Viver o câncer
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Por — São Paulo

Com o avanço das pesquisas e novos tratamentos, o mundo está conseguindo reduzir a mortalidade por câncer? Essa é uma pergunta simples, mas quem estiver disposto a ouvir as repostas vai se deparar com muita complexidade. Um simples “sim” seria uma resposta única encapsulando uma variedade interna de outras respostas.

É comum especialistas dizerem que o câncer não é uma enfermidade única. Ele é de fato um conjunto diverso de doenças que compartilham entre si este nome e seu mecanismo de base: o funcionamento descontrolado de células desencadeado por mutações genéticas. A ameaça que os tumores representam, porém, muda conforme órgão acometido, sexo, idade, constituição genética, acesso a serviços de saúde e muitas outras variáveis.

Com uma estrutura robusta de vigilância epidemiológica, o Brasil já sabe com que incidência cada câncer tem acometido sua população. Sabemos também com precisão razoável quantas pessoas cada um deles mata (veja painel nesta página).

Para saber se o mundo (ou o país) está vencendo ou perdendo “a guerra contra o câncer” — expressão que já virou um chavão — é preciso medir como a taxa de sobrevida evolui no tempo, o que é mais difícil. Analisar se pacientes de câncer estão tendo prognósticos cada vez melhores requer programas de acompanhamento chamados pelos médicos de “estudos de coorte”.

O Brasil é um dos 71 países do mundo que fazem parte do consórcio de pesquisa Concord, que monitora a sobrevida de pacientes com esse método para 18 tipos de câncer. Os dados dessa iniciativa permitem comparar, além da evolução no tempo, diferenças geográficas no impacto de cada câncer. Em algumas frentes há razão para ter certo otimismo.

— Por exemplo, em todos os cânceres relacionados ao tabaco, não só o de pulmão, mas também o de boca e outros, a gente tem uma política muito exitosa no Brasil que é a de controle do tabagismo — diz Mirian Carvalho de Souza, epidemiologista do Instituto Nacional de Câncer (Inca). — A mortalidade e a importância do câncer de pulmão foi diminuindo à medida que essa política avançou, mas a queda é lenta porque o efeito do tabaco se dá gradualmente.

Um estudo da pesquisadora publicado na revista Cancer Epidemiology mostra que o declínio começou a ocorrer principalmente a partir de 2005, majoritariamente entre homens. Ela projeta que só depois de 2021 uma queda mais acentuada entre mulheres ocorreria, e dados ainda estão sendo coletados para avaliar o período recente.

Tratamentos

Alguns cânceres apresentam agora uma taxa melhor de sobrevida não só por avanços de prevenção, mas porque houve de fato uma melhora no tratamento clínico.

— Mas a melhora no tratamento depende muito do câncer a que estamos nos referindo — afirma Paulo Lotufo, epidemiologista e professor de clínica médica na Universidade de São Paulo (USP) — O prognóstico para os linfomas, por exemplo, teve uma mudança para melhor por causa de avanço em tratamentos, mas isso não acontece ainda com cânceres de pâncreas.

O efeito de avanços mais recentes, justiça seja feita, ainda estão sendo medidos. Os estudos que começaram em 2023 vão levar tipicamente cinco anos de acompanhamento de coorte para responder quantos pacientes sobreviverão, e não raro cientistas levam mais de um ano para processar as análises. O último levantamento global geral do Concord, por essa razão, saiu em 2018, e o próximo ainda está em andamento.

A taxa de sobrevida, além disso, é tipicamente medida a partir do diagnóstico, e precisa ser cuidadosamente calibrada. Nas pesquisas que não o fazem, avanços em técnicas de imagem e rastreamento de tumores passam uma impressão errônea de que alguns pacientes estão sobrevivendo mais em função do diagnóstico precoce.

— O cálculo de sobrevida do câncer depende muito de se há ou não diagnóstico precoce, mas não é porque o diagnóstico precoce aumentaria necessariamente a longevidade. É porque o tempo de contagem da sobrevida será maior ao se começar antes — explica Lotufo. — Isso está no fundo de uma discussão enorme sobre quando e como fazer check-up do câncer de próstata.

O diagnóstico precoce, de qualquer modo, tem sido um diferencial importante para casos como os de câncer de colo útero, por exemplo, que melhorou muito com a universalização do exame Papanicolaou e de testes de HPV, o vírus associado à doença. Souza, do Inca, diz esperar uma queda ainda mais acentuada agora com as campanhas de vacinação contra o patógeno.

Desigualdades

Quando feita uma comparação entre países, na maioria dos casos fica clara uma evolução da taxa de sobrevida com o índice de desenvolvimento humano dos países, especialmente nos cânceres mais complexos. A última edição do Concord mostrou que a taxa de sobrevida de câncer cerebral no Brasil ainda é pequena (28,9%) enquanto em países como a Suécia e a Dinamarca ela já se aproxima dos 80%.

No contexto da desigualdade regional, uma constatação frustrante da epidemiologia do câncer é que os grandes avanços em genética e personalização de tratamentos não têm, ainda, impacto amplo na sociedade.

— A identificação genética se reduz a poucos tipos de cânceres, e existe muita propaganda para pouca efetividade em termos populacionais. Mas para uma pessoa pode significar muito — diz Lotufo.

Essa melhoria dentro do contexto do Sistema Único de Saúde (SUS), ainda se resume a poucos cânceres, dentre os quais alguns tipos de melanoma e tumores de mama com mutação no gene HER2.

Dentro do Brasil, um problema importante a se atacar para melhorar as taxas de sobrevivência está na frente social da questão. Num país com alta desigualdade racial, não chega a ser surpresa que a taxa de sobrevida de negros para o câncer seja menor do que a de brancos.

Um estudo de Souza, publicado na revista Lancet Global Health, mostra que para tumores de mama tratados no SUS essa diferença é de 10%: com 74% de sobrevida entre as mulheres brancas contra 64% entre as negras.

Um aspecto que a literatura médica deixa claro é que, nos últimos 50 anos, a maior parte do avanço na luta contra o câncer foi alcançada na prevenção. Na frente do tratamento houve progresso, ainda que menor, conseguido a duras penas por pesquisa e ensaios clínicos. Mas o maior terreno a se avançar para salvar mais vidas agora está em fechar a lacuna da desigualdade no acesso à saúde.

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