Na esquina entre a Rua General João Telles e a Avenida Osvaldo Aranha, no bairro Bom Fim, em Porto Alegre (RS), encontra-se o Bar Ocidente. Apesar de não ter sido impactado diretamente pelas chuvas e enchentes que atingiram cerca de 90% do estado, segundo a Defesa Civil, o negócio fechou as portas durante o mês de maio, devido ao estado de calamidade pública das regiões vizinhas. Agora, à medida que as atividades culturais são retomadas, o bar resolveu acolher outras casas noturnas que foram gravemente comprometidas pela catástrofe climática.
Atualmente, um dos maiores desafios enfrentados pelos pequenos negócios é o processo de reconstrução. Afinal, alguns tiveram suas estruturas físicas completamente destruídas, tomadas pelo barro e levadas pela correnteza. Entre os locais afetados na capital gaúcha estão as casas noturnas Cabaret, Córtex e Venezianos, que estão realizando suas produções socioculturais no espaço cedido pelo Bar Ocidente. Os três negócios ficavam localizados no Centro Histórico e no 4º Distrito, duas das áreas mais atingidas na cidade.
O Bar Ocidente foi fundado nos anos 1980 por um grupo de seis amigos recém-formados na universidade, entre eles Antônio Barth. Atualmente com 71 anos, ele é o único sócio que se manteve na gestão. Há mais de 40 anos no campo do empreendedorismo, o gaúcho já vivenciou alguns percalços durante a construção do próprio negócio. No entanto, ele relata que nunca havia presenciado uma situação semelhante, com tantos colegas empreendedores tendo seus comércios fisicamente devastados.
“Nós somos extremamente privilegiados. Ainda que nos chegasse a faltar água, não nos faltou luz em nenhum momento. O que mais nos afetou foi a impossibilidade de fazer festa em um momento desses. Tivemos a pandemia de covid-19, que nos deixou mais de um ano e meio fechados, quase foi o fim da nossa casa. Agora, quando estávamos começando a resistir de novo, acontece uma coisa dessas com a nossa cidade. Ficamos um mês fechados sem saber o que fazer”, relata o empreendedor.
Além do contexto delicado, a casa noturna se deparou com a falta de profissionais artísticos, como cantores, músicos e produtores, que também sofreram as consequências das chuvas. Como o Bar Ocidente estava intacto, surgiu a ideia de abrir o espaço para que outros comércios pudessem usufruir do espaço coletivamente, utilizando a arte e a cultura como ferramenta de reconstrução da economia local.
“Toda a nossa produção [de shows e festas] parou, mas vimos que as pessoas [donas de estabelecimentos] estavam precisando do nosso espaço. Elas precisam do mínimo de dinheiro, nem que fosse para faxinar os seus lugares. Então abrimos para essas três casas [Cabaret, Córtex e Venezianos]”, explica Barth, popularmente conhecido como Fiapo.
Com a iniciativa, as casas noturnas puderam usar o espaço para realizar shows e festas, visando utilizar os valores dos ingressos para suas próprias reconstruções e para ajudar a população local. “A comunidade de festas e musical se animou a fazer eventos beneficentes. Os valores arrecadados com os ingressos foram destinados totalmente às pessoas atingidas, principalmente do Centro Histórico e do 4º Distrito”, afirma.
Segundo Barth, a decisão de ajudar outros locais veio a partir de experiências próprias. “Estávamos tentando dar algum tipo de apoio, né? Sentimos na pele o que é ter a insegurança do amanhã, sem saber como as coisas vão funcionar e com 30 funcionários [para pagar]”, desabafa.
Além das três casas noturnas, o Bar Ocidente cedeu seus espaços para pequenos coletivos de performances teatrais e de música independente. “Durante a semana passada um grupo de jovens fez um evento aqui, mas o ingresso deles era apenas alimentos. Eles arrecadaram uma quantidade enorme em quatro horas, foi bonito e emocionante de ver”, diz.
Segundo o empreendedor, o Bar Ocidente esperava faturar cerca de R$ 500 mil em maio, por ser um período de grandes festividades e celebrações locais. No entanto, com o fechamento, o faturamento do mês anterior sequer chegou a R$ 5 mil. Ssó foi possível manter os funcionários e manutenções do espaço físico devido a um fundo financeiro emergencial e a empréstimos bancários. Agora, enquanto as casas noturnas utilizam o espaço e recebem o valor dos ingressos, o Bar Ocidente lucra com a venda de comidas e bebidas.
“Olha, poucas casas vão conseguir funcionar nos próximos meses. O que sobrou foi lama, as coisas foram arrancadas. Vi geladeiras industriais sendo carregadas [pela água]. Era impossível pensar que uma coisa dessas pudesse acontecer dentro de uma cidade, é assustador”, afirma.