Medicina
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Por Eduardo F. Filho — São Paulo

O ano do ator e apresentador Luciano Szafir, 54 anos, não foi fácil. Desde o dia 14 de junho de 2021, quando começou a sentir os primeiros sintomas da infecção pelo coronavírus, até o último dia 20 de junho de 2022, ele ficou cerca de 70 dias internado em hospitais do Rio e São Paulo, três diagnósticos positivos de Covid-19, além de uma série de complicações derivadas da doença que ele precisou se submeter a exames bem invasivos. Como a introdução de uma bolsa de colostomia após a perfuração de uma alça do intestino e, mais recentemente, uma sonda de 60 centímetros, que ele mesmo precisou engolir, para retirar alimentos que entupiram e infeccionaram o órgão.

No último final de semana, após sentir dores abdominais, Szafir precisou ser internado novamente com um quadro de suboclusão intestinal. Ele teve alta no domingo, 19, no começo da tarde e já está em casa no interior de São Paulo, com a família, onde se recupera bem. Na quarta-feira, 15, já se queixando de dores, ele falou com exclusividade ao GLOBO sobre os dramas que viveu na internação para a retirada da bolsa de colostomia, os traumas adquiridos por hospitais, a ajuda da terapia e a esperança de recomeçar a vida.

Nesse último ano, você precisou ficar internado três vezes. Teve que reaprender a se alimentar, andar e necessitou até mesmo de ajuda para tomar banho. Imaginou alguma vez precisar passar por isso?

Jamais. Eu nunca tinha passado por um hospital. Para dizer que não, passei quando fiquei preso em um incêndio há muitos anos no meu apartamento. Fiquei uns cinco dias internado com o pulmão super fragilizado, porque engoli muita fumaça. Sempre fui ultra saudável. Tive quando era moleque algumas lesões de jogar futebol, mas sempre resolvia em consultório médico. Passar por tudo o que eu passei, se alguém me contasse, eu riria. É horrível você não conseguir respirar, não conseguir comer, ficar se alimentando por meio de uma sonda. Fiquei sem comer e beber nada por mais de 20 dias. Quando minha boca estava seca, passavam um spray de saliva falsa para dar a sensação de saciedade e alívio. Durante a Covid eu não conseguia dar três passos, na semana seguinte eu já andava 50 metros sem passar mal. Meu corpo respondeu bem, mas eu não conseguia tomar banho sozinho. Saía cansado, como se eu estivesse corrido meia maratona. Foi um horror. O “bom” é que no hospital você fica sempre dopado porque eles não querem que você sinta dor. Lá no CTI, a cada duas horas, você tem algum remédio, seja novalgina, ou ansiolíticos. Os médicos me prepararam para o desmame dos remédios quando eu chegasse em casa, e falaram sobre a possibilidade de ficar irritado facilmente, mas não está acontecendo comigo, eu estou bem feliz de estar em casa com minha mulher e meus filhos. A situação é muito mais confortável. Eu passei 29 dias deitado ou sentado olhando para o teto. Claro, fazia fisioterapia durante uma hora por dia, mas depois voltava a deitar ou sentar na maca sem respirar um ar puro. Se contar todo o meu período em hospitais, eu passei 70 dias dentro deles. Eu não pretendo passar por um bom tempo nem para visitar alguém.

Qual foi o pior momento durante o período de internações?

Eu passei por um tenebroso recentemente, durante a retirada da bolsa de colostomia. Depois da cirurgia, eu já estava no quarto, começando a me alimentar, prestes a receber alta, uma das alças do meu intestino inflamou e a comida que eu coloquei para dentro ficou entupida. Passei muito mal, precisei vomitar, mas não foi o suficiente, colocaram uma sonda em mim. Um cabo, de cerca de 60 centímetros. Os médicos introduziram pela minha narina até a região da garganta. De lá, eu precisei fazer movimentos peristálticos para engolir o tubo, que tem a grossura de um canudo de milkshake, até chegar no estômago. Fiquei uma semana com essa sonda, sem me alimentar direito, sem dormir, foi desesperador. E isso precisava ser feito para desinflamar as alças e fazer com que o órgão voltasse a funcionar normalmente. Foi doloroso, duro e muito difícil.

Em algum momento acreditou que não sobreviveria?

