Why be normal?

Why be normal?

Esse era o adesivo que meu tio tinha no painel, na frente do passageiro, do seu Astra vinho lá na metade dos anos 90. Meu tio tinha 30 anos e eu idade suficiente para dar umas voltas dirigindo o carro dele pela noite carioca.

A família não se preocupava comigo por naquele momento da vida estar bem dentro das expectativas de todos, mas quanto ao meu tio, aquele adesivo era a menor das polêmicas que ele gerava na família.

Cabelos cacheados bem longos, solteiro, amante de rock and roll e do Carnaval baiano, tricolor assíduo do Maraca, engenheiro formado mas com uma carreira bem fora do padrão esperado. E apesar de receber as reprovações dos mais velhos e até dos mais novos, meu tio era o que eu descobri muito tempo depois que eu também queria ser: "Livre e rebelde!"

Sonhei com ele esses dias e acordei inspirado a escrever sobre "ser normal", principalmente no mundo corporativo.

A palavra normal vem do latim normalis e quer dizer "de acordo com a regra ou norma". Na matemática a curva normal de Gauss é uma "distribuição de probabilidade absolutamente contínua parametrizada" em forma de sino.

Tanto na linguagem escrita como na matemática, o normal é uma tentativa de criar uma regra, um padrão e uma norma. Se falamos em fenômenos naturais, por exemplo, o padrão é que a borboleta azul da Mata Atlântica, considerada uma das mais belas borboletas do planeta, vive entre 15 e 30 dias e não se alimenta. Na medicina uma pressão arterial normal estaria em 12 por 8. Na educação, uma criança normalmente é alfabetizada aos 7 anos de idade. E no mundo corporativo os presidentes de empresa (CEOs) normalmente são homens, héteros, brancos com idade entre 40 e 50 anos.

Todas as frases acima são estatisticamente normais no mundo de hoje, mas qual delas está mudando mais rápido para um outro padrão de normalidade? Em resumo, como dito no famoso artigo da Mckinsey de 2023 sobre diversidade e liderança, empresas performam melhor quando seus líderes e comitês executivos são diversos!

Em um mundo BANI (frágil, ansioso, não-linear e incompreensível) pós-pandemia e a beira da 4a revolução industrial com IA, para que serve hoje um padrão de normalidade?

Sem consultar especialistas físicos ou matemáticos, entendo que a função de um padrão de normalidade hoje (ou sempre?!) tem a ver com controle. Se sabemos que está dentro de um padrão, espera-se uma previsibilidade, um resultado já conhecido ou definido historicamente. O mais normal implicaria em um resultado mais controlável?

E este "padrão normal" nada mais é do que uma definição criada por um grupo de especialistas, ou autoridades no assunto. O "ser normal" é uma criação humana, simples assim. E novamente com o mundo BANI e agora com IA generativa, esse padrão muda a qualquer momento, basta surgirem novos fatos, novos consensos, novos especialistas e sim, de uma hora para outra, o normal é outro. 

Então, para que serve o "normal" no mundo de hoje? Lembrando do adesivo do meu tio no painel do carro: Why be normal?

Por um lado, o padrão atual de normalidade para a pressão arterial evita complicações cardiovasculares, comorbidades ou a morte precoce de uma pessoa. Atletas de basquete normalmente têm alta estatura para reproduzir em quadra as competências físicas já conhecidas para um bom desempenho. As empresas criam inúmeros processos e sistemas de dados para encontrar padrões normais históricos no seu negócio, para controlar seu desempenho e replicar o sucesso que a trouxe até aqui.

Mas por outro lado o termo "normal" faz sentido? Será que não estamos falando de um padrão ou um consenso, ao invés, de um normal com tom de certo e errado, com tom de bom senso, óbvio e natural?

Para ilustrar a reflexão, recorro novamente a um exemplo, dessa vez vivido recentemente em um cliente que atendo:

Uma empresa que vende produtos de saúde on-line revisou todos os seus dados dos últimos dois anos de redes sociais, marketing, mídia, vendas e pesquisas de mercado com IA. Do resultado trazido pelo NLP (natural language processing) "os arquétipos, personas ou clientes padrão" da empresa tinham mudado radicalmente nos últimos meses. Quem eles antes achavam ser o cliente "normal" da marca, simplesmente tinha deixado de ser cliente. E os clientes atuais eram mais jovens, mais diversos, mais engajados e fieis que os anteriores. Aceitar este "novo normal" foi o meu principal trabalho junto à líder de marketing da marca. E neste trabalho de apoiá-la a aceitar essa nova realidade, minha coachee viu o "quanto dela", dos seus vieses, preconceitos e crenças estavam interferindo no "cliente normal" da marca. Esse cliente normal tinha quase o mesmo CPF que ela, líder da marca.

Pois é, não é fácil aceitar e enxergar, que o "ser normal" é em grande parte influenciado por nós mesmos.

Seria possível dizer que o normal é a nossa projeção no outro do que queremos ser e do que acreditamos a partir da nossa história e das nossas crenças?

Fica aqui a provocação para você líder de pessoas no mundo corporativo: Why be normal?

Susie Gonçalves

Regulatory Affairs and Quality Assurance Manager at ConMed Brazil

1 sem

Genial!

André Grativol

General Manager | C-level | Business Director | MedTech | Medical Devices | Pharma | Healthcare | Board

1 sem

Uma boa reflexão repleta de provocação. Isso sim é para sair da caixa! 👏🏻👏🏻

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