No 'Domingão', Hosana Silva é ativista da favela, mestranda em Brasília e pupila de Luciano Huck

A assistente de palco conta a Quem como foi escolhida a dedo pelo próprio Luciano Huck em um projeto no meio da Amazônia, da ponte aérea entre Rio de Janeiro e Brasília para concluir um mestrado em Políticas Públicas e da importância do espaço na grade dominical para falar com o povo brasileiro.

De 16 a 20 de janeiro, ela estará em Davos, na Suíça, no encontro anual do Fórum Econômico Mundial como representante do Brasil dentre 50 jovens lideranças globais para debater o futuro da humanidade. Hosana explica como dividir a vida acadêmica e o ativismo voltado para justiça climática com a nova carreira televisiva é a oportunidade de usar o alcance da TV aberta para reforçar a importância da educação.

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Quem é Hosana Silva?

“Nunca tinha pisado na televisão antes. Não sou desse mundo artístico. Na verdade, eu sou de uma favela na periferia do Recife chamada Abençoada por Deus, nascida e criada na favela, escola pública. A repetição da história da realidade brasileira. Filha de mãe solteira, foi casada, mas separou por causa de alcoolismo e trabalhava em 10 milhões de empregos para poder me dar o direito da educação, foi empregada doméstica durante muitos anos.

Aí eu ingressei na faculdade, fui a primeira pessoa a entrar na universidade federal na minha família e isso me deu uma virada de chave do que eu queria fazer da minha vida. Fiz medicina veterinária na graduação, mas comecei a me aproximar da área de sustentabilidade, mudança climática e etc, e isso me levou a começar a atuar em algumas organizações na minha comunidade em prol da justiça climática.

Em 2022, teve uma das maiores enchentes da história. Essa enchente foi o que mudou a minha vida. Foi naquele momento que eu me vi enquanto uma liderança. Governo, outras organizações, várias pessoas vieram falar comigo para saber como atuar melhor na questão da enchente. Então, ganhei visibilidade na internet, com pessoas importantes.

Isso me levou para um projeto na Amazônia, onde eles selecionaram microinfluenciadores para falarem sobre a questão das mudanças climáticas com quem está nas favelas, porque a gente fala muito com quem está dentro da Amazônia, mas as favelas sofrem tanto quanto".

“Uma das pessoas que financiou esse projeto era o Luciano Huck, sendo que ninguém sabia, ninguém fazia a menor ideia. Acho que, por uma questão de não fazer as pessoas se aproximarem do projeto por conta do nome dele, ele botou dinheiro, mas não foi divulgado. A gente foi para Amazônia, teve essa vivência, quando a gente voltou, ele pediu uma reunião para saber como é que foi, o que mudou, o que impactou e perguntou como que faz para conectar essas conversas difíceis com a televisão, trazer isso para o entretenimento de uma forma que não fique pesado, não fique denso, não deixe o seu domingo depressivo.

Eu dei uma resposta, a gente começou a conversar e ele convidou eu e minha mãe para conhecer o programa no final de novembro de 2022. Minha mãe nunca tinha andado de avião na vida, eu nunca tinha pisado num estúdio de televisão na vida, nunca tinha pisado em nenhuma Globo. Conversando lá, ele falou: ‘Tem um casting para fazer merchan e acho que você se comunica bem'.

Achava que era um negócio para o próximo ano, quando foi na outra semana, a pessoa já mandou mensagem com vídeos para eu gravar e mandar para eles. Gravei uns vídeos num maior perrengue, eu morava numa quitinete, para eu usar o banheiro, eu precisava ficar de lado, senão o joelho batia na parede. Mandei e eles falaram para fazer teste no Rio de Janeiro, mandaram passagem aérea, hotel aí deu uma semana e eles me chamaram para o programa ao vivo”.

“Meu primeiro merchan, primeira vez fazendo qualquer coisa na televisão, já foi ao vivo, domingo à noite, Natal, já foi aquele clima de fim de ano. Geralmente, em férias, a audiência é muito mais alta, dia 18 de dezembro de 2022.

Eu achava que era alguma pegadinha, porque me botaram no camarim, falaram que se eu quisesse maquiar, eu podia maquiar, falando com o meu noivo, eu achei que montaram alguma coisa com a minha mãe, descobriram minha história, porque o Luciano gosta de contar história de juventude, de favela e achei que eu era a pessoa da vez.

Sendo muito sincera, acho que para várias coisas da minha vida, eu funciono do mesmo jeito, não tinha muita expectativa. Se você me perguntasse há um ano, se eu sonhava em estar na televisão, vai ser mentira se eu disser que sim. Não tinha nem a perspectiva de estar na televisão, não tinha esse sonho construído na minha cabeça. Não era algo que eu planejei minha vida inteira, como tem pessoas que estudam para estar na televisão”.

