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CIDADE PARTIDA

Ruas de mesmo nome no centro e na periferia retratam uma SP partida

Lalo de Almeida/Folhapress
Diferen�a entre as ruas Maranh�o, uma em Higien�polis (� esq.), outra na Jova Rural, come�am na infraestrutura

ANNA RANGEL
DANIEL CASTRO
PATRICIA PAMPLONA
DA EDITORIA DE TREINAMENTO
ALINE K�TIA MELO
DO BLOG "MURAL"

O nome � o mesmo e a preocupa��o com seguran�a, comum aos moradores. As coincid�ncias param por a�. Entre as duas ruas Maranh�o de S�o Paulo, uma em Higien�polis (regi�o central), outra na Jova Rural (zona norte), a dist�ncia vai al�m dos 13,7 km --ou 25,3 km, de carro-- que as separam no mapa.

Um passeio pelos dois endere�os revela as diferen�as. A Maranh�o de Higien�polis tem cal�adas largas e �rvores por toda a sua extens�o. � endere�o de artistas, profissionais liberais e pol�ticos. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso morou ali por muitos anos, at� se mudar para poucas quadras de dist�ncia, na rua Rio de Janeiro. V�-se, ao olhar para cima entre as copas das �rvores, o topo de altos edif�cios.

A Maranh�o da Jova Rural tem cal�adas irregulares, que somem em alguns trechos. O alaranjado dos tijolos de casas em constante constru��o � intercalado pelo colorido de outras. N�o � preciso levantar muito os olhos para descobrir o teto das casas, que n�o passam de tr�s andares. Muitas foram erguidas abaixo do n�vel da cal�ada, condi��o imposta pelo declive da rua. Varandas s�o raras e as janelas t�m esquadrias simples. O c�u � entremeado por fios e a rua � ladeada por carros abandonados.

Em Higien�polis, os moradores destacam a infraestrutura e a variedade do com�rcio. Na Jova Rural, o conv�vio com vizinhos e familiares. � o bairro onde muitos deixaram o aluguel e abriram o pr�prio neg�cio. "Aqui eu constru� uma casa muito confort�vel, esse bairro � importante para mim", diz a cabeleireira Eloane Carrilho, 37, moradora da Jova Rural h� 19 anos, que mant�m um sal�o de beleza na parte de cima de casa.

O DNA Paulistano mostrou que, em 2012, 65% dos moradores do distrito da Consola��o, onde fica Higien�polis, tinham ensino superior. No Ja�an�, distrito da Jova Rural, apenas 14% tinham o mesmo n�vel de escolaridade.

Quem est� em Higien�polis rejeita o r�tulo de "gente diferenciada", criado em 2011 ap�s moradores do bairro protestarem contra a constru��o de uma esta��o de metr� no local. "N�o acho que a rua Maranh�o seja metida � besta, aqui voc� se sente parte da cidade", afirma a jornalista Silvia Poppovic, 60.

A discrep�ncia entre as duas Maranh�o tem origem hist�rica. Frutos de uma ocupa��o desordenada em meados dos anos 1990, as casas da Jova Rural foram erguidas pelos pr�prios moradores. �gua e luz el�trica vieram no fim daquela d�cada. O pavimento, alguns anos mais tarde. At� o ano passado, os postes de luz eram troncos de madeira. "No come�o, era um lugar sem nenhum respaldo de �rg�o p�blico. Parecia faroeste: quem tinha mais podia mais", conta Eloane.

J� Higien�polis, bairro antigo criado no fim do s�culo 19, contou com a oferta de servi�os p�blicos desde a sua funda��o. O loteamento Boulevard Bouchard, lan�ado em 1895 pelos empres�rios alem�es Martinho Bouchard e Victor Nothmann, acabou conhecido como Higien�polis por ter sido o primeiro bairro da capital a ter saneamento b�sico e �gua encanada.

