O ChatGPT, uma ferramenta de inteligência artificial, comete erros significativos ao abordar tratamentos medicamentosos para migrânea; no entanto, mostra-se mais preciso quando se trata de terapias não farmacológicas, indica uma avaliação feita por especialistas em cefaleia.
Os achados sugerem que os médicos devem aconselhar os pacientes a não confiar apenas no ChatGPT a fim de obter informações precisas sobre tratamentos para migrânea, pelo menos não em sua versão atual, disse ao Medscape o pesquisador Dr. Robert Bonakdar, médico diretor de controle da dor no Scripps Center for Integrative Medicine, nos Estados Unidos.
A boa notícia, porém, é que alternativas de inteligência artificial mais precisas podem estar a caminho, acrescentou o Dr. Robert.
Os achados foram apresentados em 13 de junho na Reunião Anual de 2024 da American Headache Society (AHS).
É possível confiar na inteligência artificial?
Os médicos têm opiniões variadas sobre inteligência artificial, incluindo modelos de linguagem avançados como ChatGPT. Eles estão intrigados e engajados com a tecnologia, mas estão cientes de suas limitações e informações desatualizadas, disse o Dr. Robert, que trata migrâneas há mais de duas décadas e tem experiência no uso do ChatGPT.
Embora existam outras ferramentas de inteligência artificial, o ChatGPT é um dos mais extensos e é aquele que os especialistas em cefaleias provavelmente usarão, disse o Dr. Robert. Estudos mostram que a ferramenta é útil em algumas áreas da medicina, como a ortopedia, mas menos eficaz para outras, como a neurocirurgia, acrescentou. “A questão é: posso confiar na inteligência artificial para a migrânea?”
Para este estudo, os pesquisadores fizeram 14 perguntas comuns ao ChatGPT sobre as opções de tratamento para migrânea. As perguntas focaram na eficácia e segurança de abordagens convencionais (medicamentos preventivos, tratamentos agudos, terapias agudas não orais, como adesivos e sprays, e procedimentos envolvendo bloqueios nervosos) e não farmacológicas (dieta/suplementos, exercícios, dispositivos de estimulação, fisioterapias como massagem, autocuidado e terapias comportamentais).
Os pesquisadores então apresentaram as respostas da inteligência artificial a quatro especialistas em cefaleia: um neurologista, um médico assistente de neurologia, um médico certificado pelo United Council for Neurologic Subspecialties dos EUA e um pesquisador do assunto.
Esses especialistas avaliaram as respostas do ChatGPT em uma escala Likert de 1 (discordo totalmente) a 5 (concordo totalmente) quanto à integridade, precisão e utilidade.
Os participantes deram pontuações gerais mais altas para tratamentos não medicamentosos. A classificação mais alta — para terapias comportamentais — foi 4,75, enquanto a classificação mais baixa — para dieta/suplementos — foi 4. “O ChatGPT teve um bom desempenho no aconselhamento de terapia não medicamentoso, mas não foi perfeito”, comentou o Dr. Robert.
Para tratamentos farmacológicos, as classificações foram mais baixas. A maior foi 3,95 (para procedimentos) e a menor foi 3,5 (para medicamentos preventivos). Os erros da inteligência artificial aqui “foram muito mais pronunciados” do que nas intervenções não medicamentosas, disse o Dr. Robert.
Opções inadequadas
Os avaliadores observaram que o ChatGPT também recomendou algumas opções de tratamento inadequadas, como opioides e cirurgia para migrânea.
Eles também notaram que a ferramenta afirma incorretamente que o Cefaly (um equipamento com eletrodos para estimulação) exige prescrição, enquanto a estimulação externa do nervo trigêmeo está disponível sem receita. O ChatGPT também não observou riscos potenciais à saúde nos tratamentos para migrânea durante a gestação, incluindo matricária (Tanacetum parthenium), uma planta que contém compostos considerados úteis por alguns para tratar ou prevenir doenças inflamatórias.
Os especialistas em cefaleia também apontaram que a ferramenta não mencionou medicamentos aprovados, como rimegepant e atogepant, ambos bloqueadores de receptores de peptídeos relacionados ao gene da calcitonina, ou incluiu informações de segurança importantes, como efeitos colaterais do ácido valpróico, do anticonvulsivante topiramento e dos betabloqueadores.
O ChatGPT “não é um mau ponto de partida” para obter informações gerais relacionadas à migrânea, mas como essas informações não são personalizadas, é importante que os pacientes discutam os tratamentos com seu médico, disse o Dr. Robert. “O ChatGPT não conhece você. Não conhece seus medicamentos e não conhece suas contraindicações ou suas alergias.”
