�ndios contra usina

�ndios lutam contra 'nova Belo Monte'

Indios mundurucus instalam placa nos limites do seu territ�rio tradicional proximo a aldeia Sawr� Muybu as margens do rio Tapajos no Par�.  Existe um plano do governo federal para constru��o de v�rias hidrel�tricas no rio Tapaj�s o que atingiria diretamente o territ�rio dos �ndios mundurukus. Lalo de Almeida/Folhapress
�ndios mundurucus instalam placa nos limites do seu territ�rio tradicional pr�ximo � aldeia Sawr� Muybu

Num barranco do rio Tapaj�s, a menos de 30 km de onde ser� constru�da a usina hidrel�trica de S�o Luiz, o "capit�o" Juarez Munduruku, da aldeia Sawr� Muybu, ajeita os colares de contas atravessados no peito. Come�a a discursar: "Bom dia a todos e todas".

Est� rodeado de outros mundurucus, nome dado pelos antigos inimigos parintintins e que significa "formigas de fogo". H� alguns "pariwat" (brancos), reunidos para a fixa��o de mais uma placa delimitadora da terra ind�gena que leva o nome da aldeia.

"Sawe!", gritam todos e todas em volta, na sauda��o tradicional. Ainda n�o oficializados pela Uni�o, os 1.780 km� da Sawr� Muybu –quase 20% maior que o munic�pio de S�o Paulo– s�o habitados por 132 ind�genas.

Fornecida pela ONG Greenpeace, a placa imita as que o governo federal usa para demarcar terras ind�genas homologadas, mas n�o tem o logotipo da Funai. Na �rvore ao lado, uma t�bua mais simples colocada h� dois anos pede respeito � "terra-m�e".

O bom guerreiro se distingue pela escolha das armas e pela destreza em seu uso. O l�der Juarez faz jus � fama militar dos mundurucus e recorre ao que os brancos gostam de ouvir: "todos e todas". Afinal a guerra, agora, � de palavras, como gostam de dizer.

"Se for acontecer mesmo [a usina], vamos invadir. Todo o mundo j� se comprometeu", havia dito Juarez um dia antes, num barrac�o erguido pela ONG na aldeia. "Vamos botar 500 guerreiros l�."

Lalo de Almeida/Folhapress
ITAITUBA, PA. 17/06/2016. Indio mundurucu navega pelo rio Tapajos proximo a aldeia Sawr Muybu, no Par. Existe um plano do governo federal para construo de vrias hidreltricas no rio Tapaj-s o que atingiria diretamente o territ-rio dos 'ndios mundurucus. ( Foto: Lalo de Almeida/Folhapress, CI NCIA ) *** EXCLUSIVO FOLHA
�ndio mundurucu navega pelo rio Tapaj�s pr�ximo � aldeia Sawr� Muybu, no Par�

Os mundurucus n�o confiam na palavra dos caciques de Bras�lia. Recebidos na capital depois de invadirem a obra de Belo Monte, quase 500 km a nordeste, ouviram de Gilberto Carvalho (PT), ent�o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presid�ncia, em 2013, que o Planalto podia dialogar, mas n�o abria m�o de S�o Luiz do Tapaj�s.

O capit�o-geral dos 12 mil mundurucus, Arnaldo Kab�, retrucou que os �ndios n�o abriam m�o de seu rio sagrado. Juarez corrobora: "Tem de me matar primeiro. Pelas minhas pernas, � dif�cil [sair]".

NOVA BELO MONTE

A UHE S�o Luiz � a bola da vez no portf�lio de expans�o do setor el�trico. Ter� 8.040 megawatts (MW) de capacidade e dever� gerar em m�dia pouco mais de 4.000 MW, o que daria para abastecer uma metr�pole de pelo menos 8,5 milh�es de pessoas.

Em conjunto com Belo Monte (11.233 MW), que tamb�m fica no Par�, S�o Luiz responder� por 68% da amplia��o, at� 2024, da capacidade de gera��o hidrel�trica.

Essa fonte renov�vel, mas combatida por ambientalistas e �ndios, passar� de 90.000 MW para 117.000 MW.

Na regi�o Norte (leia-se: Amaz�nia), ficam os �ltimos grandes rios brasileiros com potencial hidrel�trico n�o aproveitado. Ela aumentaria de 14% da capacidade instalada para 23%.

O Brasil todo, segundo proje��es da EPE (Empresa de Pesquisa Energ�tica), precisar� dispor de 206.000 MW. Hoje, s�o 144.650 MW.

Do ponto de vista da energia firme –aquela com que a rede de distribui��o pode contar–, S�o Luiz n�o difere tanto de Belo Monte. A usina do Tapaj�s, mais eficiente, est� cotada para gerar 4.012 MW, ante 4.571 MW da controversa cong�nere no Xingu.

Em contrapartida, vai alagar 40% mais floresta amaz�nica. E isso numa regi�o mais preservada que o entorno da cidade de Altamira, em cuja vizinhan�a –cortada pela rodovia Transamaz�nica– se ergue Belo Monte.

Em abril, o Ibama suspendeu o licenciamento da usina baseado em pareceres da Funai, que apontam impactos "irrevers�veis".

UNI�O E FOR�A

Enquanto a Volta Grande do Xingu � cercada por mais de uma dezena de povos e terras ind�genas, o M�dio Tapaj�s � dominado pelos mundurucus. Nos s�culos 17 e 18, com guerras de conquista, controlavam boa parte do territ�rio entre os rios Madeira e Xingu, afluentes do Amazonas a oeste e a leste do Tapaj�s.

"� diferente do que o governo enfrentou em Belo Monte", diz Danicley de Aguiar, engenheiro florestal destacado pelo Greenpeace para atuar na Sawr� Muybu. "Eles t�m uni�o. N�o se dividem facilmente", afirma.

