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Por — São Paulo

A história é contada na metade final de “Betinho — no fio da navalha”, que tem os dois primeiros de seus oito episódios exibidos a partir de sexta-feira no Globoplay. Roseli dos Santos, a Rose Peituda, que comandou o tráfico no Morro do Barbante, na Ilha do Governador, no Rio, baixa a ordem: uma refeição por dia das presas no sistema carcerário fluminense passa a ser destinada para a “campanha do Betinho”. Interpretada na série pela mulher de carne e osso, hoje reintegrada à sociedade, a cena embaralha vida real e ficção. E ilustra a capacidade de mobilização do sociólogo e ativista Herbert José de Sousa (1935-1997).

— “No fio da navalha” tem um lado: o do Betinho. Que é o nosso também — diz o criador do projeto, José Júnior, que fundou a ONG AfroReggae no mesmo ano de 1993 em que Betinho criou a Ação da Cidadania para ajudar os brasileiros então vivendo abaixo da linha de pobreza. — Mas igualmente importante é mostrar como ele dialogava com o país inteiro, de presidiários a generais. E isso, basta olhar hoje, não é pouca coisa. A pátria, para ele, tinha de ser de todos. Ou de ninguém.

Não é um passeio seguir a trajetória de Betinho tal qual pensada por José Júnior, dirigida por Lipe Binder, roteirizada por Alex Medeiros e protagonizada por um Júlio Andrade em estado de graça. Nem deveria ser. A primeira série de ficção sobre o homem que foi um dos protagonistas do Brasil da segunda metade do século 20 acaba passando pelos dramas do próprio país no período.

Binder usa imagens documentais do ataque aos direitos civis após o golpe de 1964, das Diretas Já, da infância do movimento ambientalista e da mobilização pelo impeachment de Collor para sublinhar avanços e retrocessos nacionais.

Um destaque é a lente que coloca personagens de ficção em momentos históricos. Em uma cena de aeroporto, em que a cantada “volta do irmão do Henfil” se confirma com o fim do exílio de Betinho, é preciso olhar com atenção para assimilar que quem dá entrevista engasgada à TV não é o sociólogo, mas o ator Júlio Andrade, pela semelhança com o biografado e a precisão cênica.

— Foi um mergulho profundo, quatro meses exclusivamente respirando Betinho, raspando a cabeça todo dia, trazendo o espírito dele para o set — diz o ator e diretor de 48 anos, que viveu Gonzaguinha e Paulo Coelho no cinema. — Quando recriamos cenas emblemáticas, de certa forma fazemos aquilo acontecer de novo. É um dos aspectos mais incríveis de uma cinebiografia.

Elá Marinho como Elis Regina e Julio Andrade como Betinho na série 'Betinho: No fio da navalha' — Foto: Loiro Cunha / Globo
Elá Marinho como Elis Regina e Julio Andrade como Betinho na série 'Betinho: No fio da navalha' — Foto: Loiro Cunha / Globo

Uma das motivações da série foi a percepção de que a imagem do Betinho incansável, onipresente na TV aberta nos anos 1980 e 1990, tinha se diluído com o tempo. Pesquisa para consumo interno revelou que muitos entrevistados, não só os mais jovens, acreditavam que “No fio da navalha” seria sobre um jogador de futebol. Ou um músico.

— Quem hoje tem 30 e poucos anos não conviveu com meu pai. A série almeja resgatar a importância dele e enfatizar que a democracia e o estado de Direito, pelo qual ele tanto lutou, não estão postos. Tentou-se um golpe em janeiro, voltamos a ter mais de 30 milhões de pessoas passando fome. E pode-se comparar a negligência de Brasília com a Aids e com a Covid-19. Não dá para deitar em berço esplêndido — diz Daniel de Sousa, filho mais velho de Betinho, produtor associado e consultor do roteiro da série.

A participação da família não significa canonização do biografado. As contradições do fundador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) são apresentadas no âmbito pessoal — um dos fios condutores é a complexa relação de Daniel (Filipe Bragança) com o pai, que se separa de sua mãe, Irles (Leandra Leal), após se apaixonar por Maria (Julia Shimura), mãe de Henrique, seu filho mais novo. Também há polêmicas públicas, como o recebimento de US$ 40 mil do jogo do bicho em 1990 para manter viva a Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia), que fundara com o xará Herbert Daniel (Ed Moraes).

— Criamos a biografia de um ser passível de erros. Tenho certeza que Betinho faria questão desta abordagem — diz Alex Medeiros. — Ele sofreu ataques desproporcionais que ilustram como é mais fácil apontar o dedo em vez de expor uma crítica construtiva. E reagiu com altivez, fazendo autocrítica. Será ótimo se a série servir de espelho para se refletir sobre a cultura atual de polarização e cancelamento.

Ronaldo Fenômeno em 1996, na época jogador do Barcelona, participa da campanha Natal sem Fome criada por Betinho — Foto: Marcelo Carnaval / 15/12/1996
Ronaldo Fenômeno em 1996, na época jogador do Barcelona, participa da campanha Natal sem Fome criada por Betinho — Foto: Marcelo Carnaval / 15/12/1996

Com a ditadura militar caindo de podre, o sociólogo teria papel crucial em mover a sociedade civil para o palco das discussões mais importantes de seu tempo. Impregnou o país de cidadania e foi sinônimo da defesa dos direitos humanos com o Ibase, o Movimento pela Ética na Política, a Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida e a Abia. Vale lembrar que “No fio da navalha” será lançada em 1º de dezembro, Dia Mundial do Combate à Aids, dando início à campanha Natal sem Fome.

A série apresenta ao público personagens menos conhecidos, como os parceiros Atila Roque (Michel Gomes), Nádia Rebouças (Andréia Horta), que cunhou o slogan “quem tem fome tem pressa”, Carlos Afonso (Luiz Bertazzo) e Marcos Arruda (Higor Campagnaro).

Como se pode imaginar, as discussões reproduzidas na série são de alto nível. Mas o intelectual público que é retratado em “No fio da navalha” também lidou com questões de seu tempo que invadiram sua vida pessoal de forma avassaladora.

Betinho, como seus irmãos, o músico Chico Mário (Ravel Andrade, irmão mais novo de Júlio) e Henfil (Humberto Carrão), um dos maiores cartunistas brasileiros, era hemofílico, e precisava receber transfusões periódicas. Cada transfusão de plasma contém o sangue de vários doadores, e a testagem era escassa. Os três contraíram o vírus HIV. Henfil e Chico morreram em 1988, Betinho, nove anos depois. Vivida por Walderez de Barros, a matriarca dos Sousa, dona Maria, tenta aguentar a avalanche de dor.

No enterro de Henfil, Betinho, inspiração da lei batizada com seu nome que regulamentou de vez as transfusões de sangue, classifica a morte do irmão como “crime político”, evitável pelo poder público e pela pressão da sociedade.

A voz e os atos do “magro” deixaram legado incalculável na organização da sociedade civil brasileira. E um dos trunfos perenes da série poderá ser conferido em breve: a Prefeitura do Rio inaugura este mês, na Praia de Botafogo, uma estátua de Betinho.

— Se tem a do Gandhi, por que não a do Betinho? — pergunta José Júnior.

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