"Teve um dia que ele viu uma foto no Instagram e comentou para ir com o cabelo no programa. É nesse nível de chegar junto, falar o que é legal e o que não é legal, indicar o caminho. Ele é muito acolhedor. Eu não esperava. A gente do Nordeste tem uma visão do Luciano Huck, quase um semideus, uma pessoa abstrata, só existe na minha televisão. Quando comecei a conviver com ele, vi que ele é bem real. O que precisa ser dito, ele vai dizer, ele não tem muita amarra nesse lugar, ele fala o que acha que vai dar errado ou não.

Tive uma conversa com ele, porque eu não sei de nada de televisão, para ele me dar o caminho das pedras. Ele falou para não fazer nenhum curso, porque o que me fez ser selecionada, encaixar na câmera, é a forma espontânea. Isso traduz pessoas que não estão na televisão, porque eu sou nordestina, tenho sotaque pernambucano. Se eu fosse para qualquer lugar, aprender qualquer coisa, eles iam me colocar num padrão que é o da televisão hoje ainda, forma de falar, velocidade, tem toda uma fórmula.

Continuei sendo quem eu sou o máximo possível. Fiz o processo contrário de não me encaixar no padrão, tento não me adaptar, tento não fazer igual todo mundo. Tento ser o mais natural possível, porque isso que faz ser diferente, o tom de voz, isso que faz a pessoa que está assistindo no domingo à noite, que está tão acostumada com o Luciano, quando entra a minha voz, ela vê que alguma coisa mudou. Isso que faz a pessoa prender a atenção”.

“Hoje, sou a única pessoa preta no elenco fixo e nordestina dentro Dona Deia Lucia, Lívia Andrade, Rafael Portugal, Padre Fábio de Melo, Letticia Munniz. Isso, no início, eu pensei que não quero ser a pessoa que vai falar de racismo o tempo inteiro nesse programa. Não quero ser a porcentagem preta que vai ser ativada sempre que o programa precisa de uma mensagem de impacto, porque isso acontece muitas vezes, o fato da pessoa ser a única e ser ativada nesse lugar.

Eu quero falar sobre namoro, sobre sapato alto, coisas mais leves do dia a dia, que a Dona Deia fala, que a Lívia fala, também quero ser essa pessoa. Para mostrar que as pessoas pretas não estão numa caixinha só de falar de racismo o tempo inteiro, falar de dor o tempo inteiro. Mas, quando é necessário, eu também quero falar sobre isso.

“Quando a gente nasce numa favela, no que o Luciano chama de loteria do CEP, aquele ambiente te limita. Quebrar esse ciclo te faz ser um em milhão”.

"Acho que o meu lugar, hoje, dentro do Domingão, está em mostrar que sou uma mulher preta de favela que adora maquiagem, que tem uma estante inteira de salto alto, quer ir para Paris, tem uma vida comum tanto quanto qualquer outra pessoa branca de classe média, mas que faz tudo isso com a consciência de que eu sou uma pessoa preta fora da curva. A grande maioria das pessoas pretas no Brasil não tem acesso a isso.

“Recebo mensagens quase todos os dias de pessoas que falam que a filha me viu na TV e quis ir com o cabelo igual no outro dia e quer saber do penteado. Recebo esses indícios de que estou no caminho certo. Mas quero aumentar cada vez mais essa parcela dentro do programa".

“Moro em Brasília há mais ou menos dois anos, porque eu faço meu mestrado. Quando comecei no Domingão, fazia seis meses que eu tinha entrado no mestrado. Vida dupla literalmente, venho para Brasília, eu sou pesquisadora, mestranda e viajo para o Domingão na quinta-feira, sou apresentadora de TV.

Faço meu mestrado em Políticas Públicas e Governo, fazendo uma pesquisa com mudança climática e população vulnerabilizada, população preta, parda, indígena. As pessoas sempre perguntam se eu não vou para o Rio, acho uma cidade maravilhosa, mas eu estou construindo a minha vida em Brasília e até onde eu puder levar, eu vou levar em Brasília. O Rio vai me chamar no momento que for para ir.

Vim para Brasília sem nada, sem trabalho, eu tinha uma bolsa de pesquisadora do mestrado, mas a bolsa de governo só começa a ser paga dois meses depois, passei dois meses em Brasília sem nada. Trabalhava de bartender em shows, fazia foto para festas, mas a maior parte da minha renda vinha de atendimento ao público que eu fazia nos festivais de shows em Brasília”.

