O falecido André Lurton, tio de meu marido e grande vinhateiro de Bordeaux, herói da Resistência na Segunda Guerra, sempre dizia: “A desgraça de uns faz a bonança de outros.” Fico espantada com a avalanche de posts de influencers e e-mails anunciando campanhas para arrecadar fundos para os esforços de resgate e acolhimento das dezenas ou centenas de milhares de gaúchos que perderam tudo. Colocam à venda produtos ou vinhos ou inserem em suas cartas de vinho rótulos gaúchos prometendo doar a receita — ou pior, só o lucro — a instituições que estão em campo, no Rio Grande do Sul, socorrendo as vítimas das enchentes recentes. Geralmente, pedem que a generosa iniciativa seja divulgada, compartilhada nas redes sociais.
Já me cansa todo o greenwashing que fazem grandes marcas e empresas, cada vez mais: o marketing que busca posicioná-las como salvadoras do planeta. Até gigantes do food service, petróleo e agronegócio de repente parecem preocupadíssimas com a preservação da biodiversidade, pagando fortunas para empresas de branding, estampando flores, pássaros e borboletas em rótulos e etiquetas, patrocinando eventos e fóruns sobre temas como energias renováveis e agricultura regenerativa etc.
Tem gente se aproveitando de uma tragédia colossal — as enchentes no Rio Grande do Sul — para se autopromover. O ciclo se repete a cada tragédia: uns ajudam voluntariando, doando dinheiro para as vítimas ou as equipes no front que salvam vidas. Outros montam campanhas de arrecadação de dinheiro mais marqueteiras do que eficazes.
Comovem-me os que param suas vidas para socorrer as vítimas. Um engenheiro e um vinhateiro gaúchos montaram um centro de distribuição de água, remédios e comida em Porto Alegre. Outro vinhateiro da capital, com um amigo catarinense, tem passado seus dias resgatando gente de barco. A Serra Gaúcha, berço do vinho brasileiro, está devastada! Para ajudar, mais vale comprar on-line direto das vinícolas gaúchas do que postar promoções beneficentes no Instagram.