COMENTÁRIO

Paradoxo da grelina: descobrindo novas vias para o tratamento da obesidade

Dra. Dimpi Desai e Dra. Ashni Dharia

Notificação

1 de julho de 2024

Mesmo com muito esforço, 80% das pessoas que emagrecem recuperam o peso perdido, e muitas acabam pesando ainda mais do que inicialmente em até cinco anos. Um dos motivos é que o organismo resiste ao emagrecimento, aumentando a fome e desacelerando o metabolismo após a perda ponderal. Nas discussões atuais sobre obesidade, a grelina, conhecida como o “hormônio da fome”, está no centro das atenções, desempenhando um papel crucial na estimulação do apetite e facilitação do ganho de peso. 

Intervenções para perda ponderal, como dieta ou cirurgia de derivação gástrica, podem desencadear um aumento nos níveis de grelina, estimulando potencialmente o ganho de peso no longo prazo. Sendo assim, o hormônio se mantém como um importante objeto de estudo na busca por tratamentos inovadores para a obesidade. 

A grelina, produzida no estômago, atua como um hormônio intestinal orexígeno e induz a secreção do hormônio do crescimento (GH). Em meio a um complexo equilíbrio energético, peptídeos centrais e periféricos, como grelina, leptina, adiponectina e insulina, desempenham papéis fundamentais. Eles regulam a fome, a saciedade e o metabolismo, influenciando o peso corporal. 

Desde a descoberta da grelina, em 1999, pesquisas em modelos murinos e seres humanos têm focado no seu efeito sobre a regulação do apetite e nas suas implicações no controle de peso no longo prazo. Quando a fome surge, os níveis de grelina aumentam, enviando sinais ao cérebro que elevam o apetite. Após uma refeição, a grelina diminui, indicando saciedade. 

Estudos mostram que indivíduos que receberam grelina por via subcutânea apresentaram um aumento de 46% na fome e comeram 28% a mais na refeição seguinte, em comparação com aqueles que não receberam a injeção.

Seria razoável esperar níveis elevados de grelina em indivíduos obesos, mas não é isso que ocorre. Na verdade, os níveis são normalmente mais baixos nesses indivíduos do que em pessoas mais magras. Esse achado parece contradizer a ideia de que a obesidade é causada por um aumento nos níveis do hormônio da fome.

O excesso de peso pode gerar uma hipersensibilidade à grelina, na qual um aumento do número de receptores leva a uma maior estimulação da fome, mesmo com níveis hormonais mais baixos. Além da fome, a grelina também pode levar à chamada "alimentação emocional", em que uma pessoa come em situações de estresse ou ansiedade. A grelina e os seus análogos sintéticos aumentam o peso corporal e a massa gorda por meio da ativação de receptores no núcleo arqueado do hipotálamo (Müller et al. e Bany Bakar et al.). Nesse local, ela também ativa as vias de recompensa do cérebro, levando ao desejo por alimentos mesmo quando não estamos com fome. Essa ligação entre a grelina e a alimentação emocional pode contribuir para a obesidade induzida pelo estresse. 

Na minha prática clínica, tenho visto indivíduos ganharem mais peso quando estão mais estressados e privados de sono. Isso ocorre porque os níveis de grelina aumentam nesses cenários, o que influencia, inclusive, o ganho de peso em mulheres durante o puerpério e a menopausa. 

As evidências também sugerem que certos alimentos impactam os níveis de grelina. Após a ingestão de carboidratos, os níveis diminuem rapidamente, porém essa queda é seguida por um aumento, gerando novamente a sensação de fome. Por outro lado, a ingestão de proteínas ajuda a suprimir os níveis de grelina por mais tempo. Portanto, orientamos os pacientes a aumentar a ingestão de proteínas e, ao mesmo tempo, reduzir a ingestão de carboidratos, ou sempre comer esses dois macronutrientes juntos.

O aumento da produção de grelina em indivíduos com obesidade que emagrecem após realização de jejum ou restrição calórica, e tentam manter essa perda de peso, faz sentido. O efeito pode ajudar a explicar por que pessoas que emagrecem muitas vezes têm dificuldade em manter a perda ponderal. Nesses casos, o aumento dos níveis de grelina após o emagrecimento pode levar esses indivíduos a comer mais. 

Duas importantes cirurgias para perda de peso, a gastrectomia vertical e a derivação gástrica em Y de Roux, têm efeitos opostos nos níveis de grelina, refletindo mecanismos distintos para o emagrecimento. A gastrectomia vertical envolve a remoção do fundo gástrico, onde a grelina é produzida, resultando em uma diminuição significativa nos níveis do hormônio.

Já a derivação gástrica em Y de Roux funciona por meio da absorção, sem influenciar diretamente a produção de grelina. Apesar das abordagens diferentes, as duas técnicas têm eficácia significativa para a perda ponderal. Pesquisas comparando os dois procedimentos mostram que a gastrectomia vertical leva à diminuição dos níveis plasmáticos de grelina em jejum, ao contrário da derivação gástrica em Y de Roux, o que ressalta o mecanismo adicional de redução do apetite pela gastrectomia vertical pela supressão da grelina. Esse contraste sublinha o complexo papel do hormônio na regulação do apetite e sugere que a sua manipulação pode influenciar significativamente os desfechos de perda de peso.

Considerando o efeito da grelina na estimulação do apetite como um fato estabelecido, outros estudos exploraram a relação entre o hormônio da fome e a resistência à insulina. Uma metanálise realizada por pesquisadores da Qingdao University, na China, verificou que os níveis plasmáticos de grelina estavam negativamente correlacionados com a resistência à insulina em indivíduos com obesidade e glicemia normal em jejum. Os achados sugerem que o papel da grelina na obesidade pode ir além da regulação do apetite, influenciando as vias metabólicas e sugerindo que o hormônio pode servir como um preditor de obesidade.

Pesquisadores estão explorando potenciais alvos terapêuticos com foco na modulação da grelina. Embora a neutralização seletiva do hormônio não tenha produzido resultados consistentes em modelos murinos, a interação entre a grelina e o LEAP2 (peptídeo antimicrobiano hepático 2) — um hormônio que se liga aos mesmos receptores cerebrais — pode ser uma área promissora para futuros tratamentos direcionados à obesidade.

Seria a modulação da grelina a chave para combater a obesidade? O bloqueio farmacológico pode ser uma estratégia para manter a perda ponderal e ajudar a prevenir o efeito rebote tipicamente observado após dietas e a suspensão de medicamentos antiobesidade. Considerando as altas taxas de recuperação do peso nesses cenários, mirar na grelina pode ser a peça que faltava no tratamento da obesidade no longo prazo. No entanto, esses bloqueadores podem ter efeitos colaterais significativos, considerando que a grelina impacta não só a fome, mas os centros cerebrais de recompensa e prazer. Portanto, será necessária cautela na elaboração desses medicamentos devido ao potencial impacto no humor e na saúde mental.

Considerando o papel da grelina na fome, nas vias de recompensa e na regulação energética, compreender esse hormônio é fundamental na luta contra a obesidade. Estejamos atentos a pesquisas futuras que possam esclarecer os mecanismos fisiológicos por trás desses processos e, possivelmente, resultar em ações com impacto clínico.

Este conteúdo foi traduzido do Medscape

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