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Ao passar pela porta, o cliente encontra um ambiente tomado por cadeiras confortáveis e acolchoadas, móveis assinados por designers, teto texturizado por estacas de madeira e luzes de led na cor amarela. Depois de se sentar, é oferecido a ele um cardápio simples com algumas opções: bolo de café e cacau, pão low carb, kombucha, água alcalina e chás. O diferencial, no entanto, é encontrado nas páginas finais do menu: a oferta de uma longa lista de soros que devem ser administrados por via endovenosa.

Esse cenário é mostrado em um vídeo que viralizou na rede social TikTok, no qual uma influenciadora relata a sua experiência em uma clínica de estética de luxo que oferece a soroterapia, procedimento alvo de críticas de especialistas e objeto da fiscalização dos Conselhos Regionais de Medicina de São Paulo e do Rio de Janeiro.

O tratamento é feito a partir da infusão intravenosa de vitaminas, sais minerais e aminoácidos, cuja mistura promete alcançar resultados milagrosos, que vão desde o aumento da imunidade, melhora do aspecto da pele, potencialização da energia, emagrecimento e até alívios para a depressão e ansiedade. Adotado por celebridades como Madonna, Rihanna, Gwyneth Paltrow e Hailey Bieber, a soroterapia também prevê a administração de hormônios como testosterona, estradiol, oxandrolona e outros nutrientes, como ferro e a vitamina B12.

Nos estabelecimentos consultados para a realização desta reportagem, o procedimento ofertado necessariamente é antecedido por consultas preliminares com especialistas, cujos valores variam de R$180 a R$850, e pela realização de uma bateria de exames. Após essa etapa inicial, planos de tratamento personalizados seriam formulados com base no método de soroterapia.

Usos e desusos dos soros

De acordo com o presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, o médico Paulo Augusto Miranda, a suplementação intravenosa é um protocolo indicado para situações em que o paciente necessita de absorção de vitaminas e minerais por essa via, como em casos de distúrbios de absorção intestinal ou restrição ingestão oral desses nutrientes. No entanto, ele ressalta que esse procedimento demanda, obrigatoriamente, a coleta de história clínica, avaliação de exames laboratoriais e a prescrição médica.

— O uso de micronutrientes, administrados muitas vezes em superdoses, para tratamentos voltados para a estética não traz nenhum benefício para a saúde porque o nosso organismo apresenta padrões próprios para a absorção desses elementos. Essas terapias endovenosas burlam esse mecanismo, e não há garantia alguma de melhor eficiência e aproveitamento. Temos uma capacidade limitada de uso agudo, e o nosso organismo excreta o resto — ele explica.

O endocrinologista também alerta para os riscos desse tratamento que podem estar relacionados ao procedimento de infusão intravenosa, como sangramentos, inchaços, inflamações e reações alérgicas. Ocorrências mais graves, no entanto, também podem ser desencadeadas pela superdosagem e pela incapacidade do organismo de processar o excesso de nutrientes, ocasionando intoxicações e infecções sistêmicas.

Esse foi o caso do deputado estadual Carlos Alexandre (PL- SE), conhecido como Pato Maravilha. Em entrevista ao Fantástico exibida no início do mês, o parlamentar disse que buscou a soroterapia para obter mais energia e solucionar sua sensação de cansaço constante. Depois da segunda sessão, o deputado sentiu um desconforto, mas o médico insistiu para que ele seguisse o tratamento.

Carlos Alexandre foi hospitalizado em Aracaju (SE) após sentir uma forte dor no estômago e na cabeça. Diante da piora de seu estado de saúde, ele precisou de uma transferência de emergência, por UTI aérea, para São Paulo. A equipe médica constatou que uma intoxicação por cromo, mineral que pode ser encontrado nos soros terapêuticos, tinha afetado vários órgãos.

Injetando a verdade

O Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro (CREMERJ) se posicionou contrário ao tratamento de soroterapia. Segundo o presidente desse órgão, o médico Walter Palis, a fiscalização de clínicas que oferecem esse serviço deve começar em breve e vai acontecer por meio da apuração de denúncias feitas pelo público e pela busca ativa por essas clínicas nas redes sociais.

De acordo com Palis, os principais questionamentos a serem feitos dizem respeito ao controle de qualidade dos produtos ofertados, uma vez que os estabelecimentos não disponibilizam informações prévias sobre a composição dos soros e a concentração de seus ingredientes. O médico também alerta sobre a inexistência de comprovação científica dos benefícios proporcionados por esses métodos.

— Reconhecemos que a hidratação endovenosa pode ser indicada em situações médicas, mas que requerem diagnóstico, estudo e consulta ao paciente. No entanto, enxergamos esses tratamentos que têm viralizado como uma estratégia mercadológica que nada tem a ver com a abordagem médica — ele afirma.

No início do mês, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) também promoveu uma operação de controle nesses estabelecimentos, nomeada "Soro da Verdade". No total, 16 clínicas analisadas prometiam resultados, 17 não apresentavam o registro no CRM e nenhum estabelecimento informava o RQE, registro de qualificação de especialidade.

— O público leigo pode se iludir e ser enganado pelos tratamentos que são oferecidos. Mas é preciso deixar claro que o milagre não existe na Medicina. Para alcançar resultados, fazemos muito estudos, consultas e diagnósticos — Palis esclarece.

A alternativa para esse tratamento está, justamente, em uma mudança do estilo de vida, incluindo a melhora da alimentação, realização de exercícios físicos e esforços para melhorar a saúde mental, de acordo com o nutricionista Elton Bicalho, vice-presidente do Conselho Regional de Nutricionistas.

— Infelizmente, a maioria das pessoas procura uma forma rápida de obtenção de resultados, e por vezes caem em promessas que, a médio ou longo prazo, não se sustentam. As pessoas buscam projetos, como o projeto verão, Carnaval ou casamento. Só que elas esquecem que tudo tem início, meio e fim. Quando você busca saúde e qualidade de vida, isso não é projeto, é meta — o especialista defende.

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