Em alguns momentos fiquei frente a frente com a morte. O mais forte ocorreu durante a primeira internação. Já depois de operado, eu estava no CTI, eram duas da manhã, tomei meu remédio, dei boa noite para todo mundo e dormi. Quando abri o olho, havia uns quatro médicos em volta de mim. Acordei sentindo uma dor no peito absurda. No quadro, onde fica os batimentos cardíacos, estava marcando 180. O normal acelerado era 70. Os meus batimentos cardíacos chegaram nos 202, antes de pararem. Eu ouvi aquele som contínuo da máquina, o mesmo que escutamos nos filmes quando o personagem morre. Eu só pensava que a qualquer momento as luzes se apagariam. Eu estava totalmente consciente, quase quebrei a mão da doutora de tanto que eu a apertava. Foram os dez piores segundos da minha vida. E do nada a máquina começou a contar os batimentos novamente, até parar no 80. O meu coração foi desligado. É uma sensação de pular do precipício sem paraquedas. Quando fui tirar a bolsa de colostomia, durante a cirurgia, também quase fui embora porque a minha pressão chegou a 5 por 2. Eu tive que tomar uma injeção de noradrenalina. Eu acabei pegando um trauma muito grande de hospital e internação. A todo o momento, desde que eu entrei no hospital, tive medo de morrer. A cada dez minutos, eu não sabia se eu sobreviveria outros dez.

Na sua última cirurgia para retirada da bolsa de colostomia também houve complicações. O processo que duraria em torno de duas horas e meia ultrapassou as oito horas. O que houve?

Os médicos queriam realizar a cirurgia de forma robótica, com um furo apenas, mais tranquila, menos invasiva e com uma recuperação mais rápida. Porém, ao introduzir o robô, eles viram que todos os meus órgãos estavam compactos em um só, eu tive o que eles chamam de abdômen congelado. Eles precisaram me abrir, do peito até o umbigo, algo em torno de 40 pontos, para com a mão, separar órgão por órgão e os colocar em seu devido lugar. Só isso demorou cerca de quatro horas e meia. A equipe médica decidiu prolongar o tempo da minha bolsa justamente na tentativa de ver se os órgãos perdiam aderência e se soltavam, mas infelizmente isso não aconteceu. A cirurgia, por mais que estivesse anestesiado, é muito delicada, pois eles me abriram e esticaram a minha pele. Então, mesmo depois de alguns dias ainda era uma área muito sensível e muito dolorida, que necessitava de um tempo maior de repouso.

Você está fazendo uma série de exercícios, além da fisioterapia, e seguindo uma dieta restritiva. Como tem sido essa recuperação em casa?

Eu infelizmente ainda não posso comer uma lasanha, bem que eu queria. Apesar de ser restritiva, está bem leve e saudável a minha dieta, não é algo de outro mundo que eu não possa fazer. Eu tomo sopa de legumes e verduras. Posso comer pequenas porções de peixe e frango desfiado. São ao todo seis refeições por dia, em torno de 400ml, e seguirá assim pelos próximos dez dias. Depois, os médicos esperam poder incluir pães, mas sem glúten e lactose para facilitar a digestão. Estou bebendo muito chá e água de coco para manter a hidratação do meu corpo. Converso com a equipe médica todos os dias e falo se estou sentindo alguma dor ou se a barriga está distendida e eles vão me orientando com a flexibilidade da comida. Como fiquei muito tempo sem colocar uma comida ou bebida na boca, o simples fato de comer uma sopa já está sendo delicioso. Mas não vou mentir, sinto falta de um bom e belo prato de arroz e feijão, daqueles bem grande e temperado para comer de colher.

Você diz que recebeu uma segunda oportunidade de viver depois dessas últimas três internações. Como pretende usar essa nova chance?

Eu vou continuar levantando cedo, fazendo minhas orações, meditando, e pretendo levar meus filhos no colégio todos os dias. Depois disso vou cuidar da minha saúde, seja por meio da fisioterapia, ginástica, musculação. As reuniões de trabalho ou gravações serão só a partir das 11h, e vou parar definitivamente às 19h. Vou fazer 54 anos, já trabalhei muito, tenho o direito de organizar a minha vida para participar mais ativamente com a minha família. Eu sempre fui muito presente, mas agora vou colocar uma hora de início e uma final no trabalho. Claro que haverá exceções, mas no geral vou ter esse ciclo. Eu aprendi que a vida é muito curta. Eu estou falando com você agora, mas posso não estar mais neste plano daqui a duas horas. Então quero aproveitar ao máximo ao lado das pessoas que eu amo, dizer "não" sem medo de me preocupar com o que as pessoas vão pensar sobre mim. Acho que isso foi a grande mudança que aconteceu comigo: eu parei de me preocupar mais com os outros e passei a me preocupar mais com a minha família e comigo.

