ChatGPT comete erros significativos ao sugerir tratamento para migrânea

Pauline Anderson

1 de julho de 2024

O ChatGPT, uma ferramenta de inteligência artificial, comete erros significativos ao abordar tratamentos medicamentosos para migrânea; no entanto, mostra-se mais preciso quando se trata de terapias não farmacológicas, indica uma avaliação feita por especialistas em cefaleia.

Os achados sugerem que os médicos devem aconselhar os pacientes a não confiar apenas no ChatGPT a fim de obter informações precisas sobre tratamentos para migrânea, pelo menos não em sua versão atual, disse ao Medscape o pesquisador Dr. Robert Bonakdar, médico diretor de controle da dor no Scripps Center for Integrative Medicine, nos Estados Unidos.

A boa notícia, porém, é que alternativas de inteligência artificial mais precisas podem estar a caminho, acrescentou o Dr. Robert.

Os achados foram apresentados em 13 de junho na Reunião Anual de 2024 da American Headache Society (AHS).

É possível confiar na inteligência artificial?

Os médicos têm opiniões variadas sobre inteligência artificial, incluindo modelos de linguagem avançados como ChatGPT. Eles estão intrigados e engajados com a tecnologia, mas estão cientes de suas limitações e informações desatualizadas, disse o Dr. Robert, que trata migrâneas há mais de duas décadas e tem experiência no uso do ChatGPT.

Embora existam outras ferramentas de inteligência artificial, o ChatGPT é um dos mais extensos e é aquele que os especialistas em cefaleias provavelmente usarão, disse o Dr. Robert. Estudos mostram que a ferramenta é útil em algumas áreas da medicina, como a ortopedia, mas menos eficaz para outras, como a neurocirurgia, acrescentou. “A questão é: posso confiar na inteligência artificial para a migrânea?”

Para este estudo, os pesquisadores fizeram 14 perguntas comuns ao ChatGPT sobre as opções de tratamento para migrânea. As perguntas focaram na eficácia e segurança de abordagens convencionais (medicamentos preventivos, tratamentos agudos, terapias agudas não orais, como adesivos e sprays, e procedimentos envolvendo bloqueios nervosos) e não farmacológicas (dieta/suplementos, exercícios, dispositivos de estimulação, fisioterapias como massagem, autocuidado e terapias comportamentais).

Os pesquisadores então apresentaram as respostas da inteligência artificial a quatro especialistas em cefaleia: um neurologista, um médico assistente de neurologia, um médico certificado pelo United Council for Neurologic Subspecialties dos EUA e um pesquisador do assunto.

Esses especialistas avaliaram as respostas do ChatGPT em uma escala Likert de 1 (discordo totalmente) a 5 (concordo totalmente) quanto à integridade, precisão e utilidade.

Os participantes deram pontuações gerais mais altas para tratamentos não medicamentosos. A classificação mais alta — para terapias comportamentais — foi 4,75, enquanto a classificação mais baixa — para dieta/suplementos — foi 4. “O ChatGPT teve um bom desempenho no aconselhamento de terapia não medicamentoso, mas não foi perfeito”, comentou o Dr. Robert.

Para tratamentos farmacológicos, as classificações foram mais baixas. A maior foi 3,95 (para procedimentos) e a menor foi 3,5 (para medicamentos preventivos). Os erros da inteligência artificial aqui “foram muito mais pronunciados” do que nas intervenções não medicamentosas, disse o Dr. Robert.

Opções inadequadas

Os avaliadores observaram que o ChatGPT também recomendou algumas opções de tratamento inadequadas, como opioides e cirurgia para migrânea.

Eles também notaram que a ferramenta afirma incorretamente que o Cefaly (um equipamento com eletrodos para estimulação) exige prescrição, enquanto a estimulação externa do nervo trigêmeo está disponível sem receita. O ChatGPT também não observou riscos potenciais à saúde nos tratamentos para migrânea durante a gestação, incluindo matricária (Tanacetum parthenium), uma planta que contém compostos considerados úteis por alguns para tratar ou prevenir doenças inflamatórias.

Os especialistas em cefaleia também apontaram que a ferramenta não mencionou medicamentos aprovados, como rimegepant e atogepant, ambos bloqueadores de receptores de peptídeos relacionados ao gene da calcitonina, ou incluiu informações de segurança importantes, como efeitos colaterais do ácido valpróico, do anticonvulsivante topiramento e dos betabloqueadores.

O ChatGPT “não é um mau ponto de partida” para obter informações gerais relacionadas à migrânea, mas como essas informações não são personalizadas, é importante que os pacientes discutam os tratamentos com seu médico, disse o Dr. Robert. “O ChatGPT não conhece você. Não conhece seus medicamentos e não conhece suas contraindicações ou suas alergias.”

