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Por — Rio de Janeiro

"Nunca dirija depois de beber!”. Na frase estampada em balões usados nas blitzes da Lei Seca, a razão das operações espalhadas pelas ruas do estado: desencorajar a perigosa mistura de direção e álcool. Mais de 4,2 milhões de pessoas foram abordadas nos 15 anos de existência dessa iniciativa no Rio — dessas, 304 mil (7%) não passaram no teste do bafômetro ou se recusaram a se submeter ao exame. Apesar de ter sua importância reconhecida pela população e pelas autoridades, dados da Secretaria estadual de Governo (Segov) mostram que ainda há motoristas que não se inibem: 59 deles foram flagrados alcoolizados dez ou mais vezes desde 2014.

Todos os condutores abordados precisam fazer o teste de alcoolemia. Ao passar pelo bafômetro, caso fique provado que não ingeriu álcool, ele é liberado. Mas, caso o exame dê positivo ou a pessoa se recuse a realizar o teste (o que é um direito seu), ela tem sua Carteira Nacional de Habilitação (CNH) apreendida pelos agentes da operação. Entre as punições previstas estão ainda o pagamento de multa de R$ 2.934,70 e a retenção do veículo, que pode ser retirado por outro condutor habilitado, que passará pelo exame. Cinco dias depois, o motorista flagrado — que terá um processo administrativo instaurado contra ele, para suspender seu direito de dirigir por um ano — pode ir até a sede do Detran, no centro do Rio, e recuperar sua CNH. Ou seja, enquanto o processo estiver correndo, o condutor poderá seguir dirigindo. E ainda recorrer em três instâncias, caso seja condenado.

Em dez anos, 59 motoristas foram flagrados alcoolizados dez vezes ou mais na Lei Seca no Rio — Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo
Em dez anos, 59 motoristas foram flagrados alcoolizados dez vezes ou mais na Lei Seca no Rio — Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo

Prescrição a caminho

Mas as punições não têm conseguido barrar a irresponsabilidade de alguns. Nos últimos dez anos, um motorista foi reprovado no bafômetro 39 vezes — em média, uma a cada três meses. Chama a atenção que os flagrantes ocorreram numa grande parte do estado: no Centro; nas zonas Norte, Sul e Oeste da capital; nas cidades de Niterói, Duque de Caxias e Itatiaia (no Sul Fluminense). Em Santa Cruz, na Zona Oeste, foram seis vezes.

Motorista pego 39 vezes pela Lei Seca percorreu toda a capital, além de Niterói, Caxias e Itatiaia — Foto: Editoria de Arte
Motorista pego 39 vezes pela Lei Seca percorreu toda a capital, além de Niterói, Caxias e Itatiaia — Foto: Editoria de Arte

Uma das explicações para que esse cidadão consiga seguir ao volante é a “ineficiência da administração pública” em julgá-lo, aponta o advogado Armando de Souza, presidente da Comissão de Trânsito da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RJ).

— O estado tem prazo de cinco anos para te punir. Se não fizer isso dentro do prazo, (o processo) prescreve. Existem dois tipos de prescrição: quando o estado foi omisso, ou quando o processo fica parado por três anos sem qualquer movimento. E isso acontece muito por conta da falta de estrutura dos órgãos que compõem o sistema de trânsito. O infrator acaba beneficiado — observa o especialista.

Dos 59 motoristas com alta reincidência, sete foram pegos todas às vezes no mesmo local. Um deles teve suas 17 passagens na Gávea, na Zona Sul, enquanto outros dois foram parados 11 vezes, cada: um apenas em Olaria, e outro só em Marechal Hermes, os dois bairros da Zona Norte. Fora da capital — os dados da Segov não apontam bairros —, a Lei Seca reteve a carteira de um condutor 14 vezes em Niterói e de outro dez vezes em Saquarema, na Região dos Lagos.

— A fiscalização de trânsito impõe medidas administrativas de caráter educativo, mas infelizmente alguns cidadãos não aprendem. Não há dispositivo legal que imponha crime à reincidência — observa o major da PM Vitor Schmitt, coordenador operacional da Lei Seca. — Isso acaba gerando o sentimento pessoal de frustração (nos agentes), mas é reforçada a nossa vontade de continuar fazendo, para que se atinja o objetivo: que a sociedade consiga compreender que insistir nessa irregularidade coloca em risco não só o próprio, mas todos nós que estamos no trânsito.