Comentando para o Medscape, a Dra. Nina Riggins, Ph.D., médica, presidente do Brain Performance Center and Research Institute e diretora do Headache Center da The Neuron Clinic, nos EUA, disse que, embora o estudo tenha oferecido informações importantes, ela teria apreciado mais avaliações sobre os recursos de diagnóstico do ChatGPT.
A Dra. Nina observou a importância de compreender as capacidades e limitações da inteligência artificial na medicina. “Estamos cientes das ‘alucinações’ da inteligência artificial, quando ela não fornece informações corretas, mas também entendemos que o uso da tecnologia pode ser extremamente importante na medicina, até mesmo salvando vidas”.
Muitas imprecisões relacionadas ao ChatGPT podem ser atribuídas a informações desatualizadas, acrescentou ela. E compreender como esta ferramenta utiliza tais informações poderia “fornecer caminhos específicos para melhorar essa tecnologia”, disse a Dra. Nina.
No futuro, a inteligência artificial poderá ajudar no rastreamento de pacientes com cefaleia, auxiliar na leitura de laudos de exames de imagens e melhorar o acesso geral aos cuidados. Ao diminuir a quantidade de papelada com que os médicos lidam, poderia permitir que dediquem mais tempo aos seus pacientes.
Entretanto, a Dra. Nina concordou que os médicos deveriam recomendar os pacientes a não obterem aconselhamento sobre a eficácia e segurança dos tratamentos com o ChatGPT.
Uma ferramenta de inteligência artificial mais focada
O Dr. Robert também apresentou resultados de um segundo estudo sobre uma inteligência artificial mais focada em assistência à pesquisa, criada com a Wellkasa, uma empresa especializada em tecnologia de saúde com inteligência artificial.
O grupo treinou o modelo de inteligência artificial conhecido por My AI Assistant (Maia) para fornecer de forma consistente as respostas mais precisas possíveis. “Por exemplo, se Maia respondesse que o Cefaly precisava de prescrição, o que é falso, ela receberia nota baixa, e se respondesse corretamente que não, receberia nota alta”, disse o Dr. Robert.
O modelo foi treinado não apenas em áreas simples de verdadeiro/falso, mas também em áreas de estilo de vida mais sutis, como controle de estresse.
Os pesquisadores pediram a 23 pacientes com migrânea (22 mulheres) que experimentassem Maia por uma semana. Eles deveriam fazer perguntas relacionadas à migrânea em uma sala de bate-papo ou por telefone.
O estudo constatou que as pontuações de conhecimento e confiança na prevenção, tratamento e estilo de vida da migrânea melhoraram em 11 dos 12 itens (91,7%). “Estes achados são fundamentais, porque sabemos que a educação por si só pode melhorar o estado da migrânea e os benefícios da medicação”, disse o Dr. Robert.
Embora a educação possa ser demorada e nem sempre personalizada, “com Maia, percebemos que educar sobre migrânea pode ser algo simples, tornando-se uma jornada de aprendizagem muito pessoal, por meio de conversas simples e naturais”, disse ele.
O estudo também mostrou melhoras estatisticamente significativas em 4 dos 12 itens relativos a uso de medicamentos, efeitos colaterais da terapia, terapias de estilo de vida e abordagens multimodais para o tratamento da migrânea.
Os participantes com menos incapacidades relacionadas à migrânea ficaram significativamente mais satisfeitos com Maia do que aqueles com mais incapacidades relacionadas (P < 0,001).
Ao fornecer feedback, os participantes do estudo disseram que a ferramenta responde a perguntas com as quais eles não querem incomodar os médicos e evita a necessidade de múltiplas pesquisas sobre medicamentos para migrânea. No entanto, alguns expressaram o desejo de que Maia pudesse responder a dúvidas relacionadas a comorbidades e manter um registo dos episódios de migrânea.
Embora alguns vejam a inteligência artificial como um possível substituto dos médicos, é mais provável que os pacientes utilizem as informações que obtêm dessas ferramentas para colaborar com seus médicos, especialmente em áreas de intervenções no estilo de vida que podem envolver muitas nuances, disse o Dr. Robert.
A Dra. Nina informou ter ficado particularmente impressionada com os conselhos úteis fornecidos por Maia sobre modificações no estilo de vida, como sono e dieta alimentar.
Todas as ferramentas de inteligência artificial, incluindo ChatGPT e Maia, deverão eventualmente tornar a educação sobre migrânea mais segura para pacientes e médicos, disse ela.
O Dr. Robert Bonakdar e a Dra. Nina Riggins informaram não ter conflitos de interesses.
Este conteúdo foi traduzido do Medscape
Créditos:
Imagem principal: istock/Getty Images
Imagem 1: Scripps Center for Integrative Medicine
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Citar este artigo: ChatGPT comete erros significativos ao sugerir tratamento para migrânea - Medscape - 1 de julho de 2024.
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