Comentando para o Medscape, a Dra. Nina Riggins, Ph.D., médica, presidente do Brain Performance Center and Research Institute e diretora do Headache Center da The Neuron Clinic, nos EUA, disse que, embora o estudo tenha oferecido informações importantes, ela teria apreciado mais avaliações sobre os recursos de diagnóstico do ChatGPT.

A Dra. Nina observou a importância de compreender as capacidades e limitações da inteligência artificial ​​na medicina. “Estamos cientes das ‘alucinações’ da inteligência artificial, quando ela não fornece informações corretas, mas também entendemos que o uso da tecnologia pode ser extremamente importante na medicina, até mesmo salvando vidas”.

Muitas imprecisões relacionadas ao ChatGPT podem ser atribuídas a informações desatualizadas, acrescentou ela. E compreender como esta ferramenta utiliza tais informações poderia “fornecer caminhos específicos para melhorar essa tecnologia”, disse a Dra. Nina.

No futuro, a inteligência artificial poderá ajudar no rastreamento de pacientes com cefaleia, auxiliar na leitura de laudos de exames de imagens e melhorar o acesso geral aos cuidados. Ao diminuir a quantidade de papelada com que os médicos lidam, poderia permitir que dediquem mais tempo aos seus pacientes.

Entretanto, a Dra. Nina concordou que os médicos deveriam recomendar os pacientes a não obterem aconselhamento sobre a eficácia e segurança dos tratamentos com o ChatGPT.

Uma ferramenta de inteligência artificial mais focada

O Dr. Robert também apresentou resultados de um segundo estudo sobre uma inteligência artificial mais focada em assistência à pesquisa, criada com a Wellkasa, uma empresa especializada em tecnologia de saúde com inteligência artificial.

O grupo treinou o modelo de inteligência artificial conhecido por My AI Assistant (Maia) para fornecer de forma consistente as respostas mais precisas possíveis. “Por exemplo, se Maia respondesse que o Cefaly precisava de prescrição, o que é falso, ela receberia nota baixa, e se respondesse corretamente que não, receberia nota alta”, disse o Dr. Robert.

O modelo foi treinado não apenas em áreas simples de verdadeiro/falso, mas também em áreas de estilo de vida mais sutis, como controle de estresse.

Os pesquisadores pediram a 23 pacientes com migrânea (22 mulheres) que experimentassem Maia por uma semana. Eles deveriam fazer perguntas relacionadas à migrânea em uma sala de bate-papo ou por telefone.

O estudo constatou que as pontuações de conhecimento e confiança na prevenção, tratamento e estilo de vida da migrânea melhoraram em 11 dos 12 itens (91,7%). “Estes achados são fundamentais, porque sabemos que a educação por si só pode melhorar o estado da migrânea e os benefícios da medicação”, disse o Dr. Robert.

Embora a educação possa ser demorada e nem sempre personalizada, “com Maia, percebemos que educar sobre migrânea pode ser algo simples, tornando-se uma jornada de aprendizagem muito pessoal, por meio de conversas simples e naturais”, disse ele.

O estudo também mostrou melhoras estatisticamente significativas em 4 dos 12 itens relativos a uso de medicamentos, efeitos colaterais da terapia, terapias de estilo de vida e abordagens multimodais para o tratamento da migrânea.

Os participantes com menos incapacidades relacionadas à migrânea ficaram significativamente mais satisfeitos com Maia do que aqueles com mais incapacidades relacionadas (P < 0,001).

Ao fornecer feedback, os participantes do estudo disseram que a ferramenta responde a perguntas com as quais eles não querem incomodar os médicos e evita a necessidade de múltiplas pesquisas sobre medicamentos para migrânea. No entanto, alguns expressaram o desejo de que Maia pudesse responder a dúvidas relacionadas a comorbidades e manter um registo dos episódios de migrânea.

Embora alguns vejam a inteligência artificial como um possível substituto dos médicos, é mais provável que os pacientes utilizem as informações que obtêm dessas ferramentas ​​para colaborar com seus médicos, especialmente em áreas de intervenções no estilo de vida que podem envolver muitas nuances, disse o Dr. Robert.

A Dra. Nina informou ter ficado particularmente impressionada com os conselhos úteis fornecidos por Maia sobre modificações no estilo de vida, como sono e dieta alimentar.

Todas as ferramentas de inteligência artificial, incluindo ChatGPT e Maia, deverão eventualmente tornar a educação sobre migrânea mais segura para pacientes e médicos, disse ela.

O Dr. Robert Bonakdar e a Dra. Nina Riggins informaram não ter conflitos de interesses.

Este conteúdo foi traduzido do Medscape

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