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Por Manuela Tecchio — São Paulo


Desde que o Ozempic virou febre, analistas dos principais bancos de investimento, butiques e economistas têm se adiantado para tentar prever o impacto da droga e similares na economia e no balanço das empresas. Ao mesmo tempo, as farmacêuticas correm para atender à espantosa demanda e pensar novos formatos para o medicamento.

A americana Eli Lilly anunciou recentemente um investimento de US$ 2,5 bilhões para uma nova fábrica, com o intuito de aumentar a produção de Mounjaro e Trulicity, concorrentes do Ozempic. Ambas já estudam o desenvolvimento de uma fórmula para que o medicamento venha em comprimidos.

Num relatório publicado no início do mês, a Barclays citou nominalmente PepsiCo e McDonald's como possíveis prejudicadas com a adoção dos medicamentos. O Walmart justificou uma retração na venda de alimentos com a maior adoção do remédio Outro relatório, da Jefferies, entre os mais exagerados, calculou que uma “sociedade mais magra” poderia economizar bilhões às aéreas e favorecer outros setores.

"Esses medicamentos não tem indicação ou estudo comprovando segurança para fins estéticos”, diz Surjan — Foto: Pixabay
"Esses medicamentos não tem indicação ou estudo comprovando segurança para fins estéticos”, diz Surjan — Foto: Pixabay

Nos cálculos da Jefferies, se cada passageiro da United Airlines perdesse em média o equivalente a 4,5 kg, a companhia já pouparia US$ 12 bilhões gastos em combustível (o que representa mais de 22% do faturamento da empresa). Além disso, os analistas calculam que a demanda para varejistas de moda aumentaria, com a renovação do guarda-roupa dos pacientes, e, por outro lado, prejudicaria empresas de alimentos e bebidas alcoólicas, além de reduzir o tíquete de consumo de viagens — já que os gastos com o remédio devem absorver parte do orçamento familiar: nos EUA, o tratamento mensal com Ozempic custa em torno de US$ 1,5 mil.

Embora seja inegável o impacto vultoso do Ozempic no valor de mercado de sua fabricante, a Novo Nordisk, e até mesmo no PIB da Dinamarca, onde fica sediada a farmacêutica, pode ser precipitado afirmar o mesmo estrondo vá ocorrer em aéreas ou nas gigantes de fast food, na opinião de especialistas da área da saúde e economia consultados pelo Pipeline.

“Achar que o mundo inteiro vai tomar Ozempic e ficar magrinho é precipitado”, diz o economista e professor do Insper Ricardo Humberto Rocha, também diabético e usuário de semaglutida. “O que os analistas tendem a fazer é acompanhar os dados e entender tendências, mas é preciso ter muito cuidado com as generalizações. Não é um exercício fácil. O que a gente tem visto é que essas medicações têm um grande impacto no balanço das próprias farmacêuticas.”

Na primeira semana de setembro, a Novo Nordisk chegou a ultrapassar os US$ 420 bilhões em valor de mercado na bolsa, se tornando a maior empresa de toda a Europa. O valor de mercado superou o de qualquer outra concorrente e mesmo gigantes de outros setores na região, como a desbancada LVMH (US$ 416 bilhões, em 4 de setembro), do segmento de moda e luxo, até então a maior companhia listada do continente.

O medicamento também foi o principal responsável pelo crescimento de 1,7% no PIB da Dinamarca nos primeiros seis meses na comparação com o mesmo período do ano anterior. Descontada a influência, o indicador teria ficado com uma alta de apenas 0,3%. O volume de vendas capaz de alterar a dinâmica econômica do continente mais desenvolvido do mundo não se deve só ao objetivo inicial do remédio.

O Ozempic faz parte de uma classe de medicamentos análogos ao GLP-1, um hormônio produzido pelo corpo que ajuda a regular a glicose no sangue liberando mais insulina. Já existiam no mercado outros remédios semelhantes, à base de liraglutida, como o Saxenda, também da Novo Nordisk, e outros compostos. Recentemente a Eli Lilly lançou o Mounjaro, de funcionamento semelhante, mas à base de tirzepatida. Todos foram aprovados para o controle da diabetes.

“Nenhum desses medicamentos tem qualquer tipo de indicação ou estudo comprovando segurança e eficácia para fins estéticos”, ressalta o doutor Rodrigo Surjan, médico cirurgião formado pela USP, membro titular do Colégio Brasileiro de Cirurgiões e do American College of Surgeons. “Existe uma pressão multibilionária para a liberação e o uso dessas drogas, mas o mundo científico precisa olhar os dados e se preocupar com a forma que estão sendo receitadas. Os médicos não estão orientando os pacientes sobre isso, não explicam que é off-label.”

Na prática de consultório, os médicos passaram a observar a eficácia dessas drogas no tratamento da obesidade, uma doença crônica, já que podem levar à perda de até 25% do peso em pacientes com a condição. Ciente disso, a Novo Nordisk fez o lançamento do Wegovy, um novo remédio também à base de semaglutida, mas com dosagem quase três vezes maior: enquanto o Ozempic vai até 1 mg, a nova medicação chega a 2,4 mg. A droga foi aprovada pela FDA e pela Anvisa, mas está em falta no mercado.

“Essa diferença no nome é inclusive bem-vinda", explica a doutora Cynthia Valério, médica endocrinologista e diretora da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso). “A eficácia da aplicação de semaglutida no tratamento da obesidade, uma doença séria e de alta mortalidade, está mais do que comprovada. O uso indevido, para fins estéticos, não tem nada a ver com isso.”

A associação tem apostado em programas de educação e conscientização sobre o tema e prepara um dossiê, que será entregue ao Ministério da Saúde, onde solicita a disponibilização da liraglutida, composto base do Saxenda, no SUS, como um dos meios de tratamento para a doença.

"Cada vez mais fica claro que a obesidade, como outras doenças crônicas, não é de responsabilidade do individuo, não é uma escolha. É comum ver pessoas magras que comem muito mal e pessoas obesas que são ativas fisicamente e se alimentam relativamente bem, mas por uma questão genética se encontram nessa condição", explica o doutor Marcio Mancini, chefe do Grupo de Obesidade e Síndrome Metabólica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

Sem exigência de retenção da receita para a venda, o Ozempic tem sido procurado em farmácias mesmo quando não há qualquer indicação médica. Nos EUA, as drogas para diabetes são controladas.

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