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    Carlos Padilha, ex-CFO da Americanas, fotografado em um evento corporativo. Hoje ele preside o Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (Ibef), cujo objetivo, segundo o próprio empresário, é “prover as melhores práticas de governança dentro da sociedade” Foto: Reprodução

anais do capitalismo brasileiro

Ex-diretor financeiro da Americanas abriu offshore no Caribe

Apontado pela PF como um dos arquitetos da fraude bilionária, Carlos Padilha é dono de uma empresa com capital de 1 milhão de reais nas Ilhas Virgens Britânicas

Allan de Abreu, do Rio de Janeiro | 11 jul 2024_09h16
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“Podemos entender isso a jato?”, perguntou Carlos Eduardo Rosalba Padilha a um de seus subordinados, em tom de irritação. O empresário carioca, de 50 anos, ocupava o cargo de diretor financeiro da Americanas – ou CFO, na sigla em inglês para Chief Financial Officer. O destempero tinha motivo: naquele outubro de 2019, Padilha se desdobrava para maquiar as “inconsistências contábeis” da rede varejista – um rombo tão grande que, como se descobriu mais tarde, somava 48 bilhões de reais. Imerso na papelada, o diretor estava com dificuldade de entender alguns números relativos ao desempenho da empresa no terceiro trimestre. “Estou te perguntando isso já qt [quanto] tempo? Vc nem responde. Não pode ser assim. Concorda?” Sua interlocutora era Flávia Carneiro, superintendente de controladoria da Americanas e, atualmente, delatora do esquema.

Mas Padilha tinha também preocupações pessoais. Enquanto administrava as contas da empresa, cuidava das finanças da família. Em novembro, um mês depois de enviar as mensagens ríspidas para Carneiro no WhatsApp, o diretor da Americanas contratou o Private Legal Services, escritório de advocacia panamenho especializado em abrir empresas offshore. As offshore são firmas que só existem no papel e oferecem duas vantagens a seus donos, em geral multimilionários: impostos baixíssimos sobre o capital movimentado (em alguns casos, imposto nenhum) e sigilo sobre quem são os sócios.

Padilha abriu uma offshore em nome de sua mulher, Andrea da Cunha Vieira Padilha, da filha do casal (que, na época, tinha 8 anos de idade) e dele próprio. A piauí descobriu a existência dessa empresa de fachada consultando os arquivos do Pandora Papers, projeto do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) que teve acesso a 11,9 milhões de documentos vazados de offshores criadas em paraísos fiscais.

Ao fundar a empresa, a família Padilha quis homenagear sua terra natal. Por isso, a batizou de Sunshine RJ Holdings – a luz do Sol do Rio de Janeiro. Em 25 de novembro, Karol Selles, funcionária do escritório panamenho, perguntou à empresa BVI Services, também sediada na Cidade do Panamá, se aquele nome estava disponível no registro de empresas do governo das Ilhas Virgens Britânicas, um país minúsculo no Caribe. Quando recebeu a confirmação, Selles solicitou a abertura formal da nova offshore, com capital de 1 milhão de dólares divididos em 50 mil ações, das quais Padilha detém 99% e a mulher, 1% – a filha é beneficiária da empresa, e, portanto, dona, na prática, do capital nela depositado. Os documentos do Pandora Papers não informam em qual banco foi colocado o dinheiro.

A família já possuía outra offshore com nome muito parecido, segundo informou Selles em um dos e-mails. “Os donos são os mesmos que Sun RJ Holdings”, ela escreveu. A piauí não encontrou os dados dessa empresa. A funcionária da Private Legal Services também informou que a nova offshore iria figurar como proprietária de um apartamento no Brasil – a reportagem não localizou nenhum imóvel em nome dessa empresa nos cartórios do estado do Rio de Janeiro, onde Padilha possui uma empresa de investimento imobiliário. A Sunshine RJ segue ativa no sistema de registro de empresas das Ilhas Virgens Britânicas. 

Miguel Sarmiento Gutierrez, presidente da Americanas na época das fraudes, também cuidou de abrir uma offshore, embora o tenha feito mais tarde, em 2022. Sua empresa, Tombruan Corporation Ltd, tinha como sede as Bahamas. Segundo a Polícia Federal, essa offshore recebeu um aporte de 1,5 milh��o de dólares naquele ano, o que, aos olhos dos investigadores, indica que Gutierrez pretendia blindar seu patrimônio diante da iminência da descoberta das fraudes. A PF desconhece a existência da Sunshine RJ, de Padilha.

Ter uma offshore não é crime, contanto que a empresa seja declarada no imposto de renda, como determina a lei federal 9.250, de 1995. A piauí perguntou ao advogado de Padilha, Carlos Eduardo de Moraes, se o ex-diretor da Americanas declarou a Sunshine RJ em seu imposto. Em uma primeira mensagem, Moraes respondeu que “essa empresa nunca foi operada e movimentada pelo sr. Padilha”. Quando confrontado com os documentos que comprovam a posse da offshore pelos Padilha, o advogado explicou que ela foi criada para “suportar investimentos futuros que porventura surgissem no Brasil” – de fato, a empresa tem um Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), o que sinaliza a intenção de investir no país. Como esse investimento nunca foi feito, disse ele, Padilha não tinha obrigação de declarar a empresa à Receita Federal. A lei, contudo, não prevê exceções desse tipo. A reportagem, então, insistiu na pergunta: Padilha declarou a Sunshine RJ no seu imposto de renda? O advogado se negou a responder, alegando sigilo bancário e fiscal.