Além do recordista, pego 39 vezes, outros 58 motoristas foram flagrados mais de 10 vezes — Foto: Editoria de Arte
Além do recordista, pego 39 vezes, outros 58 motoristas foram flagrados mais de 10 vezes — Foto: Editoria de Arte

Os motoristas abordados nas blitzes também podem ter o carro retido, caso seja constatada alguma irregularidade no veículo. Mas a ausência de reboques, como constatado pelo GLOBO ao acompanhar uma operação na última quinta-feira, tem atrapalhado essa medida. Vitor Schmitt pontua que, nesses casos, o veículo pode ser multado e liberado, por falta de meios para levá-lo para o pátio. Segundo o Detran-RJ, o trâmite para remoção e guarda de veículos está em processo de licitação.

Dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) mostram que nos três primeiros meses deste ano o número de pessoas que conduziam veículo embrigadas ou sob efeito de drogas aumentou 18% em relação ao mesmo período de 2023: passou de 328 para 390. A consequência disso pode ser percebida nos hospitais. O cirurgião Marcelo Pessoa, coordenador do Centro de Trauma do Hospital Alberto Torres, em São Gonçalo, conta que a maioria dos casos atendidos são de vítimas de trânsito, principalmente os motociclistas. Segundo ele, muitos chegam ao hospital com sinais de embriaguez ou uso de drogas:

— Os danos causados por acidentes de moto são cada vez mais complexos. Quando não perdem a vida, ficam com sequelas definitivas.

Vítimas da mistura do álcool com a direção trabalham atualmente em ações da Lei Seca para conscientizar as pessoas dos riscos que isso pode causar. Sem as duas pernas, sobre uma cadeira de rodas, Marajó do Nascimento, de 60 anos, é um desses agentes e conta que foi atropelado por um motorista bêbado enquanto caminhava na calçada, quando tinha 17 anos.

Trabalhando nessas campanhas há 15 anos, ele conta que a recepção das pessoas melhorou com o tempo.

— Tem colega meu que lembra de jogarem cerveja neles (no início). E, se você for ver hoje, nosso trabalho tem 15 anos e é uma política pública — diz Marajó. — Mesmo com a multa, o pessoal continua bebendo: a gente não quer que aconteça com eles o que aconteceu com a gente.

Agentes da Lei Seca, Fernanda e Marajó durante ação na Praça Nelson Mandela, em Botafogo — Foto: João Vitor Costa / Agência O Globo
Agentes da Lei Seca, Fernanda e Marajó durante ação na Praça Nelson Mandela, em Botafogo — Foto: João Vitor Costa / Agência O Globo

Sua companheira numa ação nos bares da Praça Nelson Mandela, em Botafogo, na última semana, é Fernanda Carlos Silva, de 44 anos, que perdeu os movimentos das duas pernas após uma grave lesão na medula, depois de sofrer um acidente de carro, que era conduzido por um primo que estava alcoolizado, em 2004. Ela diz que tem esperança que as pessoas tomem consciência, sem precisar ver para crer.

— Outro dia, estávamos trabalhando em Bangu, quando um rapaz me parou e disse que acha excelente o nosso trabalho. Ele falou: "eu bebia e dirigia, mas meu primo bebeu, pegou o carro, bateu num poste e morreu na hora”. Desde então, falou que não ia mais se arriscar. Infelizmente, as pessoas só acreditam quando acontece com alguém próximo — relata Fernanda.

Procurado, o Detran-RJ ressalta que o motorista flagrado alcoolizado é punido com o recolhimento da CNH. “Por garantia constitucional, ele tem direito à ampla defesa”, observa o órgão. “Caso não haja sucesso nos recursos ou o processo corra à revelia é aplicada a penalidade de suspensão.” O órgão ressalta que se o motorista for pego dirigindo com a CNH suspensa perderá o direito de dirigir por dois anos.

Autor da Lei Seca, o deputado federal Hugo Leal afirma que "os casos de reincidência na fiscalização da Lei Seca precisam ser avaliados sob dois aspectos: a importância da frequência da fiscalização, que acaba gerando esse tipo de situação por causa da eventual não aplicação das penalidades de suspensão do direito de dirigir, e a cassação da CNH. É uma demonstração de que apenas a multa não é o suficiente para dissuadir aqueles que insistem em beber e dirigir. Além disso, é preciso trabalhar pela conscientização desde o período escolar para que o futuro nos apresente adultos mais responsáveis pela paz no trânsito".

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