De 2018 a 2022, R$ 43 milhões em crédito rural foram destinados a 12 propriedades envolvidas com irregularidades socioambientais na Amazônia. Isso é o que aponta o relatório Bancando a Extinção: bancos e investidores como sócios no desmatamento, da ONG Greenpeace, divulgado nesta segunda-feira (8). O documento analisou o financiamento de propriedades envolvidas em atividades como desmatamento, grilagem e criação de gado em áreas protegidas, além de violações aos direitos humanos.
O levantamento do Greenpeace considera como irregularidades o descumprimento do Manual de Crédito Rural (MCR) e questões mais amplas, como ir contra o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (Snuc) e a Constituição, que não prevê a ocorrência de propriedades dentro de Terras Indígenas (TI), conforme o artigo 231.
O crédito rural é operado tanto por bancos públicos quanto privados nacionais e internacionais, sob autorização do Banco Central do Brasil. Destinada a produtores rurais, essa política é, em partes, subsidiada pelo governo para oferecer juros mais baixos e prazos maiores aos seus beneficiários e tem como objetivo incentivar a agricultura e reduzir seu impacto ambiental.
A Fazenda Nosso Canto, em Rondônia, é um destaque do estudo. Ela está localizada dentro da Terra Indígena (TI) Uru-Eu-Wau-Wau, que é "um dos casos mais emblemáticos da frouxidão que tem marcado a oferta de crédito que acaba por financiar o crime na floresta”, segundo o relatório.
Ao menos dez remessas de gado da fazenda teriam sido negociadas com o frigorífico JBS entre 2019 e 2022. E o proprietário ainda possui uma segunda fazenda na mesma TI, para a qual obteve crédito rural destinado à “manutenção/criação de animais”, mesmo sem sinais de pecuária.
Em nota enviada a GALILEU, a JBS afirma que sua política de compras "observa os critérios do Protocolo Unificado de Monitoramento de Fornecedores de Gado da Amazônia, elaborado pelo Ministério Público Federal e pelo Imaflora." E ainda: "Sobre o caso trazido pela reportagem, a empresa informa que a Fazenda Nosso Canto cadastrada na JBS não é a mesma indicada no relatório. Outras duas propriedades do produtor estão atualmente bloqueadas."
Já a Fazenda Arizona, em Rio Branco, acumulou um desmatamento de 420 hectares entre 2016 e 2022, e metade de sua área está sobreposta a uma Floresta Pública Não Destinada (FPND). Seu proprietário, contudo, recebeu mais de R$ 16,7 milhões em crédito rural no período analisado por meio de dez contratos com bancos, uma vez que a propriedade não havia sido embargada pelo Ibama.
O relatório destaca que, de acordo com o MCR, o impedimento à concessão de crédito ocorre somente em casos de imóveis embargados — o que reflete uma “lacuna” nas regras atuais para a política de crédito que permite que o grileiros e desmatadores sejam financiados, segundo a ONG.
Apesar disso, o Greenpeace ainda aponta a existência de 798 imóveis embargados pelo Ibama que receberam o crédito rural. Mesmo após embargo, o proprietário da Fazenda Cachoeira Dourada, localizada em Novo Repartimento (PA), firmou, em 2019, dois contratos de financiamento de R$ 885 mil com o Banco da Amazônia para compra de gado e custeio da criação de bovinos. Sua fazenda, porém, havia sido multada em 2016 por desmatamento ilegal.
Além das 12 propriedades analisadas, receberam crédito rural 10.074 propriedades com sobreposição a unidades de conservação; 24 propriedades sobrepostas a terras indígenas; 21.692 imóveis com sobreposição a florestas públicas não destinadas; e 29.502 propriedades com desmatamento no bioma amazônico.
Desses casos, os alertas recaem principalmente sobre 41 imóveis encontrados em áreas de proteção integral, onde não deve haver qualquer atividade econômica, e aqueles em terras indígenas.
Sistema financeiro
Para Cristiane Mazzetti, porta-voz do Greenpeace, é preciso que os reguladores de todas as formas de financiamento do agronegócio ajam para melhorar a destinação de recursos. “Começamos pelo crédito rural porque enxergamos que, lá atrás, colocar a restrição de crédito para quem tinha embargo já teve um resultado expressivo na redução do desmatamento”, comentou Mazzetti em coletiva de imprensa virtual nesta terça-feira (9).
No Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), do governo federal, lançado para o período de 2023 a 2027, está prevista a revisão de regras do Manual de Crédito Rural de modo a vetar crédito para produtores “com irregularidades ambientais e fundiárias.”
Em 2008, a Resolução 3.545 impôs regras para a concessão de crédito rural a atividades agropecuárias nos municípios do bioma amazônico. A medida fez com que, até 2011, R$ 2,9 bilhões não fossem destinados a propriedades com irregularidades e impediu que mais de 2.700 km² de área florestal fossem desmatados.
“É preciso colocar em prática, por exemplo, a exigência de monitoramento contínuo das propriedades financiadas e a verificação da legalidade do desmatamento se esse for identificado no imóvel rural, vide que apenas uma pequena porcentagem do desmatamento ilegal é embargada", afirma Mazzetti, em comunicado.
Por meio do somatório dos contratos de crédito rural presentes no Sistema de Operações do Crédito Rural e do Proagro (Sicor), a pesquisa aponta os dez principais operadores de crédito rural nos territórios da Amazônia Legal em 2022: Banco do Brasil, Caixa Econômica, Banco da Amazônia, Banco do Nordeste, Bradesco, Banco John Deere, Santander, Sicredi, Sicoob e Itaú. "Estamos falando de um problema sistêmico, no qual todos os bancos e seus reguladores têm um papel", disse Mazzetti na coletiva.
Para ela, é importante que as lacunas apontadas pelo relatório provoquem ações. “O objetivo é que tanto os bancos quanto os reguladores deem passos para, de fato, fechar essas questões que ainda permitem que um recurso que tem participação de fontes do orçamento público, do dinheiro dos correntistas, e que é um instrumento importante da política agrícola brasileira não esteja de nenhuma maneira relacionado a irregularidades socioambientais.”