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    O presidente do TCU, Bruno Dantas, durante o seminário Brasil Hoje, organizado pelo grupo empresarial Esfera Brasil, em abril deste ano (Bruno Santos/ Folhapress)

anais do perdão

A pausa do balcão de acordos bilionários do TCU 

O ministro Bruno Dantas suspendeu as reuniões da secretaria de consenso entre o governo e grandes empresas depois de se incomodar com o advogado-geral Jorge Messias

Breno Pires, de Brasília | 11 jul 2024_15h47
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Este texto foi atualizado às 21h10 de quinta-feira 11/07 para incluir a informação de que o MPTCU pediu a suspensão do acordo do governo com a Âmbar

No último dia 23 de maio, o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Bruno Dantas, participou de um fórum do setor de infraestrutura ao lado dos ministros Rui Costa, da Casa Civil, e Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal. No palco, Dantas vociferou contra as críticas aos acordos entre o governo e grandes empresas que vêm sendo feitos na SecexConsenso, a secretaria do consenso do TCU, criada em dezembro de 2022 para selar repactuações de contratos e concessões de empresas inadimplentes com a União, que frequentemente envolvem bilhões de reais.

“Alguns contratam jornalistas para ficarem acampados no Tribunal de Contas da União, tentando sabotar essa iniciativa, mas nós, felizmente, não temos medo de latido forte. Os cães ladram, a caravana passa”, disse o presidente do TCU no evento. Nesta terça-feira, 9, porém, foi Dantas quem suspendeu temporariamente todas as reuniões das comissões que negociam esses acordos no TCU, comandadas pela SecexConsenso, cujo nome oficial é Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos.

A suspensão dessas reuniões tem impacto porque o TCU não alterou, em paralelo, o prazo limite para a conclusão de acordos (de 90 dias, prorrogáveis por mais 30). Com isso, algumas dessas negociações podem não ser concluídas, por excederem o limite de prazo, o que atrapalha os planos do governo. 

A brecada brusca foi uma reação a um decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pela ministra Esther Dweck (Gestão e Inovação em Serviços Públicos) e pelo ministro-chefe da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias, em 3 de julho, que cria a Rede Federal de Mediação e Negociação (Resolve), capitaneada pela AGU. O texto prevê que a AGU deve autorizar “o ingresso de órgãos e entidades da administração pública federal em procedimento de solução consensual de controvérsias no âmbito do Tribunal de Contas da União” e passar a acompanhar os casos atualmente em tramitação, se já não o fizer.

O presidente do TCU não gostou nada dessa medida, que divide o poder do tribunal de selar os acordos, embora não tenha falado do assunto em público. Segundo a coluna Painel, da Folha de S.Paulo, o decreto gerou reclamações no TCU e também “insatisfação entre ministérios, especialmente os mais voltados à área de infraestrutura”, pois “burocratiza de forma desnecessária os processos de negociação e restringe a autonomia das pastas”. Na nota sobre a suspensão das reuniões da SecexConsenso, o tribunal disse que, em face do decreto, “as secretarias do TCU estão examinando eventuais repercussões nos processos em curso na Corte, e até que a análise seja concluída, a Presidência determinou a suspensão de todas as reuniões das comissões de solução consensual em atividade”.

Com a suspensão, Dantas inflama uma rivalidade cultivada com Messias quando os dois disputaram a indicação de Lula para uma vaga no Supremo Tribunal Federal, que ficou com Flávio Dino. Em Brasília, os dois continuam sendo vistos como candidatos ao STF, considerando-se a remota possibilidade de o ministro Luís Roberto Barroso aposentar-se logo após deixar a presidência da Corte.

Do lado da AGU, o discurso é que o decreto não afeta em nada o TCU. A medida do Executivo vinha sendo gestada havia meses, segundo a piauí apurou. No entendimento da AGU, o decreto apenas orienta o cumprimento da Lei 9.469/1997, que obriga o Advogado-Geral da União a examinar acordos, para garantir a legalidade e a legitimidade das transações, especialmente quando os valores envolvidos superam a quantia de 50 milhões de reais, como fixado no decreto nº 10.201/2020.

Quando criou a SecexConsenso, o TCU não incluiu a necessidade dessa análise do AGU. Naturalmente, os acordos que vêm sendo feitos passam pela análise dos consultores jurídicos dos ministérios e agências reguladoras, mas eles representam especificamente o órgão ao qual estão vinculados. É a AGU que tem a visão sobre todo o governo. Portanto, o decreto tenta corrigir essa ausência das conversas.

Entre o decreto e a notícia da suspensão, transcorreram seis dias.

No último dia 5, uma reportagem da edição de junho da piauí trouxe luz à dimensão que a secretaria tomou dentro do TCU e revelou como ela foi transformada em um balcão de negociações envolvendo bilhões de reais que contemplava interesses do governo e de grandes empresas. Entre os acordos vultosos, estão um com a Oi S.A. e outro com a Âmbar Energia. 

