Um novo espaço para se discutir produto no jornalismo
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Um novo espaço para se discutir produto no jornalismo

Nesta quarta (23) surgiu a News Product Alliance, uma organização global para ajudar a acelerar a transformação digital sustentável da indústria jornalística. A ideia é oferecer um lugar de encontro para repórteres, editores, gestores de audiência, o pessoal do BI, a turma de vendas, "o cara da TI" -- todo mundo que fica ali orbitando em volta dos mundos editorial, tecnologia, negócios e audiência. Se você trabalha numa redação e não sabe muito bem onde ficam os seus pés, se lá, cá ou acolá, você não está sozinho: produto é hoje a área mais carente das redações, mas é também a área que mais cresce, paga os melhores salários e talvez seja a responsável por orquestrar uma saída sustentável para a crise do modelo de negócios jornalístico na era digital.

Antes de mais nada, há de se reconhecer os milagres que as redações hoje operam. Jornalistas enfrentam demissões em massa, jornadas maiores (será que a redução de jornada durante a pandemia diminuiu a quantidade de trabalho nas redações?), ambientes tóxicos para a saúde emocional e perspectivas cada vez mais confusas em relação ao futuro de suas carreiras. É realmente muito inspirador poder contar com este grupo de pessoas que acorda todos os dias para contar as histórias mais relevantes do nosso tempo, a despeito de todas as dificuldades. E como se não bastasse isso, agora estão sendo conclamados também a ajudar a pensar saídas para a indústria. Mas há caminhos se desenhando e vamos chegar lá.

Há algum tempo venho ouvindo comentários muito parecidos em conversas com parceiros em redações. De que existe uma dificuldade muito grande em conectar as áreas de tecnologia, negócios e o editorial. É aquela velha história do trabalho em silos e divisão entre igreja e estado. Um lado diz que o outro não entende nada de jornalismo ou de negócio. É o motivo pelo qual se falou tanto em "integração" na última década.

"Não conseguimos converter porque a redação não entende que o produto X precisa ser entregue da forma Y" – Alguém de BI


"O pessoal de negócios mais se preocupa com o clique e de encontrar uma forma de limitar o nosso trabalho" – Alguém da redação

Um dos privilégios de trabalhar numa empresa como o Google é poder participar como observador a partir de um ponto de vista muito estratégico nessas interações. Nenhum dos lados está errado, claro. Essa dinâmica de trabalho que estimula a separação entre as áreas tinha um motivo de ser, mas veio perdendo força, principalmente com a descentralização da distribuição de conteúdo. O desempacotamento dos jornais em vários produtos e utilidades digitais aconteceu num contexto de refinamento de técnicas que se provaram muito lucrativas por toda a indústria construída em cima da internet. Hoje, não se discute mais se um produto digital deve ou não ter a experiência do usuário como carro-chefe, muito menos se as áreas devem ser integradas.

Esse descompasso entre as equipes se apresentou como uma oportunidade muito interessante para o Google News Lab, uma das equipes que atuam na Google News Initiative. Dentro do Google o meu time faz um trabalho de intensa mediação entre múltiplas áreas, trabalhando de forma interdisciplinar para enfrentar diversos desafios. 

Vagas na área de produto na redação são as mais difíceis de preencher

Trabalhamos com os times de engenharia no lançamento e desenvolvimento de produtos voltados à área de notícias, como o Google News e o Assine com o Google. Ajudamos na evangelização de temas importantes e caros para as redações e para a empresa, como a qualidade do jornalismo e o efeito nocivo das notícias enganosas. De certa forma, representamos os interesses dos jornalistas dentro do Google, e também somos capazes de articular para jornalistas o ponto de vista do Google em várias frentes.

À medida que essas conversas foram evoluindo, a impressão que tive é que muitas redações ainda não tinham internalizado papéis e funções capazes de fazer essa mediação entre tecnologia, audiência, editorial e negócios. Outras estavam tentando, mas o processo estava sendo doloroso. Outras sabiam da importância, mas precisavam de alguma indicação de por onde começar.

