O centro de São Paulo emana referências arquitetônicas a cada esquina, com seus bares, restaurantes, cafés, livrarias e ateliês de arte e design. É nesse cenário que está o apartamento de 180 m², no Edifício Ouro Preto, construído em 1957 por Franz Heep na icônica avenida São Luís.
O local serviu de inspiração para o conceito do projeto de reforma comandado pela arquiteta Renata Moliani (@renatamolianiarquitetura) e pelo designer Fran Fortes (@franfortes).
Segundo a arquiteta, a intenção da obra, desde o início, nunca foi descaracterizar os pontos marcantes do apartamento, mas, sim, ressaltá-los com a valorização dos códigos visuais da arquitetura paulistana das décadas 1960, 1970 e 1980: taco, granilite, ripados de madeira mais robustos, pastilhas, concreto aparente, vidro aramado, espelhos e madeira pau-ferro.
A repaginação geral incluiu a abertura das paredes de um dos dormitórios – eram três quartos – e também a retirada da parede da cozinha para integrá-la à sala. A eliminação das estruturas tem dois pontos assertivos ressaltados pelos profissionais.
O primeiro é garantir mais luminosidade aos interiores, já que o imóvel original era bem escuro. O segundo é em relação à amplitude do apartamento.
Como explica Renata, esse novo living integrado passou a ser um espaço plural, assim como o próprio centro paulistano: "Durante o dia, o home office, a cozinha integrada com o jantar, a sala e o hall são totalmente funcionais para a rotina diária, porém, à noite e em momentos de lazer, funciona como um grande coração, que pulsa e acomoda a galera que o morador tanto gosta".
Uma curiosidade é que a inspiração do home office integrado ao living surgiu do projeto da casa de Ruy Othake, que, para não isolar sua esposa, Tomie Othake, artista que passava horas criando em seu ateliê, fez um espaço único, onde ela participava ativamente dos encontros com a família e os amigos. "Como o morador trabalha muito em casa, viu uma forma de deixar o trabalho mais dinâmico em um ambiente integrado", conta a arquiteta.
Os pilares e as vigas de concreto originais foram propositalmente descascados para ficarem expostos e garantirem uma estética mais brutalista em alusão ao centro de São Paulo. Eles compõem com delicadeza, na visão de Renata, com o piso de taco de madeira maciça no padrão escama, original da época, que foi minuciosamente recuperado, assim como as janelas originais do apartamento.
Os materiais escolhidos seguem referências visuais de edifícios icônicos do centro, como granilite com espaçadores de prata, encontrados nos pisos de uma grande parte das galerias paulistanas, e também os ripados mais pesados, que foram escolhidos para o hall e os armários da cozinha, presentes na Galeria do Rock e no Edifício Copan.
Para promover destaque à materialidade, as cores escolhidas para o apartamento foram as neutras, como branco, cinza e preto. "Assim, com a base neutra, o morador pode 'brincar' com os quadros e os itens decorativos que ele ama trazer das viagens", diz Renata.
Aliás, a paixão pelo garimpo e a coleção de memórias afetivas do morador – um empresário solteiro que mora sozinho – nortearam a proposta decorativa em detrimento da moda recente. Como um viajante assíduo, trazer lembranças de suas viagens sempre foi um hobby, assim como integrar à decoração tudo aquilo que o faz "vibrar", como a prancha de snowboard.
De suas viagens vieram, por exemplo, as fechaduras de todas das portas do apê e o pendente metálico da bancada da cozinha, que são dos Estados Unidos. Objetos que fazem parte da sua infância também permeiam os ambientes, como a charmosa carteira escolar de madeira, que faz as vezes de banco, o tronco-revisteiro e a poltrona Kilin, de Sergio Rodrigues, lembranças de sua mãe.
Eles se juntaram ao arquivo de ferro garimpado e decorado com esculturas do designer Paulo Alves, e às peças de designers brasileiros, como mesa e cadeiras assinadas por Jorge Zalszupin, de 1960, e a poltrona Eames LCW. A coleção de quadros também não deixa a desejar, com um compilado de grandes nomes da arte, como Mulheres Barbadas, Antonio Peticov e Sixe Paredes, entre outros.
"O Apê São Luís [carinhosamente apelidado] é um exemplo dos muitos apartamentos que pulsam no centro de São Paulo, cheios de potencial e história, prontos para serem restaurados e voltarem a brilhar com nova roupagem. Acredite: essa combinação é tão irreverente quanto certeira", conclui Renata.