Se na vida banal de um homem (ou mulher) cabe mesmo um universo, os diretores/roteiristas Dan Kwan e Daniel Scheinert foram atrás de demonstrar. “Everything everywhere all at once” (no original) é um delírio maximalista que pode ser tudo, menos discreto.
O longa começa na lavanderia que Evelyn Wang (Michelle Yeoh), uma imigrante chinesa nos Estados Unidos, comanda ao lado do marido, Waymond (Ke Huy Quan), e o pai, Gong Gong (James Hong). Pressionada pelas finanças e pelo bafo quente da Receita Federal, abatida pela relação distante com a filha e por um divórcio iminente, ela anseia por algum tipo de escape.
É quando Waymond (ou alguma versão alternativa sua) subitamente carrega Evelyn para um mundo paralelo, que está sendo ameaçado pelas intenções de uma vilã. Nesse universo de aventura, o prosaico da sua vida se transforma em uma batalha pela sobrevivência, com personagens que funcionam como espelhos das pessoas com quem convive.
A narrativa embarca na teoria dos multiversos, que vem alimentando boa parte da ficção pop, para levar o espectador por uma montanha-russa acelerada de gêneros e linguagens.
Evelyn precisa navegar por diferentes dimensões que tomam a forma de suas memórias, aflições e aspirações, e se infiltram umas nas outras. É como se Christopher Nolan tivesse filmado ao lado Michel Gondry as missões de Scott Pilgrim.
Kwan e Scheinert voltam a exercitar aqui o gosto pela subversão tonal que exibiram em “Um cadáver para sobreviver” (2016). Abraçam da ação estilo sessão da tarde ao ridículo desavergonhado, incorporando o filme de kung fu, com direito a pausas para idílio romântico ao sabor de Wong Kar-wai. Este é um bufê para se apreciar sem moderação.
Algumas referências estão claras na escolha saudosista do elenco, que tem Hong (“Os aventureiros do bairro proibido”), Jamie Lee Curtis (“Halloween”) e até o sumido Quan, o menino asiático de “Goonies”. Yoeh (“O tigre e o dragão”) carrega a alma e o suor da história, com participação digna da temporada de prêmios.
No meio de tanta cacofonia, é incrível perceber o quanto a história costura com competência os temas de seus personagens. Estão lá, em uma transfiguração que só a arte é capaz de promover, os conflitos típicos de imigrantes, como a oposição entre tradição e assimilação, além de questões geracionais e de identidade.
Esse assalto aos sentidos também dá espaço à melancolia e a um elogio sincero à família. Aquela fundada no amor, sem olhar a quem.