ESG pode fazer bem ao futebol

ESG pode fazer bem ao futebol

A bola que entra no gol não pode tudo. Existe um contexto de responsabilidades sociais, ambientais e de governança que não está desconectado do que acontece antes, durante e depois do jogo

Ricardo Voltolini


O que pode haver de comum entre os episódios recorrentes de racismo nos estádios, os coros homofóbicos de torcidas e os esquemas de manipulação de resultados no futebol?

Tivessem acontecido numa empresa, os três casos seriam tratados hoje como externalidades de S e de G no ESG. Demandariam atenção especial, estratégia, metas, métricas e investimentos para controlar potenciais riscos operacionais, financeiros e reputacionais.

Gosto de enxergar os benefícios da noção de ESG aplicada ao esporte: cuidados sociais e ambientais, ativismo de causas públicas e políticas de proteção da ética e da transparência distribuem valor a todos os stakeholders. Investidores, patrocinadores, jogadores, torcedores, reguladores, trabalhadores do setor e sociedade têm muito a ganhar com uma gestão mais responsável, compliance financeiro, redução de emissões de carbono, regras anticorrupção e respeito à diversidade e aos direitos humanos.

O futebol seria melhor se os clubes fossem melhores “para” o mundo. E embora esta seja em si uma ideia boa, ela ainda contrasta com a cultura de um setor regido pelo nexo competitivo de ser “o melhor do mundo” e que aceita, em nome da vitória, a “ética do resultado a qualquer custo” – o que significa, muitas vezes, triunfar a despeito da justiça desportiva, tirando proveito de circunstâncias que desvirtuam a regra do jogo, desequilibram a competição e prejudicam o adversário.

Clubes melhores para o mundo e o fim da lógica de ganhar a qualquer custo

A lógica de “ganhar a qualquer custo” – oposta ao que propõe o ESG – está na base da maioria dos desvios éticos no futebol. Em nome da vitória no campo, torcedores e dirigentes tendem a ser complacentes com o juiz inepto que erra a favor do seu clube ou com o jogador que burla a regra para conseguir a vitória. Acham normal atitudes que desmoralizam o fairplay financeiro. Aceitam contratar um jogador a peso de ouro, sem receitas previstas para o salário, comprometendo o pagamento de fornecedores.

Em nome da “cultura do futebol”, divertem-se com os cânticos homofóbicos de provocação da torcida adversária e fazem vistas grossas aos gritos racistas, mesmo sabendo que essas atitudes ferem leis e regulamentos. Naturalizam a corrupção das empresas de apostas e o ato criminoso de jogadores venais que vendem resultados de jogos. Passam pano até para o estupro praticado por jogadores

Como (e por onde) começar um plano de ESG

Assim como uma empresa, um clube de futebol sério, identificado com os valores deste tempo, pode começar sua rota ESG adotando as seguintes medidas:

(1) Fazer um inventário dos grandes temas ambientais, sociais e de governança, avaliar os que podem gerar maior risco, endereçar soluções na forma de ações concretas, com metas, métricas e compromissos públicos;

(2) Organizar as ações sob o guarda-chuva de uma estratégia, conhecida de todos os públicos de interesse, e criar uma estrutura de governança para os temas de ESG;

(3) Estabelecer um plano de ação para gerir adequadamente, em suas estruturas (centros de treinamento, estádios e transportes), recursos naturais. Compensar o carbono emitido em jogos e treinamentos, reciclar resíduos nos estádios, utilizar energia renovável, implantar um sistema de reuso de água para servir suas instalações são providências necessárias;

(4) Implantar um programa de compliance, com auditoria, ouvidoria, canal de denúncias, treinamento, códigos de ética e conduta, regulamentos e política de punições.

(5) Sendo o futebol um vetor de transformação social, os clubes podem criar ações semelhantes aos Programas de Desenvolvimento Educacional e Social obrigatórios para as SAFs e apoiarem a base de formação dos profissionais, o elo mais frágil de sua cadeia de valor;

(6) Elaborar uma política de compras sustentáveis assegurando que todos os suprimentos dos clubes (inclusive os materiais esportivos) respeitem critérios socioambientais em toda a cadeia de valor;

(7) Utilizar o forte vínculo com torcedores, a permanente exposição na mídia e a inserção em diferentes comunidades com o objetivo de “educar” stakeholders para causas como a ética, justiça, solidariedade, respeito à diversidade e aos direitos humanos, fair play, economia circular e mudanças climáticas.

(8) Publicar relatórios de sustentabilidade, comunicando de forma transparente suas ações e compromissos ESG.


Ricardo Voltolini é CEO da Ideia Sustentável, fundador da Plataforma  Liderança com Valores, conselheiro, mentor, palestrante e autor de 11 livros, entre os quais “Vamos Falar de ESG?” (Vôo, 2022)

 

Naieli Mücke

Integridade | Compliance | Governança | LGPD | ESG

3 m

Artigo extremamente relevante, de suma importância. O futebol não pode ser "terra sem lei". Há poucos dias comentei, que uma empresa "normal" envolvida com casos de racismo, corrupção, seria massacrada pela mídia, consumidores e estaria fadada ao fracasso. Porém no futebol .... Precisamos da mudança da cultura.

Seria um grande passo. Os clubes devem trilhar o caminho de empresas grandes que são e não vejo como deixar de lado essas transformações. Porém... acreditando na força popular deles como vetor educacional e transformacional par todas as camadas sociais, é um caminho bastante árduo, especialmente em respeito ao S e ao G. A necessidade é inquestionável e inadiável. Quem sabe poderemos voltar a ter duas torcidas nos clássicos sem a pesada ameaça de tragédias, não seria ótimo?

José Ricardo Pimenta Carneiro

Consultor em Comunicação | Marketing, Patrocínios, ESG

3 m

Belo artigo, Ricardo Voltolini! Aborda objetivamente muito do que falamos e discutimos no I Fórum Brasileiro ESG no Futebol, realizado no ano passado no Museu do Futebol . Acredito que há muito espaço para a discussão sobre as práticas ESG nos clubes de futebol e que os níveis de exigência do público vão além da performance esportiva e do equilíbrio financeiro.

Carla Lima

Administrativo | Recursos Humanos | Departamento Pessoal | ADP | Protheus | Responsabilidade Social e Sustentabilidade | Multiplicador Sistema B | CSC

3 m

Ótima reflexão, Ricardo Voltolini. Uma empresa com liderança engajada (e preparada) nestes pilares, comunica-se com a sua torcida da mesma forma; fluindo-se naturalmente os seus valores. Um relatório simplificado também tem sua contribuição na comunicação.

Nancy E Pinilla C

MSc. ADM Gestão Humana e Social, Responsabilidade Social | MBA em gestão ESG | Representatividade Socioambiental

3 m

Ricardo Voltolini . Muito oportuno essa Chamada. Do ESG no esporte .. focando o futebol . . Amei essa frase de os clubes deveriam se preocuparem em ser os melhores para o mundo . Eu sou entusiasta e pesquisadora deste tema . Podemos falar.. ..

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