A investigação mostra que, três anos depois de ter criado a offshore, Padilha, assim como outros diretores da Americanas, vendeu suas ações da empresa. Para a Polícia Federal, é um caso típico de insider trading – negociação com informações privilegiadas. Sabendo que a empresa estava prestes a afundar, fato ainda desconhecido pelo mercado, os diretores aproveitaram para engordar seus patrimônios pessoais. Gutierrez desfez-se de 171,7 milhões de reais em ações da Americanas; Padilha, de 4,5 milhões de reais. A PF ainda investiga onde foi parar esse dinheiro. [1]

 

Padilha já frequentou o noticiário em contextos mais elogiosos. Um texto apócrifo, publicado em pequenos portais como O Brasil News e MT Hoje, louva o empresário já no título: Carlos Padilha: um líder multifacetado que contribui para a sociedade. Em seguida, afirma que o ex-diretor da Americanas é um exemplo de liderança e dedicação, com mais de trinta anos de experiência em posições de alto nível executivo e como consultor em várias áreas. Padilha, segundo o texto, é apoiador de primeira hora do Projeto Grael, programa que leva o sobrenome dos medalhistas olímpicos Torben e Lars Grael e oferece a jovens de baixa renda a oportunidade de velejar. “Com uma carreira marcada por diversas habilidades e um compromisso com a excelência”, prossegue, o empresário carioca “continua a ser uma figura influente e respeitada”.

Em 2016, Padilha recebeu, em nome da Americanas, um prêmio da Época Negócios que elegeu as trezentas maiores empresas do Brasil. A seleção foi feita com base em critérios como desempenho financeiro, práticas de recursos humanos, visão de futuro e governança corporativa. A Americanas saiu vencedora na categoria varejo. Nas fotos do evento, Padilha aparece recebendo o prêmio das mãos de Ricardo Salles, na época secretário de Meio Ambiente do estado de São Paulo.

A investigação da Polícia Federal aponta que Padilha teve participação direta na arquitetura das fraudes da Americanas. Segundo o inquérito, o ex-diretor financeiro capitaneava as maquiagens contábeis, feitas com o intuito de enganar as auditorias nas contas da empresa. Em seu e-mail, recebia dos subordinados os números forjados, que sempre apontavam lucros animadores, enquanto a Americanas, na verdade, estava afundada em dívidas bilionárias. “Os números reais eram artificialmente incrementados, não apenas para ficarem próximos ao orçado, mas também condizentes com as expectativas do mercado”, escreveu o delegado André Augusto Veras de Oliveira, em um relatório sobre o caso. 

Quando o escândalo finalmente estourou, em janeiro de 2023, Padilha mudou o tom na conversa com a então superintendente da Americanas, Flávia Carneiro. No dia 18 daquele mês, ela o procurou e disse: “Pressão subiu de novo.” O ex-diretor respondeu demonstrando zelo: “Está em casa? Tomou um tarja preta pra relaxar?” Carneiro disse: “Vou buscar ajuda / O fardo tá pesado d+ / E irei voltar [a fazer] terapia” Padilha concluiu: “Melhor. Vai fazer bem.” No meio do ano passado, Carneiro fechou acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal. Seu colega Marcelo da Silva Nunes, ex-diretor executivo financeiro, fez o mesmo. Foi o ponto de virada nas investigações da polícia.

Na Operação Disclosure, deflagrada pela PF em 27 de junho, Padilha, Gutierrez e outros treze ex-diretores das Americanas foram indiciados por manipulação de mercado e uso de informação privilegiada, crimes previstos na lei 6.385, de 1976, e também por associação criminosa. Atualmente, Padilha consta como dono de uma empresa de contabilidade chamada Êxito, localizada no Centro do Rio de Janeiro. Ele também é presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (Ibef), cujo objetivo, segundo o próprio empresário, é “prover as melhores práticas de governança dentro da sociedade”. 

Questionado sobre as acusações da Polícia Federal, o advogado Carlos Eduardo de Moraes, que defende Padilha, negou o envolvimento de seu cliente nas fraudes da Americanas. Ele afirmou que o ex-diretor não vendeu ações da empresa em 2022, e que essa informação decorre de um erro da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Padilha, segundo o advogado, saiu da Americanas em 2021, “não tinha conhecimento de qualquer informação privilegiada”, manteve ações na empresa e por isso sofreu “perda substancial em seu patrimônio”. A alegação da PF, prosseguiu Moraes, “é absolutamente ilógica e irracional”. Por fim, afirmou que, “no que tange às colaborações premiadas, a defesa de Carlos Padilha não teve acesso integral ao seu conteúdo e, por esta razão, não se manifestará, por ora”.


[1] No dia 17 de junho, seis dias depois da publicação desta reportagem pela piauí, a Justiça desbloqueou os bens do empresário Carlos Eduardo Rosalba Padilha a pedido do Ministério Público Federal. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) corrigiu seu entendimento anterior de que Padilha havia vendido suas ações das Americanas, o que configuraria insider trading. A CVM constatou que, na verdade, o empresário havia alugado as ações, um procedimento usual no mercado.

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