A car�ncia de servi�os p�blicos persiste na Jova Rural. "� um posto de sa�de para quatro bairros, ent�o fica complicado achar vagas", diz Eloane. Pela ladeira �ngreme da rua, os �nibus n�o passam com regularidade. "O �nibus come�a a circular �s 4h30, mas vai at�, no m�ximo, 9h. O resto do dia tem que subir a ladeira a p�", diz Igor Fonseca, 18, desempregado.

Na Maranh�o rica, h� restaurante italiano, supermercado, cabeleireiro, buf� infantil, casa de eventos, posto de gasolina, hotel, duas padarias, dois pontos de t�xi e quatro bancas de jornal. Na loja de produtos naturais da rua, encontram-se cereais org�nicos, trigo sarraceno e manteiga clarificada indiana, o "ghee" (R$ 49,90 o pote).

Na Padaria Aracaj�, uma m�dia e um p�o com manteiga custam R$ 9. Na Jova rural, esse mesmo caf� da manh� sai por R$ 2. Sal�o de beleza � ponto comum �s ruas. Um corte com escova no El� Studio Hair, sal�o de Eloane, custa R$ 45. Os moradores de Higien�polis pagam R$ 105 pelo servi�o.

As duas ruas t�m igrejas. A Santa Terezinha, em Higien�polis, tem agenda lotada para casamentos at� dezembro de 2016. Desde os anos 1960, os noivos ganham uma "chuva de rosas" ao final da cerim�nia.

Na Jova Rural, as duas igrejas s�o evang�licas. Sem adornos, os locais de culto t�m cadeiras de pl�stico para os fi�is e um pequeno altar. N�o fosse a cruz pendurada na parede, a pequena sala poderia se confundir com os com�rcios do bairro.

Ricos e pobres se sentem inseguros nos locais onde vivem. Em Higien�polis, as portarias blindadas e os seguran�as n�o s�o suficientes para garantir o sossego. "Hoje n�o d� mais para sair a p� com celular", diz a empres�ria Miriam Catib, 33.

Na Maranh�o da periferia, o que assusta s�o os homic�dios da vizinhan�a. "No m�s passado, mataram cinco na rua l� de baixo", conta Igor.

Convidadas pela Folha, Eloane e Miriam conheceram as ruas hom�nimas �s suas. A cabeleireira se espantou com o aparato de seguran�a dos pr�dios em Higien�polis. "Aqui eles se preocupam bastante com seguran�a, n�?" foi seu primeiro coment�rio. Onde mora, ela diz, n�o existem "fortalezas, onde as pessoas n�o t�m liga��o umas com as outras". Ela elogiou a largura das cal�adas, a limpeza e o tamanho das lixeiras.

Sentada para um caf� com leite na padaria, Eloane contou que se sentiu observada. "Acho que � porque sou a �nica mais escura aqui." A apar�ncia dos moradores de Higien�polis chamou a sua aten��o. "Ningu�m combina as roupas", disse, observando os t�nis de corrida ultracoloridos. "Eles usam sapato cor de ab�bora, eu prefiro tudo combinando."

Ao chegar na Jova Rural, Miriam tirou uma selfie com a placa da rua. Em seguida comentou: "Se somar as cal�adas da Maranh�o de l�, d� mais que a [largura dessa] rua inteira". Ela notou a grande quantidade de cachorros soltos, ao contr�rio dos c�es de ra�a que passeiam com os donos em Higien�polis.

Conversando, Miriam e Eloane descobriram coisas em comum. M�es de dois filhos, elas se preocupam com as amizades das crian�as e acompanham de perto a rotina nas escolas. "Me preocupo com o consumo, hoje tudo � colecion�vel", disse a empres�ria. "Acho que hoje, com a influ�ncia da TV e da internet, � a mesma coisa em qualquer lugar", respondeu a cabeleireira.

A hip�tese de se mudar � descartada pelos moradores de Higien�polis. "Quem mora aqui n�o muda, vai morrer todo mundo aqui", diz o despachante Arc�ngelo Sforcin Filho, 66. Deixa em d�vida, por�m, quem vive na Jova Rural. "Vou fazer o poss�vel para morar em um lugar melhor. Mas, se tiver como comprar um terreno na rua, vou comprar", diz o jovem Igor.