Saúde
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As repercussões das enchentes no Rio Grande do Sul, que cerca de duas semanas deixam mais de 150 mortos e 500 mil pessoas desabrigadas, revelam uma angústia coletiva sobre o futuro que ganhou nome oficial e recebe um olhar cada vez mais atento no meio científico: ecoansiedade ou ansiedade climática.

O termo foi apresentado em 2017 pela Associação Americana de Psicologia, quando o descreveu como um “medo crônico de sofrer um cataclismo ambiental que ocorre ao observar o impacto, aparentemente irrevogável, das mudanças climáticas”. Em 2021, entrou para o prestigioso dicionário de Oxford – dois anos depois que a instituição elegeu “emergência climática” como a palavra do de 2019.

No Brasil, “ecoansiedade” também ganhou status formal ao ser incorporada como uma nova palavra pela Academia Brasileira de Letras (ABL), que a define como um “estado de inquietação e angústia desencadeado pela expectativa de graves consequências das mudanças climáticas e pela percepção de impotência diante dos danos irreversíveis ao meio ambiente”.

Em poucas linhas, o receio constante de que os efeitos nocivos de atividades humanas ao planeta não tenham mais volta, explica o coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Trauma e Estresse da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), Christian Kristensen. Para o psicólogo, a maior frequência de eventos como as enchentes são um dos fatores que têm aumentado o interesse pelo tema.

— Não é uma patologia, mas um fenômeno que tem a ver com essas emoções desconfortáveis, como angústia, tristeza, impotência e até raiva em relação às mudanças climáticas. O interesse pelo tema cresce não só por causa do maior conhecimento sobre os impactos ambientais, mas pelos eventos que vemos na mídia, as vivências pessoais. Então, no cenário em que temos cada vez mais fenômenos extremos acontecendo, isso tende a aparecer com mais frequência — diz.

Para a psicanalista e doutora em Meio Ambiente pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Ana Lizete Farias, trata-se de “uma consequência deste cenário de crise do estilo de vida coletivo” devido às mudanças do clima. O que surge de forma ainda mais intensa entre as vítimas de desastres, pontua a pesquisadora do Laboratório de Psicologia Ambiental da Universidade de Brasília (UnB), Claudia Pato.

— Enquanto fator de estresse ambiental, as alterações climáticas têm o diferencial de serem uma ameaça real em curso e em desenvolvimento. Não há um perfil específico entre os que são afetados por ela, porém é mais comum entre aqueles que se preocupam com as questões ambientais e que são mais suscetíveis a casos de depressão e ansiedade. E aquelas afetadas diretamente por desastres climáticos, que podem vivenciar medos, traumas, depressão e ansiedade em níveis muito mais intensos — afirma.

A conselheira do Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul (CRP - RS) Luciana Fossi aponta que a tragédia atual no Sul, por exemplo, está trazendo consequências a curto, médio e longo prazo entre os que tiveram a vida diretamente afetada pelas inundações.

— Qualquer previsão de chuva ou alerta da Defesa Civil vai gerar uma ansiedade muito maior na população a partir de agora. As consequências reais das questões climáticas estão sendo sentidas. Agora precisamos pensar em políticas públicas que possam mitigar os efeitos emocionais deste evento para as pessoas — defende.

Além disso, quando situações extremas ocorrem, crianças e adolescentes também podem ser mais impactadas por não terem a mesma capacidade de adultos de compreenderem o que está acontecendo, aponta José Paulo Ferreira, presidente da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul (SBP-RS).

— Se os adultos estão angustiados com o amanhã, imagine as crianças e adolescentes que, de uma hora para a outra, precisaram sair de casa nos braços dos pais e não sabem o que vão fazer nas horas seguintes. Não saber mais onde moram e se os brinquedos ou animais de estimação ainda estarão lá quando voltarem, provoca uma perda muito grande — avalia.

Para a população geral, o sentimento de ansiedade climática pode ser potencializado pela forma como cada um acompanha a situação. A psicóloga e professora da FGV Vera Mello, por exemplo, recomenda que a população tenha um olhar crítico na hora de consumir conteúdos pelas redes sociais: — É preciso ter atenção com o tempo gasto na internet, colocando limite de duração e escolhendo fontes confiáveis.

Para 75% dos jovens, o futuro é ‘assustador’

No Brasil, especialistas explicam que ainda há pouco trabalho acadêmico sobre ecoansiedade, mas em outros países o assunto já ocupa um lugar de maior destaque na comunidade científica. Um dos maiores estudos conduzidos até agora foi feito por pesquisadores da Universidade de Bath, na Inglaterra, que entrevistou 10 mil jovens de 16 a 25 anos em 10 países, incluindo o Brasil.

Os resultados, publicados na revista científica The Lancet Planetary Health, revelaram que 59% dos jovens relatam estar muito ou extremamente preocupados com as mudanças climáticas (67% entre os brasileiros), e 45% a ponto de essas questões afetarem negativamente as suas rotinan (proporção de 50% no Brasil).

Além disso, 40% disseram hesitar em ter filhos devido às alterações do clima, e 75% concordaram que “o futuro é assustador”. Para 65%, os governos falham em implementar medidas para impedir o problema, o que mostra um “quadro terrível de ansiedade climática generalizada em nossas crianças e jovens”, destacou a autora do trabalho, Caroline Hickman, da Universidade de Bath e da Aliança de Psicologia Climática, quando ele foi publicado.

— Os jovens têm sido mais afetados porque em geral não possuem experiências "de passado" sem a presença desses eventos climáticos extremos. Além disso, têm uma maior preocupação com o seu futuro, que parece cada vez mais incerto — pontua Pato, que também é líder do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Ambiental e Ecologia Humana (ECOHUMANA), da UnB.

É como pensa também a psicóloga Vera Mello: — Jovens têm enfrentado escolhas em relação ao futuro mais difíceis do que as gerações anteriores, como a opção de ter um filho em um planeta já sobrecarregado e visivelmente insustentável. Em meio a estas dúvidas, é essencial o fornecimento de apoio emocional e psíquico para conseguirem lidar com essas preocupações.

Já em relação a como lidar com a ansiedade climática de um modo geral, estudos apontam que o engajamento em ações que contribuam para mitigar as mudanças climáticas, por exemplo, são uma atitude que reduz o estresse e favorece o bem-estar, explica a psicóloga da UnB.

— No entanto, aqueles que são severamente afetados podem necessitar de ajuda, como, por exemplo, pela a redução de acesso às mídias e redes sociais e foco em questões mais imediatas de sua vida — diz.

Kristensen, da PUC-RS, esclarece quando essa preocupação passa a acender um alerta: — Quando deixa de ser apenas algo ocasional e passa a ser intenso e recorrente, prejudicando o funcionamento do indivíduo. Não traz apenas sofrimento, mas interfere no seu trabalho, nos seus estudos, na sua vida social ou gera até mesmo sintomas físicos, como tensão muscular, prejuízos no sono, eventualmente um quadro de ataque de pânico.

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