O plenário do TCU decidiu aprovar no dia 3 um acordo da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e do Ministério das Comunicações que reduz em até 17 bilhões de reais o valor que a Oi deveria investir em infraestrutura pública. O cálculo é o seguinte: como mudou do regime de concessão de telefonia fixa (repleto de obrigações) e passou para o regime privado (podendo cobrar preços livres e ter custos operacionais reduzidos), a Oi deveria devolver à União bens como prédios, veículos e infraestrutura de telecomunicações que foram cedidos na época da privatização das teles, em 1998, quando se chamava Telemar. Como vai ficar com esses bens, a Anatel calculou que a Oi deveria ressarcir a União em um valor entre 19,92 bilhões e 23,26 bilhões de reais. No balcão do TCU, o valor ficou em 5,8 bilhões.

O caso da Oi mostra a importância de uma análise prévia da AGU antes da celebração do acordo. O motivo: o TCU primeiro aprovou o acordo, mas deixou sua validade condicionada ao aval posterior da AGU. Na prática, agora, o advogado-geral da União, Jorge Messias, tem uma batata quente: será visto como o algoz do acordo com a Oi se disser não, depois de o TCU já ter dito sim. 

Em outra frente, no setor de energia, o acordo da Âmbar, empresa do grupo J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, já teve a aprovação da AGU, pois o ministro Alexandre Silveira solicitou essa análise. O caso, porém, continua enrolado, mas por outro motivo: ninguém quer assumir a paternidade da negociação, que garantirá receitas de 9,4 bilhões à empresa. 

Na terça-feira, 9, o ministro do TCU, Benjamin Zymler, relator do caso, resolveu tirar de pauta o julgamento marcado para a quarta-feira, 10, a respeito do acordo já formalizado entre o Ministério de Minas e Energia, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e a Âmbar Energia. Zymler deu um despacho em que decide não analisar a mais recente manifestação da unidade de auditoria especializada em energia elétrica, que recomendava a rescisão do contrato e aplicação de multas (que podem chegar a 6 bilhões de reais). 

O movimento do relator é bom para os Batista, pois, como a piauí revelou, o ministro Alexandre Silveira determinou, em abril, a assinatura do acordo, que foi concebido na SecexConsenso. A Âmbar não cumpriu o contrato de construção de quatro usinas termelétricas para geração de energia dentro do prazo limite, de agosto de 2022. O acordo costurado na SecexConsenso do TCU e aprovado pelo MME livra a Âmbar da rescisão de contrato, que era a ação recomendada pela auditoria especializada no setor de energia elétrica no TCU (AudElétrica).  Em vez de perder o negócio e tomar uma multa de 6 bilhões de reais, a Âmbar conseguiu salvar os contratos. Pelo acordo, em vez de operar as quatro termelétricas, a Âmbar poderá optar por uma antiga usina em Cuiabá. Tomará uma multa de 1,1 bilhão, seu contrato será ampliado de 44 para 88 meses, e o valor passará de 18,7 para 9,4 bilhões de reais. A empresa deixará de ser obrigada a gerar energia ininterruptamente, passando a fazê-lo apenas sob demanda.

O acordo tem o DNA do balcão do TCU. Houve idas e vindas no tribunal, mas ao final, mesmo decidindo pelo arquivamento, os ministros do TCU disseram ter “simpatia” pelos termos da negociação, conduzida pela SecexConsenso. Foi a senha para o ministro Alexandre Silveira, de Minas e Energia, realizar o acordo, no dia 18 de abril. Em seguida, a Aneel o chancelou, no dia 20 de maio. 

A data para a Âmbar começar a geração de energia, nos termos do acordo, já foi até definida pela Aneel: 1º de agosto. Mas ficou definido que o TCU teria 60 dias para analisar o acordo, pela segunda vez, agora que ele já está formalizado pelo Ministério de Minas e Energia e pela Aneel. A manifestação do TCU, porém, não é obrigatória: se o tribunal não tomar nenhuma nova decisão, tudo fica como está. Como o relator do caso, Benjamin Zymler, decidiu não decidir, daqui a algumas semanas, os Batista devem começar a receber o dinheiro.

O mais recente relatório da unidade de AudElétrica do TCU, obtido pela piauí, é  contundente em afirmar que o acordo é desvantajoso para a União e para os consumidores de energia e que deveria, por isso, ser rescindido. O parecer refuta o principal argumento pró-acordo: o risco de prejuízos caso a Âmbar acione a Justiça para manter seus direitos do acordo original. Segundo a AudElétrica, o pior cenário para a União resultaria em um custo médio de 9,7 bilhões de reais para os consumidores, ligeiramente superior ao custo do acordo em discussão, 9,4 bilhões de reais. Ou seja, o acordo selado equivale a uma improvável derrota na Justiça. 

“Entende-se oportuno recomendar que o MME faça cumprir as cláusulas contratuais e editalícias dos contratos das usinas pertencentes à Âmbar, providenciando a rescisão unilateral dos respectivos Contratos de Energia de Reserva, com a aplicação das multas pertinentes”, escreveu a auditoria.

A diferença entre a rescisão e multas, no valor de 6 bilhões de reais, e o acordo de 9,4 bilhões de reais, é de 15,4 bilhões de reais. Esse é o valor que a União deixa de tentar obter com o acordo celebrado com a empresa do grupo J&F.

No início da noite desta quinta-feira, o subprocurador-chefe do Ministério Público Junto ao TCU (MPTCU) pediu que o tribunal suspenda o acordo entre a Âmbar e o governo para a construção da terlmoelétrica, para que sejam avaliadas eventuais irregularidades.

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