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Manuela Xavier: pela naturalização dos corpos femininos

Manuela Xavier conta com uma carreira bem sucedida em diferentes áreas da comunicação: apresentadora do programa "E você?", no YouTube, e autora do livro "De Olhos Abertos", ela também é influenciadora digital. Com mais de 430 mil seguidores nas redes sociais, Manu é uma voz referência em empoderamento e protagonismo feminino, e parceira nossa, aqui na Simple.

Por isso, no post de hoje, convidamos Manu Xavier para dividir um relato sobre corpos femininos. O resultado você confere a seguir.

Um texto por Manuela Xavier

Ser um corpo é a forma mais eficaz de não existir: pela naturalização dos corpos femininos

Desde que eu me entendo por gente, aprendi que eu sou um corpo e que seria através dele que eu seria desejada ou não; amada ou não; respeitada ou não. Não importava quem eu fosse, o que eu gostasse, o que eu pensasse: meu corpo chegava primeiro.

Aos 6 anos, fui levada a uma nutricionista porque precisava emagrecer sob a justificativa de que eu não poderia crescer como uma criança gorda. Será que nessa idade importava o corpo que eu tinha ou as brincadeiras que eu gostava?

Manuela XavierManuela Xavier compartilha post sobre amor próprio, cura e liberdade. Foto: @manuelaxavier via Instagram

Aos 12 anos, me disseram que eu não era gorda, eu era gostosa. Aquela conclusão me livrou, na época, do peso negativo da palavra “gorda”. Mas me imputou, nessa época, a responsabilidade de saber que meu corpo provocava nos homens lascívia e desejo e que, portanto, eu não poderia estranhar as palavras que eu ouvia na rua de homens muito mais velhos, que de fato olhavam para o meu corpo como objeto de desejo.

Entretanto, aos 12 anos eu não queria me ocupar de ser gorda ou gostosa; eu queria que os Backstreet Boys viessem ao Brasil, eu queria pensar se eu faria um ensino técnico no ensino médio ou se apenas mudaria de escola. Eu tinha outras urgências, que foram atropeladas pela necessidade de me adequar a um corpo que não era o meu.

Aos 20 e poucos, já seguindo uma carreira acadêmica, entendi que mesmo vestindo blazer e calça social para estar em lugares majoritariamente ocupados por homens, fui aconselhada a usar calças mais largas, porque o meu corpo chamava muita atenção por conta das minhas curvas. Eu tinha 20 e poucos anos e pouco me importava em como o meu corpo se apresentava, eu estava feliz em ser tão jovem e já ser professora universitária. Mas todos os dias ao sair de casa, eu preparava a aula do dia, corrigia os textos dos alunos e me atentava se o blazer cobria a minha bunda o suficiente para que ninguém percebesse as minhas curvas.

Aos 30 e poucos, na transição de carreira para a comunicação, ouvi que eu precisaria emagrecer para entrar num padrão TV e para que fosse mais fácil encontrar roupas, afinal “para mulheres maiores, é preciso mandar fazer”. Eu nunca tive dificuldade em encontrar roupas nas lojas, mas entendi que aquela fala era uma lembrança de que aquele lugar não era pra mim. 

Levou tempo para que eu entendesse que não há qualquer lugar garantido para nós mulheres enquanto o nosso corpo chegar antes de nós. Ninguém comenta sobre os corpos dos homens: nem nas empresas, nem na praia. O fato dos homens serem magros, gordos, altos, baixos, jovens ou velhos não os impossibilita de acessar nenhum espaço; o que me fez entender que o corpo correto não é o alto, o magro, ou o jovem: o corpo correto é quando é o de um homem.

"Não há nenhum lugar garantido para nós mulheres enquanto o nosso corpo chegar antes de nós."

Quando entendi que o tempo inteiro, nós mulheres, somos apagadas quando reduzidas a um corpo, desenvolvi um outro olhar sobre mim, sobre a minha trajetória, sobre os espaços que ocupo e também sobre a minha imagem. É como se eu tivesse desfeito a armadilha que foi colocada ali para me impedir de avançar; e fiz uma revisão sobre todas as mulheres que eu admirava. O que elas estavam fazendo quando foram reduzidas a um corpo? O que essas mulheres estavam acessando quando foram punidas pelo corpo que tinham?

Preta Gil lançava seu primeiro disco quando foi ridicularizada por uma foto nua na capa do disco: o que chocou foi o corpo de Preta ou o fato de Preta se saber uma mulher potente, linda e segura de si? Era um escândalo a barriga de grávida de Leila Diniz ou o que escandalizou a todos era uma mulher desafiar as regras ao ousar tomar posse de seu próprio corpo?

Após o réveillon de 2024, uma matéria se utiliza de fotos de Letticia Muniz sob o pôr do sol comemorando a passagem do ano dizendo que ela exibia “seios imensos”: qual a diferença da barriga de grávida de Leila Diniz ou dos seios de Letticia Muniz a não ser mulheres confortáveis em suas próprias peles? Isso denuncia que a mulher ideal não é a que esconde a barriga ou a que diminui os seios, mas sim a mulher desconfortável em seu próprio corpo.

Se a solução para não ser ridicularizada por “seios imensos” fossem os seios pequenos, Bruna Marquezine não teria sido pauta no carnaval de 2018, com comentários referentes aos seus seios, que foram julgados caídos ou pequenos demais. Era carnaval, será que Bruna deveria estar preocupada com a aparência de seus seios ou deveria simplesmente se divertir? Rapidamente, ela foi lembrada que se divertir não é uma opção simples para as mulheres.

"A mulher ideal não é a que esconde a barriga ou a que diminui os seios, mas sim, a mulher desconfortável em seu próprio corpo."

Em 2017, Anitta lança o clipe de “Vai Malandra”, e aparece com seu corpo sem edição de imagem, num biquíni de fita que deixa ver suas celulites. O clipe é uma obra prima, a estratégia de carreira aponta para a internacionalização do funk como valorização nacional; e os comentários não eram sobre a genialidade de Anitta; eram sobre as celulites em sua bunda. 

O corpo de Preta chegou antes de sua voz; a barriga de Leila chocou mais que sua subversão; os seios de Letticia chegaram antes da celebração ao ano que chegava; os seios de Bruna foram mais importantes do que sua alegria; a bunda de Anitta foi mais falada do que seu cérebro.

Ou seja, será que realmente estamos enxergando as mulheres ou apenas comentando seus corpos e lembrando a elas - e a nós mesmas - que elas ainda não têm a imagem ideal para simplesmente existir?

Até quando?

Até quando existir em paz será um direito concedido apenas aos homens? Até quando nos sacrificaremos num “projeto verão” para ter um “corpo de verão”, quando só precisamos de uma praia, um corpo e um biquini? Até quando nos espremeremos em cintas e vestidos apertados para aparentarmos um corpo mais esbelto que custará feridas, jejum e medicações off label?

Até quando nos negarão a praia, o verão, o amor, o posto de trabalho, a capa de revista, porque não temos o corpo que nos dizem que devemos ter? Como subverter essa lógica? Aprendendo com Preta, Leila, Bruna, Letticia, Anitta e com a profética Suzana Vieira: é preciso levar apenas o corpo e o talento. Não somos um corpo, temos um corpo; e ele nunca será maior do que nós.

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