Você começou a fazer terapia depois da primeira internação. Ela ajudou a passar mais tranquilamente pela internação?

Comecei a ter muita crise de pânico, medo de tudo praticamente, e nunca havia feito ou pensado na terapia. Foi um alívio para mim nesses períodos e uma peça fundamental que levarei para a vida. Eu converso sobre meus medos, sobre ansiedade, sobre TOC, mas é um trabalho de médio e longo prazo, não é algo que se resolve do dia para a noite. Eu, inclusive, passei por uma crise de pânico muito forte com minha terapeuta no telefone. Ainda tive forças para ligar para ela. Sempre meditei, fiz yoga, mas eu precisava de ajuda, não estava conseguindo voltar ao eixo sozinho. Demorou muito, ficamos mais de quarenta minutos no Facetime, eu estava completamente vendido. Estava em uma situação de pena mesmo. Graças a Deus não tenho mais, nem lembro da minha última. Eu estou com outra cabeça. A terapia me ajudou a encarar alguns traumas que vieram depois da internação. Eu não conseguia mais ver nada na televisão relacionado a hospital, por exemplo, "The good doctor" e "Chicago Med", que são séries que eu curtia ver, me davam tremedeira e choque. Ainda hoje, não consigo assistir um jornal, ainda mais se a notícia for sobre morte, cirurgia ou sangue.

Você, que sempre foi alguém vaidoso, desfilou na São Paulo Fashion Week com a bolsa de colostomia à mostra. Foi difícil?

Depois da minha primeira cirurgia, eu abri o olho e vi aquela bolsa. Eu nunca soube ou tinha ouvido falar em alguém com uma bolsa de colostomia. A primeira coisa que eu perguntei foi: que coisa é essa na minha barriga? Abri meu Instagram e tinha mais de 50 mensagens de pessoas se oferecendo para me ajudar, perguntando se eu estava bem, como eu estava com a bolsa, todos colostomizados. Falei com homens e mulheres de diferentes idades com uma coisa em comum: autoestima zero, super deprimidos. Pessoas que nunca namoraram por causa da bolsa, ou que nunca ficaram nus por conta do medo da rejeição. Eu comecei a perceber que as pessoas são as mesmas, e que essa bolsa é o significado delas estarem vivas. Foi daí que surgiu a ideia de fazer um desfile mostrando o quanto essa bolsa era importante na vida de tantas pessoas, mas todo mundo foi contra. Minha mãe falava: “Ai filho, não vai mostrar isso”, meus assessores falavam que eu tinha assuntos melhores para falar. Tem muitas pessoas famosas que eu descobri que usaram bolsa e mantiveram escondidas porque não sabiam como as pessoas reagiriam. A colostomia não te define, você não muda quem você é por isso e eu precisava mostrar isso para as pessoas. Tinha que dar uma esperança para essas tantas que me escreveram. Resolvi desfilar na São Paulo Fashion Week e deu essa repercussão gigantesca que eu não imaginava. Depois, vi homens e mulheres publicando fotos em suas redes sociais sem camisetas, mostrando a bolsa, pessoas que sofriam bullying na escola, que não iam para a praia por conta da bolsa tirando fotos na areia. Recebi mensagem de pessoas que estavam pensando em se suicidar por causa da bolsa. Eu mudei a mentalidade delas, e isso vale muito a pena. Valeu ter ficado doente só para mudar a vida dessas pessoas. Eu não pensei em vaidade, mas em fazer alguma coisa para ajudar. Eu não tenho mais aquela vaidade de menino de 30 anos. Já passei por essa fase. É legal e conta ter beleza estética, isso para qualquer idade, porém essa causa era muito maior que eu. Acabei virando especialista em bolsa de colostomia. Vários amigos que colocaram me ligam pedindo conselho, perguntando se as dores que eles sentem são normais, ensino a trocar, para tirar e etc... Não tenho conhecimento médico, mas aprendi muito sobre colostomizado e falo como paciente, como humano que passou por aquilo.

O que fez você querer lutar e encarar tantos episódios de quase morte?

Minha família. Eu quero viver para quero ver meus filhos envelhecerem, se casarem. Vi a Sasha (Meneghel) recentemente, e agora faltam os outros dois. Quando estou nessa posição, me lembro da minha mãe que já enterrou uma filha, minha irmã mais velha, nos meus três filhos, na minha esposa, meus irmãos. Eu amo a família intensamente, isso me dá forças para passar por qualquer obstáculo por pior que ele seja. Hoje eu sei o quanto a vida é valiosa.

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