Saúde
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Por — São Paulo

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu de forma liminar na sexta-feira a resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que proíbe a utilização da assistolia fetal para a interrupção de gestações acima de 22 semanas decorrentes de estupro. A decisão foi mais um capítulo na batalha pelo acesso ao aborto legal no Brasil.

No dia 4 de abril, o CFM publicou no Diário Oficial da União uma resolução que proibia os médicos de realizarem o procedimento. O método, recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para os casos de aborto acima de 20 semanas, consiste na injeção de agentes farmacológicos para interromper os batimentos cardíacos do feto, que depois é retirado da barriga da mulher para completar o procedimento do aborto. Na prática, a norma impedia que a gestação resultante de estupro fosse interrompida nesse período, o que contraria a lei brasileira, que não estabelece limite máximo para o procedimento.

A decisão de Moraes ainda não é definitiva. Ele determinou a análise da liminar pelos demais ministros e o processo foi incluído na sessão do plenário virtual que começa no dia 31 de maio. A suspensão da norma valerá até o julgamento final do tema pelo Supremo, em data que ainda não está definida.

As brasileiras têm direito a realizar um aborto em três situações: quando a gravidez representa risco de vida para a gestante, quando é resultado de estupro ou quando o feto é anencefálico. O procedimento deve ser realizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). No entanto, apesar de estar na lei, cada vez mais as gestantes têm enfrentado obstáculos para ter acesso à interrupção da gravidez — e a proibição da realização da assistolia era o mais recente deles.

— Uma portaria de 2012 orienta que o serviço ocorra até 22 semanas, mas não é um impeditivo, é uma recomendação. A lei brasileira não bota limite, não existe prazo. Ninguém quer que a gestação ultrapasse 22 semanas, mas o Brasil é um país continental em que apenas 3,6% dos municípios têm serviço de abortamento legal. Dos cem serviços cadastrados, metade funciona. E a distribuição não é homogênea — explica o ginecologista Olímpio Moraes, diretor médico da Universidade de Pernambuco.

Existe uma série de razões pelas quais as mulheres que recorrem ao aborto legal chegam em fases gestacionais mais avançadas. No caso das meninas e dos adolescentes, há a falta de reconhecimento dos sinais da gravidez no próprio corpo — muitas vezes, meninas de 11, 12 anos estupradas tiveram poucos ciclos de menstruação e a família só percebe a barriga quando já estão com 17 semanas. E só aí começa a saga para poder realizar o procedimento.

Médicos que preferem não ser identificados ainda explicam que alguns centros exigem novas consultas médicas, com psicólogos, assistentes sociais e mais exames, além de burocracias, de forma a retardar o procedimento para que a paciente desista ou que não possa mais ser feito após as 22 semanas.

Além da escassez dos serviços, a falta de informação é outro motivo. Geralmente, os profissionais de saúde não sabem como orientar e para onde encaminhar essas pacientes. Há também profissionais que, por questões ideológicas, nem realizam o procedimento nem informam a paciente.

— Se o CFM está preocupado com os procedimentos após 22 semanas, vamos fazer uma campanha: toda secretaria tem que ter o serviço disponível e abrir processo ético contra médicos que bloqueiam o direito à informação — diz Olímpio.

— Embora as leis assegurem aborto em determinados casos, na vida real o aborto está se tornando cada vez mais difícil e até impossível no Brasil — afirma a ginecologista e obstetra Helena Paro, do Núcleo de Atenção Integral às Vítimas de Agressão Sexual, na Universidade Federal de Uberlândia.

Paro faz uma estimativa: o Brasil realizou em 2023 cerca de 2.800 abortos legais. Em média, são 20 mil nascidos vivos de crianças menores do que 14 anos, ou seja, vítimas de estupro de vulnerável, que deveriam ser informadas sobre seu direito de abortar. O Ipea calcula que ocorram, anualmente, cerca de 800 mil estupros. Geralmente de 5% a 15% deles resultam em gravidez: dariam 40 mil gravidezes resultantes de estupro, mais as meninas. Ou seja, haveria direito para realização de 60 mil abortos legais no Brasil por ano, sem contar a anencefalia.

— O aborto legal está só no papel no Brasil — conclui.

Centros fechados

Enquanto isso, centros que realizam o serviço vai sendo esvaziados ou fechados. Em São Paulo, o Hospital e Maternidade Vila Nova Cachoerinha, com mais de 30 anos de experiência no aborto legal, teve o serviço interrompido em dezembro. No primeiro momento, a justificativa da Secretaria Municipal de Saúde era que não havia demanda. Em 2023, de acordo com a ONG Projeto Vivas, foram realizados 400 atendimentos, dos quais 153 resultaram em aborto legal no hospital. Depois, a SMS afirmou que o centro seria usado para realização de cirurgias.

Em paralelo, surgiram denúncias de que prontuários de pacientes haviam sido levados pela SMS e pelo Conselho Regional de Medicina de SP (Cremesp) para apurar procedimentos. Em março, um inquérito foi aberto e a Polícia Civil de São Paulo passou a investigar a prefeitura. Legalmente, só os pacientes têm direito a acessar seu prontuário ou é necessária ordem judicial.

Duas profissionais que trabalhavam no local tiveram o CRM suspenso e estão sendo investigadas pelo Cremesp. De acordo com fontes ouvidas pelo GLOBO, elas não tiveram acesso ao processo e as supostas denúncias contra seu trabalho não são acessíveis.

O Cremesp afirma que “respeita o direito da mulher ao aborto legal e ressalta que, como autarquia federal, tem a prerrogativa de fiscalizar o exercício ético da Medicina em qualquer instituição hospitalar no Estado de São Paulo”.

A SMS disse à reportagem que o aborto legal está disponível em quatro outros hospitais municipais da capital, “dentro das premissas de segurança e qualidade conforme prevê a legislação vigente”.

Rebeca Mendes, advogada e fundadora do Projeto Vivas (uma ONG com foco nos direitos sexuais e reprodutivos), explica, porém, que esses outros centros na capital paulista são “sem estrutura e mal preparados”. Além disso, enquanto o Cachoeirinha fazia mais de cem procedimentos por ano, cada um dos hospitais indicados faz cerca de quatro.

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