"Ser� dif�cil o governo prosseguir com o plano da usina", prognostica, esperan�oso, Paulo Adario, estrategista s�nior de florestas da ONG. Imerso na vanguarda da luta mundurucu, Aguiar soa mais desafiador: "Duvido que o governo construa".

Editoria de Arte/Folhapress
MAPA DA USINA S�O LUIZ DO TAPAJ�S
Mapa da Usina S�o Luiz dos Tapaj�s

A Sawr� Muybu parece mesmo oferecer obst�culo bem mais s�rio para a usina do que as �reas dos jurunas e araras criaram para Belo Monte. A Volta Grande do Xingu vai ter sua vaz�o diminu�da, sem inundar diretamente terras ind�genas, ao passo que as dos mundurucus perder�o 7% para o lago.

Ser� imperativo remover algumas aldeias, como Daĉe Watpu. Ela fica logo abaixo de Sawr� Muybu (esta aldeia est� no alto de um barranco de 50 m de altura e n�o ser� alagada, s� ilhada).

Lalo de Almeida/Folhapress
ITAITUBA, PA. 17/06/2016. Menina mundurucu com seu mico de estima��o na aldeia Sawr� Muybu, as margens do rio Tapaj�s. Existe um plano do governo federal para constru��o de v�rias hidrel�tricas no rio Tapaj�s o que atingiria diretamente o territ�rio dos �ndios mundurucus. ( Foto: Lalo de Almeida/Folhapress, CI�NCIA ) *** EXCLUSIVO FOLHA
Menina mundurucu com seu mico de estima��o na aldeia Daĉe Watpu

A Constitui��o diz que "� vedada a remo��o dos grupos ind�genas de suas terras, salvo, 'ad referendum' do Congresso Nacional, em caso de cat�strofe ou epidemia que ponha em risco sua popula��o, ou no interesse da soberania do pa�s, ap�s delibera��o do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hip�tese, o retorno imediato logo que cesse o risco".

Foi o que bastou para travar o processo de demarca��o da terra ind�gena. Embora j� estivesse pronto havia dois anos o parecer da Funai ("relat�rio circunstanciado de identifica��o e delimita��o", no jarg�o indigenista), de autoria da antrop�loga Bruna Cerqueira Sigmaringa Seixas, ele ficou na gaveta.

S� em 19 de abril –dois dias ap�s a abertura do processo de impeachment ser aprovada na C�mara– a presidente Dilma Rousseff (PT) publicou o relat�rio no "Di�rio Oficial da Uni�o". Correm agora os 90 dias de prazo para contesta��es.

Por conta pr�pria, os mundurucus j� iniciaram o que chamam de "autodemarca��o". Colocam as placas copiadas da Funai na expectativa de afastar madeireiros, garimpeiros e palmiteiros que invadem o territ�rio pelo sul.

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ITAITUBA, PA. 17/06/2016. Lideran�as mundurucus caminham em dire��o a um buritizal pr�ximo da aldeia Sawr� Muybu, as margens do rio Tapaj�s, no Par�. Existe um plano do governo federal para constru��o de v�rias hidrel�tricas no rio Tapaj�s o que atingiria diretamente o territ�rio dos �ndios mundurukus, alagando o buritizal. ( Foto: Lalo de Almeida/Folhapress, CI�NCIA ) *** EXCLUSIVO FOLHA
Lideran�as mundurucus caminham em dire��o a um buritizal pr�ximo da aldeia Sawr� Muybu

PASSAGEM DOS PORCOS

Quando dizem que o Tapaj�s � sagrado, os mundurucus est�o falando s�rio. Ele � o fio condutor da epopeia de Karosakaybu, o criador de todas as coisas –inclusive do Tapaj�s, a partir de caro�os de tucum�, e das mulheres, a partir de peixes.

Uma vara de porcos selvagens (queixadas) roubara seu filho, e Karosakaybu os perseguia. Para conseguir atravessar o rio, que chega a ter v�rios quil�metros de largura, os animais la�aram a outra margem –"a floresta era mole", diz Juarez– e puxaram.

Formou-se assim o "fecho", ou passagem dos porcos, ponto em que o Tapaj�s se afunila para pouco mais de 400 m de largura e que tamb�m ser� engolido.

Os pedrais e cachoeiras s�o igualmente sagrados, al�m de locais em que os �ndios pescam peixes cascudos (bod�s). Eles ser�o inundados, assim como as florestas aluviais, que perder�o o pulso de cheia e seca na origem da alta produtividade biol�gica.

As placas podem ser de mentira, e a floresta, mole, mas os mundurucus n�o s�o.

Na guerra contra as obras fara�nicas dos "pariwat", est�o dispostos at� a p�r as bordunas de lado e lan�ar m�o da letra da lei dos brancos para tentar ganhar essa batalha. Para eles, palavras t�m valor de vida e de morte.

Lalo de Almeida/Folhapress
ITAITUBA, PA. 17/06/2016. Indio mundurucu toma banho ao amanhecer na aldeia Sawr� Muybu, as margens do rio Tapaj�s, no Par�. Existe um plano do governo federal para constru��o de v�rias hidrel�tricas no rio Tapaj�s o que atingiria diretamente o territ�rio dos �ndios mundurucus. ( Foto: Lalo de Almeida/Folhapress, CI�NCIA ) *** EXCLUSIVO FOLHA
�ndio mundurucu toma banho ao amanhecer na aldeia Sawr� Muybu, as margens do rio

Os jornalistas LALO DE ALMEIDA e MARCELO LEITE fizeram o trecho de Alta Floresta (MT) e Itaituba (PA) � Terra Ind�gena Sawr� Muybu a convite do Greenpeace.