Ao mesmo tempo, começamos a observar uma tendência nas redações que estavam conseguindo sustentabilidade na era digital: todas estavam (mesmo que não intencionalmente) aumentando e refinando sua prática de produto. Seja na contratação de mais profissionais dessa área, seja criando posições e fluxos que pudessem acomodar os frameworks e processos necessários para o ciclo de vida de um produto digital.

Acima de tudo, todas essas redações estavam percebendo algo que a velha redação jamais teve a humildade de reconhecer: a centralidade do usuário na experiência e, em última instância, a centralidade dessa experiência para a manifestação da missão jornalística na era digital. As empresas de jornalismo estão se tornando (também) excelentes empresas de tecnologia. No Google há um mantra: foque no usuário e o resto acontece.

A beleza de se pensar produto no jornalismo é que o foco no usuário é colocado numa posição de tensão em relação aos princípios editoriais. Às vezes o melhor para o usuário sob a ótica individual não representa o interesse de toda uma sociedade. Há pouquíssimas escolas que ajudam a navegar essa encruzilhada, mas o conhecimento está se espalhando. A inteligência produzida hoje nessas trincheiras é esculpida com muita tentativa e erro. É por isso que precisamos de mais jornalistas pensando nesse novo jeito de manifestar a indústria. É o novo "news judgement". E é isso que vai ajudar a escrevermos o próximo capítulo do jornalismo no planeta.

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Crédito: Espen Sundve - The Need For Product Management In Media

Essa oportunidade é também um convite para que os jornalistas possam restabelecer o valor do jornalismo na sociedade. Há algum tempo esse valor não é mais autoevidente. Há lições a serem aprendidas quando tantos produtos digitais conseguem entrar na rotina das pessoas construindo uma relação de valor. Tem muita redação que ainda está presa em esquemas ancorados na rotina do fechamento do papel, por mais que sua operação seja 100% digital.

Bom, e para onde vamos a partir daqui? É por isso que um grupo de jornalistas lançou a News Product Alliance, a primeira organização global de apoio a jornalistas e profissionais de redação que querem desenvolver uma carreira na área de produto. Infelizmente, não existe um manual ou conhecimento consolidado. Também há uma falta grave de profissionais que entendam o contexto das redações, visto que elas operam sob valores e códigos muito diferentes de outros negócios. Não é possível importar uma pessoa de produto de uma startup de e-commerce, por exemplo, e esperar que ela tenha um excelente desempenho gerindo produtos numa redação. Esse é um dos problemas que precisamos endereçar.

Também queremos ajudar na promoção de profissionais que tragam mais pontos de vista dentro das redações em carreiras de produto. As nossas redações são brancas demais. Mulheres precisam de mais segurança. As posições de decisões são ocupadas por homens demais. Essa comunidade nasce com foco em diversidade e pessoas. Precisamos de aliados para construir essa comunidade e acelerar a transformação do jornalismo de dentro para fora. Vamos nessa?

Vem com a gente em newsproduct.org

Fagner Ikamaan

Gerente de Digital e TI Farmácia Rosário

3 a

👏👏 muito boa inciativa. Aguardando novidades. 🤞

Laura Diniz

Cofundadora no JOTA | Jornalismo e tecnologia para tomadores de decisão

3 a

Que demais, Marco!!! Olha só, Patrícia Gomes!

VANDA SAMPAIO

Jornalista e produtora de conteúdo

3 a

Super bacana! Inscrita.

Marcela Gava

Content Analyst @ Gartner

3 a

Marcela Gonzalez Morgado, se liga.

Natalia Puentes-Montoya

Public policy and advocacy || Social entrepreneurship || UX enthusiast

3 a

Heloisa Morel pode ser interessante para complementar a conversa de hj.

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