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Entrevista

Kongjian Yu: “É possível transformar um município em uma cidade-esponja em cinco anos”

Arquiteto chinês criador do modelo diz que, com bom projeto e mobilização da sociedade, mesmo um município densamente povoado pode se tornar resiliente à água

Kongjian Yu / TurenscapeYu: uma quase tragédia na infância o motivou a desenvolver soluções baseadas na natureza para absorver e utilizar águas pluviais e fluviais nas cidadesKongjian Yu / Turenscape

O arquiteto paisagista e urbanista chinês Kongjian Yu, professor da Universidade de Pequim e diretor do escritório de arquitetura paisagística Turenscape, um dos maiores do mundo, costuma contar uma história de quando caiu num rio ainda garoto no interior da China. Ele conseguiu se salvar ao agarrar nos galhos que estavam na beira do riacho. Depois de crescido, ao voltar ao seu vilarejo, engenheiros haviam concretado o canal e ele pensou: “Eu não me salvaria mais se caísse num rio assim. Onde iria me agarrar nesse canal com margem de concreto?”.

Em seus premiados projetos em cidades na China e em outros países, Yu adota a natureza e a metodologia conhecida como soluções baseadas na natureza para absorver, limpar e usar as águas fluviais e pluviais – em vez de expulsá-las com pressa das áreas urbanas com canalizações.

Graduado na Universidade Florestal de Beijing e doutor pela Universidade Harvard, nos Estados Unidos, com 61 anos, Yu diz que não dá para brigar com a água e é preciso se adaptar a ela, lembrando das práticas dos agricultores de sua infância, que construíam terraços nas montanhas e lagos e eram “amigos da água”. Seus projetos buscam diminuir a velocidade das águas urbanas e lhes dar espaço para que se espalhem (saiba mais sobre as cidades-esponja aqui).

Em entrevista concedida por e-mail a Pesquisa FAPESP, Yu fala sobre os projetos, os desafios e as possibilidade de transformar cidades como São Paulo em municípios resilientes à água e ao aquecimento global.

Quais os principais desafios no planejamento de uma cidade-esponja?
Em primeiro lugar, a estupidez e a teimosia da espécie humana, a mentalidade míope, voltada para soluções únicas. Em seguida, o modelo de business as usual e o sistema de conhecimento e infraestrutura intelectual baseados na chamada civilização industrial. Em terceiro lugar, há o aspecto social e político: os tomadores de decisão não querem ser inovadores nem se arriscar com o novo. Por fim, há o aspecto técnico, pois em geral não há uma padronização nem uma fórmula de engenharia para as cidades-esponja com soluções baseadas na natureza e, normalmente, falta um modelo de negócios amadurecido para a operação.

Dá para transformar uma metrópole como São Paulo em uma cidade-esponja?
Com certeza, se vocês tiverem um bom projeto, fizerem direito e mobilizarem a comunidade. Mas atenção: é preciso resolver o problema das inundações em duas escalas: na urbana e no nível regional. São necessários, portanto, os sistemas de esponja urbano e o de esponja regional na gestão das bacias hidrográficas. Se as autoridades públicas estão determinadas a resolver o problema, um governo forte e organizado pode transformar o município em uma cidade-esponja resiliente à água em cinco anos; um governo fraco ou ineficiente pode demorar uma eternidade. O certo é que as soluções que propomos trazem múltiplos benefícios, além da segurança contra as enchentes, como a restauração da biodiversidade, o tratamento da água, uma paisagem mais fértil, produtiva e bonita. Sem falar que contribui para a mitigação das emissões de carbono e do aumento do nível dos oceanos.

Em entrevista recente ao New York Times, você disse que “se as superfícies permeáveis ou os espaços verdes chegarem de 20% a 40% da área de uma cidade, é possível praticamente resolver o problema da inundação urbana”. Mas e se a cidade já está densamente construída e grandes faixas de terra não estão disponíveis?
O problema da enchente urbana, aquela que acontece no centro da cidade e não na bacia hidrográfica regional, pode ser resolvido, com telhados verdes, coleta da água dos telhados, gestão integrada das águas pluviais com quadras esportivas e estacionamentos com pavimentos permeáveis. As soluções baseadas na natureza podem ser integradas com o sistema de drenagem existente. Se a enchente for um fenômeno regional, é preciso criar um sistema de esponja na bacia hidrográfica.

Kongjian Yu / TurenscapeParque de Manguezais de Sanya (imagem maior), um dos projetos do arquiteto, e os estudos para escoamento da águaKongjian Yu / Turenscape

Poderia indicar uma cidade onde o conceito e o projeto de cidade-esponja funcionam bem?
Sanya, na província chinesa de Hainan, é um bom exemplo de uma cidade-esponja completa. Situada em região de monções, costumava sofrer terríveis enchentes e secas. Hoje é uma cidade-esponja celebrada. Alguns grandes projetos que fiz para essa cidade [com população de 1 milhão de habitantes] incluem um parque central-esponja, o Parque de Área Úmida Dong´an, o rio-esponja, o Manguezal de Sanya e a rua-esponja via Fenghuan. Ela é também o primeiro modelo oficial em larga escala de cidade-esponja da campanha de 2015 [patrocinada pelo governo chinês] e passou ao longo de 10 anos por climas difíceis, apresentando bons resultados. Há outras cidades, como Nanchang [6,2 milhões de habitantes], na província de Jiangxi, onde criamos o Parque Rabo de Peixe [a um custo de US$ 43 o metro quadrado]. A cidade é enorme e o projeto resolve apenas a inundação urbana em parte dela.

Seu trabalho sempre teve como foco o conceito das cidades-esponja?
Trabalho com cidades-esponja e infraestrutura ecológica há mais de 27 anos, desde que voltei para a China, em 1997, dois anos após finalizar o doutorado nos Estados Unidos. Liderei o desenho e a construção de mais de mil projetos em mais de 250 cidades chinesas, em escalas variadas. As cidades-esponja são o meu foco principal. Como sempre digo, a água é a chave para o ecossistema humano urbano. A maioria dos meus projetos tem como alvo uma questão específica, como inundações, secas, restauração de hábitat, aumento do nível das marés, limpeza da água, proteção ao patrimônio cultural e revitalização rural, mas os projetos individuais são sempre holísticos e fornecem múltiplos serviços ecossistêmicos, incluindo abastecimento, regulação, suporte à vida, embelezamento e serviços econômicos e sociais.

A construção de cidades-esponja é suficiente para conter os efeitos do aquecimento global em áreas urbanas?
É uma questão de definir o que é suficiente. Eu diria que a cidade-esponja é uma solução baseada na natureza holística, que trata ao mesmo tempo das inundações urbanas, do calor e da restauração do hábitat. Se você quiser reduzir o calor das cidades em 2 ou 3 graus Celsius (oC) ou até mesmo em 4 ou 5 oC em um local específico, as esponjas verdes certamente funcionarão. Diria o mesmo em relação às inundações previstas para ocorrer a cada 50 a 100 anos, desde que haja um bom planejamento e a construção de um sistema de esponja em nível regional e urbano. A tarefa de adaptação ao clima regional e local pode ser alcançada com a estratégia da cidade-esponja que, por certo, também vai contar com algum grau de engenharia de infraestrutura cinza. O clima, porém, é uma questão global. Resolver o problema local e regional certamente contribuirá tanto para a mitigação como para a adaptação do clima numa escala global.

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