der a merecida estrela a lugares simples e bons como Mocot� e Jiquitaia, quem sabe mudo de opini�o.


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