Folha de S. Paulo


Pacotes de bondade

Quatro anos atr�s, no F�rum de Davos, o Brasil era celebrado como estrela emergente. A crise global ainda fazia estragos nos EUA e na Europa, mas o pa�s era considerado exemplo de sucesso por v�rias raz�es: o desempenho econ�mico antes e durante a crise; a regula��o banc�ria que impediu o colapso do sistema financeiro local; o uso de combust�veis renov�veis; a concilia��o do crescimento com a distribui��o de renda proporcionada pelo sal�rio m�nimo e pelos programas sociais; e a ascens�o da classe C, que criou um poderoso mercado consumidor de mais de 90 milh�es de pessoas de renda m�dia.

Em resumo, o mundo estava arrasado e assustado pela crise -a "trag�dia" grega e a poss�vel dissolu��o da zona do euro eram os novos fantasmas-, mas o Brasil nadava de bra�ada.

Mesmo tendo o PIB brasileiro sofrido uma parada s�bita em 2009, pelo impacto da crise global, as empresas do pa�s iam bem. Havia uma incentivada tend�ncia de internacionaliza��o das empresas nacionais, com verdadeira onda de aquisi��es no exterior. Em 2009, os investimentos diretos de companhias brasileiras no exterior alcan�aram US$ 10 bilh�es, e os de empresas estrangeiros no Brasil, US$ 25 bilh�es.

E o BNDES empurrava essa onda, oferecendo financiamento diretamente �s empresas brasileiras no exterior. At� o estatuto do banco foi alterado, porque antes exigia que as empresas garantissem um crescimento de exporta��es como contrapartida ao cr�dito para internacionaliza��o. Essa restri��o partia da percep��o equivocada de que o investimento direto no exterior provocava fuga de capitais.

O com�rcio exterior, a despeito da crise global, que derrubou as exporta��es, apresentou um superavit de US$ 24,6 bilh�es em 2009. Na sequ�ncia, o ano de 2010 iria terminar com um invej�vel crescimento, de 7,5%, o maior desde 1986.

S� quatro anos se passaram e o Brasil est� sob suspeita aos olhos internacionais. Como de h�bito, Davos voltou a promover o megaevento global da economia na Su��a, mas l� o pa�s perdeu o brilho. O deficit fiscal, que cresceu bastante, � um ponto negativo sempre lembrado e paira constantemente uma amea�a de rebaixamento da nota do pa�s. O crescimento acabou e todos esperam que venha pela frente pelo menos dois anos de austeridade, sacrif�cios e, na melhor das hip�teses, estagna��o.

S�o tristes perspectivas. Na semana passada, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, anunciou as primeiras medidas importantes de ajuste fiscal. Dobrou -de 1,5% para 3%- o IOF sobre opera��es de cr�dito de pessoas f�sicas. Aumentou o PIS/Cofins e a Cide sobre combust�veis. Instituiu IPI sobre vendas de atacadistas de cosm�ticos. Aumentou o PIS/Cofins sobre importados. Al�m disso, a presidente Dilma vetou o reajuste de 6,5% da tabela do IR.

Na �rea monet�ria, os juros foram mais uma vez elevados pelo Banco Central, para 12,25%, taxa sem paralelo na Terra neste momento.

Ser� que o Brasil precisava de tamanho pacote de maldades?

Eu acho que n�o. Parece estapaf�rdia a combina��o de rigorosas medidas de arrocho fiscal e monet�rio num momento em que o pa�s caminha para uma recess�o quase certa. Mas vamos admitir que elas fossem necess�rias para melhorar a credibilidade externa do pa�s.

Nesse caso, seria prudente come�ar a pensar em algum pacote compensat�rio, de bondades. Por exemplo, algu�m j� estudou medidas para recuperar a autoestima da ind�stria? Nove em cada dez economistas, de todas as tend�ncias, acham que o maior desafio da economia brasileira, para voltar a crescer, � recuperar a ind�stria, que perdeu exporta��es e o pr�prio mercado nacional para os concorrentes estrangeiros. N�o se discute: a ind�stria precisa viver uma fase de renascimento.

Aumento de juros � overdose absurda e desnecess�ria. Austeridade fiscal � muito importante, e controle de gastos p�blicos, indispens�vel. Mas isso n�o estimula investimentos do setor privado. N�o desperta o esp�rito animal do empres�rio, como costuma lembrar o professor Delfim Netto. � preciso reduzir custos do setor produtivo, oferecer um c�mbio favor�vel �s exporta��es, cortar burocracias, ampliar infraestrutura, baratear o cr�dito, enfim, dar condi��es para que o produto brasileiro seja novamente competitivo. Quem est� pensando nisso? Quando vir�o os pacotes de bondade?


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