“Quando aconteceu tudo isso do Domingão, eu tive esse pensamento de parar tudo e ir para o Rio, mas pensei novamente que, se for para dar certo vai dar certo, fazendo o mestrado. E o mestrado é importante para a TV Globo também. Tive esse um ano estando na Globo, nessa vida dupla, sem investir nessa vida de pessoa pública.

E não me foi exigido que eu travasse tudo do mestrado e me mudasse para o Rio para fazer o programa. Luciano, equipe, ninguém exigiu. Isso vai muito do meu sentimento do que eu estiver disposta".

"Meu perfil tem menos de 7 mil seguidores por conta disso, não investi nessa vida de celebridade, que muita gente falou para largar o mestrado, ir embora para o Rio, viver de ser bonita. Mas, na minha cabeça, eu preciso terminar, porque teve um tantão de gente que trabalhou, deu tudo de si para que eu conseguisse chegar onde eu estou hoje.

Agora que eu finalizei minha pesquisa, estou entregando minha dissertação, terminei todas as disciplinas, 2024, eu vou investir em mim enquanto pessoa pública, mídia, gerenciamento de redes, essa coisa toda que o pessoal faz”.

"Trabalhava como modelo em Recife desde 2015, quanto tinha 18, surgiram muitas coisas de ir para São Paulo, tentar carreira internacional e eu tinha acabado de entrar na graduação. Desde essa época, eu tinha muito na minha cabeça, que se fosse para dar certo, daria certo, mas eu não posso largar a minha educação.

Gil do Vigor já viralizou falando isso, acho que é uma perspectiva de pessoas de favela que conseguem ascender para um ensino superior...Neguei várias coisas na época de modelo, como temporada internacional, porque eles exigiam que eu parasse a faculdade e eu não ia parar.

“Morava numa quitinete muito pequenininha, que eu levantava a mão e tocava no teto, tenho 1,75. Agora, a gente se mudou para uma casa num condomínio fechado, com piscina, segurança, portaria, quintalzão, pé de manga, sala gigante, coisa que meus pais nunca tiveram. Estou indo para a Suíça a trabalho e vou conseguir pegar três dias a mais, vou pegar um trem e ir para Paris sozinha. Hoje, eu tenho tudo isso.

Meu pai foi diagnosticado com catarata, vai precisar fazer uma cirurgia e eu posso dizer para ele ir para o hospital e me mandar a conta que eu pago. Isso parece uma besteira, algo muito pequeno, mas, há um ano, uma tia muito próxima, que me criou na infância enquanto minha mãe trabalhava como doméstica, adoeceu com Alzheimer, evoluiu para outras coisas e ela ficou em hospital público. Eu não tive como tirá-la e colocar em hospital particular, ter plano de saúde”.

“Ganhei a visibilidade, usei isso para entrar em alguns espaços que hoje me faz ter conexão com pessoas. Se eu tiver algum problema, eu tenho pessoas que posso ligar”.

“Me descobri como comunicadora de audiovisual, porque já trabalhei muito com sala de aula antes, a minha vida na comunidade, organizando, me preparou para a televisão. Por ter tido essa experiência prévia de pegar uma sala de 50 pessoas, prender e guiar para um objetivo, me faz querer muito isso na televisão.

O Domingão fala com quase 40 milhões de pessoas todo domingo. A maior parte dessas pessoas é classe D, E, mulheres, Rio e São Paulo, mas existe uma parcela grande de pessoas de outras regiões tipo Nordeste, Norte, interiorzão da Amazônia tem gente assistindo ao Domingão.

Olho para tudo isso e penso que é a maior sala de aula que eu já peguei na minha vida. Estou num lugar onde consigo exercitar o meu propósito de vida, que é trazer a força do sonhar para essas pessoas. O maior programa da televisão brasileira hoje, se falar em números. Esse é o exponencial. Quero conseguir ter um quadro, numa bancada, alguma coisa nesse lugar para conseguir falar cada vez mais sobre isso, sobre a possibilidade de sonhar independentemente das coisas que estão ao seu redor”.

"Não me vejo em outro lugar, porque, querendo ou não, o domingo à noite é o domingo sagrado da família brasileira e é com essas pessoas que eu quero conversar, não tem outra parcela, com pessoas como minha mãe, meu pai. O domingo à noite é o Domingão, não tem outro caminho.

Eu sou muito nerd também, saí estudando tudo o que é métrica, estudei a população do Domingão, a audiência e fui descobrindo que não tem outro lugar. Parece slogan da TV Globo, mas é real: domingo à noite é o horário sagrado da família brasileira trabalhadora, que trabalha de segunda a sexta. Aquele momento que o pessoal está sentado no sofá assistindo à TV, porque não tem outra coisa para fazer, porque o acesso ao lazer para essa população é muito raro”.